#AgoraÉQueSãoElas: O que a mulher faz, por Jardim Secreto

EricaMaradona

Acompanho o trabalho de Claudia Kievel e Gladys Tchoport, as donas do Jardim Secreto, desde que elas estavam começando, junto com a onda de festas-bazar que toma conta da cidade. E as duas escrevem para a campanha #AgoraÉQueSãoElas – que continua indefinidamente aqui no Trabalho Sujo – sobre ser mulher e produzir cultura, às vésperas de uma edição do Jardim dedicada ao tema feminismo, a primeira que trará uma exposição.

Ouvimos muitas vezes as pessoas impressionadas com o fato de o nosso projeto ser organizado, pensado e criado por apenas duas mulheres. Por quê o espanto? A única diferença que enxergamos é que existe talvez um pro ativismo natural mais forte na mulher do que no homem.

Explicamos: é comum ouvir afirmações do tipo “ah mas com o seu charme você consegue tudo”, como se pra mulher sempre fosse mais fácil conseguir realizar objetivos, apenas por ter um corpo de mulher. Muito pelo contrário. É difícil ser levada a sério, por mais que se tenha uma atitude dura. Você continua sendo mulher, e o seu trabalho vai continuar sendo encarado como “trabalho de mulher”, como se homens e mulheres não pudessem exercer as mesmas funções ou terem a mesma capacidade e gostos. Sentimos na pele que para conseguirmos atingir nossos objetivos, ou as vezes apenas executar algumas funções simples, é preciso se impor, se impor o tempo todo, ser durona. Porque?

Porque é necessário se masculinizar para conseguir respeito?

Feminismo não é só se vitimizar. Somos vítimas, é fato, mas não queremos esse título e ele nem nos agrada. Queremos o respeito e a credibilidade que homens recebem. Queremos que nossa voz seja ouvida pelo o que temos a dizer e não pela nossa aparência. Em resumo, feminismo nada mais é do que a igualdade de direitos entre gêneros. Não existe um movimento por parte das mulheres com a mesma força que o machismo, para se igualar a ele vão-se algumas centenas de anos. Ou seja, não existe nem a remota possibilidade de feminismo ter o mesmo peso que o machismo.

O movimento #AgoraÉqueSãoElas é uma idéia bonita, mas seria mais bonito se isso se aplicasse de forma definitiva no cotidiano das mídias, não só para agradar por uma semana.

O Jardim Secreto Fair é um projeto que tem como objetivo apoiar e destacar o trabalho de pequenos produtores brasileiros, que possuem projetos feitos à mão. Fora esse objetivo, temos também alguns posicionamentos, que nunca foram devidamente verbalizados, mas estamos com vontade de tornar isso real. E começamos pelo tema Feminismo, na primeira exposição realizada no Jardim, no dia 19 de dezembro.

Nesta edição, cedemos um espaço para a escritora Clara Averbuck fazer o lançamento de seu novo livro, Toureando o Diabo, e para aproveitar esse acontecimento queremos um espaço de exposições dentro da feira, e a primeira se trataria 100% sobre o feminismo. Convidamos ilustradoras que se identificam como feministas, para criarem um cartaz sobre o tema “O que é feminismo?”. Ela pode ter texto ou não, fica a critério de cada uma. Quem quiser colaborar manda email para jardimsecretoo@gmail.com ate dia 20 de novembro.

O projeto inicialmente é colaborativo, mas vamos divulgar o nome e trabalho de cada uma que decidir apoiar a ideia em todas as nossas mídias, além de arcarmos com o custo das impressões e montagem da exposição.

A ilustração deste post é da Erica Maradona.

#AgoraÉQueSãoElas: Melhor vantagem, por Fernanda Paola

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Chamei a Fernanda Paola, querida amiga que também é heroicamente fundadora e diretora do Espaço Cult onde faço meus cursos sobre música, para escrever o texto do #AgoraÉQueSãoElas da vez – já que não vou me restringir a apenas uma semana de publicação para este tema, que acho um dos mais importantes – hoje e sempre.

Quando fui convidada para usar esse espaço, numa ação coletiva, generosa e bonita, aceitei. Sem saber se havia uma pauta específica, ou do que tratavam os outros textos, resolvi aproveitar essa liberdade.

Nunca separei as coisas por gênero. Fui criada por uma mulher muito forte, que agarrou a vida sem olhar para trás. Nunca ouvi da minha mãe uma reclamação sobre ser mulher. Como se fosse vítima, ou se não pudesse fazer alguma coisa por conta dessa condição. E também não tive pai. A meu ver, desde cedo, eram as mulheres que dominavam o mundo. Minha avó era muito forte, a minha bisavó também. Tive certeza disso por muito tempo, até que a vida começou a se apresentar crua e cruelmente. Entendi que as coisas não eram bem assim. Que as mulheres ao meu redor haviam sofrido muito com todo tipo de abuso.

Basicamente, por serem mulheres.

Descobri que para a minha mãe chegar num cargo executivo e de poder, ela teve que engolir mais sapo do que eu jamais aguentaria de homem nenhum. Ouvi histórias tristes de minha avó, que representa uma geração de mulheres que tinham que sofrer caladas. Entendi que, se elas passaram por isso, se foram fortes e guerreiras apesar de tudo, era para que eu pudesse ser livre. E, então, minha obrigação é dar conta do recado e nunca abaixar a cabeça para homem nenhum. Pensando agora, escrevendo esse texto, acho que sempre fomos feministas em casa. O que me deu possibilidade de chegar até aqui, onde posso dizer o que penso e fazer o que quero. Sem medo. Diferente delas.

Nunca deixei de fazer nada por ser mulher. Muitos disseram que eu devia. Ouvi que “isso não é atitude de mulher” a vida toda. Das mulheres, dos homens. Pelo visto, até hoje há algumas coisas que podemos fazer, e outras que não. Mas como nem ouvi quais são, fui fazendo. Sou mulher e toco um negócio de cultura no Brasil. Contra todas as estatísticas. E aconselhamentos. E não posso reclamar. Apesar de todo preconceito, misoginia e abuso – sim, passamos por tudo isso a vida toda, repetidamente – não escolheria ser outra pessoa, estar em outro lugar, participar de outra história, se não a minha.

Ser mulher é, para mim, minha melhor vantagem.

A ilustração deste post foi sugerida pela Fer e é da ilustradora israelense Ofra Amit, que ela esbarrou num Pinterest.

#AgoraÉQueSãoElas: Sou mulher, por Roberta Martinelli

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Pedi para a Roberta Martinelli escrever um texto sobre o #AgoraÉQueSãoElas aqui para o Trabalho Sujo e ela me veio com essa bela bofetada.

Sou mulher. Mas já fui menina e já fui muitas vezes menino e homem (sem nunca ter sido). Funciona assim: tenho dois irmãos, sou a mais velha e desde pequena não gosto de bonecas, mas sempre ganhei bonecas das tias, avó, família…eu não gostava mas tinha pena de falar para elas e oferecia para meus irmãos “eu deixo você quebrar ela se você me der um carrinho dos que ganhou” e assim cresci, ouvindo “ a Roberta é meio menino”.

Na adolescência lembro que fui viajar com umas amigas, algumas com namorados outras não (eu era do time das solteiras) e no meio da viagem fui apelidada de Betão pelos namorados, afinal a gente conversava bastante, eu não tinha, segundo eles, as “frescuras das garotas” e eu era tão amiga dos meninos que era um homem para eles.

Com 18 anos resolvi estudar teatro e nunca consegui fazer um papel feminino, me falavam que eu não entendia a delicadeza, a fragilidade, a sensualidade da mulher. Eu sofria, chorava, não entendia porque não podia “ser uma mulher” se eu era uma mulher. E fazia papéis masculinos, e com o tempo passei a adorar ser ator. Era tão ator que quando acabou a peça de final de curso a mãe da “minha namorada” na peça que tinha me achado um cara lindo ficou chocada de saber que eu era mulher.

Eu não usava vestidos, eu não usava saia, e achava que isso era ser forte. Eu tinha aprendido assim. Aprendi que não gostar de bonecas me tornava “meio menino”, conversar sem “frescuras” me tornava um amigão e que sem ser frágil, sensual eu seria um ator e não atriz. Quantas lições erradas para uma mulher em formação.

Depois do teatro comecei a trabalhar em rádio e depois ainda em TV (com o meu programa Cultura Livre na TV Cultura) e aí virei apresentadora, comecei a usar maquiagem, saia, vestido e entendi que eu podia ser vaidosa, me cuidar e que isso não ia diminuir o que eu era. Eu entendi, mas agora tenho que explicar.

Quando aderi a dita feminilidade, fui tratada como menor por chefes, diretores, em testes. Eu passei a ser tratada como “a apresentadora” – estereótipo da mulher bonita que não entende nada do assunto que fala. E sempre foi uma briga lutar pelo conteúdo, uma cara de surpresa quando percebiam que eu sabia mais que os homens em volta, uma cara irritante de surpresa (mas que ao mesmo tempo me fazia sair orgulhosa).

Quando ainda era atriz fui fazer um teste de publicidade e na hora que cheguei tinha um produtor que separava as meninas entre “a bonita” e “a outra”, quem ficava com a placa de “a outra” ficava triste (claro) mas ficar com “a bonita” era bem puxado também. Depois de horas de espera entrei com a minha placa, eu era “a bonita” e uma assistente de direção que coordenava o teste disse “Faz um sorriso, uma cara, enfim você estudou bastante para ser bonita”. Eu fiquei com tanto ódio e disse “para ser bonita eu não estudei nada, estudei para outras coisas que não vai dar para te mostrar neste teste ridículo que você estudou para fazer” óbvio que não peguei o comercial – não estudei o suficiente para engolir sapos.

Agora escrevendo, eu fico na dúvida se não estou fazendo drama. Será isso ainda reflexo de uma culpa de assumir as dificuldades de encarar uma posição de frente como mulher?

Falando em ser mulher, nas últimas semanas muitas mulheres resolveram escrever contando as barbaridades que sofreram. Li relatos impressionantes de assédio. Muito triste. Pensei nos meus e que louco perceber que como eu acreditei nesta baboseira que eu era homem, nunca encarei meus assédios como tal. Eu lembro quando eu era pequena, 6 anos e dois meninos me prenderam no banheiro na escola e a professora começou a bater palmas para irmos para a classe (era o sinal analógico ainda da minha escolinha) e o Beto disse “Você só sai se beijar o Thiago” e eu disse “Mas eu quero beijar você, não ele” E beijei. Porque quis e porque pude.

Brinquei muito com carrinhos, fui Betão, fui ator mas jamais prenderia alguém no banheiro para conseguir um beijo. E isso não é coisa de homem ou de mulher, é de ser humano.

E na foto que ilustra o post está a própria Roberta, caracterizada como Luis, na peça À Prova de Fogo, de Consuelo de Castro.

Do #lingerieday ao #AgoraÉQueSãoElas, por Carol Moreno

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Continuando a série #AgoraÉQueSãoElas (a Manô Miklos, que puxou o coro, explica melhor a hashtag e a campanha aqui), em que mulheres tomam espaços abertos por homens para expor seus pontos de vista, me deparei com esse ótimo texto da Carol Moreno no Medium e pedi pra ela deixar que eu republicasse aqui – e ela topou. Com a palavra, Carol:

Parte 1: o machismo morreu?
O machismo não morreu, é claro. Está vivo, enorme, saudável, parrudo e muito bem armado, ainda que jamais poderá voltar a andar pelas ruas desse Brasilzão com a mesma cabeça e a alma tranquila. O machismo por dentro anda cabreiro, de vez em quando olha para os lados e titubeia. Não raro pensa em cruzar a rua se vê alguma movimentação estranha, achando que talvez alguém ali vá mexer com ele e, quando está sozinho, passou a fechar as mãos em punhos com as chaves de casa entre as juntas dos dedos em caso de ataque. Está certo ele: nós vamos mexer sim, e não vai ser pouco.

Tem gente chamando isso de revolução. Eu gosto mais da palavra onda. Primeiro porque soa mais aberto, mais breve, mais fácil. Segundo porque ela começa lá longe, no horizonte, onde a gente não consegue definir bem que contorno vai ganhar, com que força vai chegar, e a gente nunca sabe onde vai parar. Isso acontece também com a revolução, mas citando a onda não vamos ter que aturar os professores de história debatendo se vamos ou não derrubar as estruturas políticas e econômicas para merecer o título de revolucionárias. Na onda é só olhar pra direção que ela vem, levantar os braços e tirar os pés do chão.

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Foto: Marcha Mundial das Mulheres

Mas pode usar revolução. Não importa a palavra, importa é que aconteça.

Parte 2: Machismo vivão da silva
Há seis anos e três meses (parece muito, mas parece ontem), eu não tinha certeza de que um dia tudo isso aconteceria. Era meados de julho de 2009 quando inventaram o #lingerieday, um dia específico para mulheres se fotografarem vestindo lingerie e publicarem as fotos aglutinadas pela hashtag, para que todos pudessem acompanhar.

A princípio, a ideia me pareceu estapafúrdia. Em 2009, porém, as celebridades não usavam Twitter, o Twitter não pautava outras mídias, usavam muito a palavra “monetização” e ainda ficávamos com vergonha de dizer que conhecemos tal amigo/a ou namorado/a pela internet. Eu era abertamente feminista, mas a maioria das feministas que eu conhecia ainda estava nos protestos nas ruas no 8 de março, nas assembleias e colégios estudantis. Feminismo era palavrão.

Quando, nos dias seguintes ao anúncio do empreendimento, mais homens começaram a difundi-la, e nenhuma mulher que eu conhecia apareceu para criticá-la, minha primeira impressão foi substituída pela indignação. Há muitos assuntos complexos e subjetivos dentro dessa questão de liberdade de expressão. Não vou entrar neles (não vou mesmo), mas o que me chocava na época e ainda dificulta que eu aborde a questão sem ironia era por que diabos um bando de homens queria definir que dia as mulheres devem ou não ser livres. Alguns desses homens eu conhecia pessoalmente, já dividiram mesas de bares comigo, e me incomodava contemplar que, pra eles, parecia tão simples e lógico e natural que os homens tivessem esse tipo de controle-persuasão-sugestão-indicação (chame do que quiser) sobre o que eu faço ou não com o meu corpo.

Incomodava também o silêncio constrangedor por parte das mulheres, aquela hesitação de quem está andando pela calçada e dá de cara com um vespeiro. Eu morava na Espanha, não via ninguém pessoalmente mais, só lia os meus amigos e amigas de longe. Será que realmente está todo mundo achando legal essa ideia, e talvez eu apenas esteja sendo chata?

Passaram-se alguns dias e decidi que tudo bem se eu fosse de fato a única a gritar sozinha. Aceitei de antemão o rótulo de “chata” que viria automaticamente.

Antes do meu horário de almoço, escrevi em 20 minutos um breve texto questionando a história toda em um blog coletivo que (só descobri hoje) não existe mais. O título era “O #lingerieday não é uma coisa do outro mundo”, e ele pode ser lido no blog da Ana Frank. Relendo-o agora, achei que ficou com bastante cara-de-redação-do-Enem (que tiraria nota 600, porque faltou a proposta de intervenção social) e me espantei brevemente com a comparação dos homens a porcos (muito pobre, admito). Mas ainda assino embaixo dele.

Eu não tinha smartphone, então publiquei, fui almoçar e só soube da repercussão ao texto um pouco depois.
Os bem intencionados homens que iniciaram a campanha indignaram-se com muita dignidade e hombridade na caixa de comentários, apoiados pelos homens que queriam se sentir mais homens. Com eles aprendi ofensas inéditas sobre vaginas, e algumas mulheres pularam no lamaçal para defender meu ponto, e em poucas horas já eram mais de cem os socos e pontapés registrados por lá. Apaguei os comentários que ofendiam outrxs comentaristas, mas todos os que me xingavam eu fiz questão que ficassem visíveis, com o nome de cada cavalheiro que não aceitava que eu não concordasse publicamente com tal plano infalível. Fechei aquele campo de batalha e, nos anos seguintes, apenas repostava o link e seguia com meu dia.

Infelizmente o blog não existe mais para que vocês possam reler tudo, mas em 2009 já tinha Gmail, e todos os comentários dos meus posts eram enviados, um por um, ao meu Inbox. Reproduzo, na montagem abaixo, apenas o teor de alguns dos comentários. Preservei a identidade dos autores (se quiser saber quem é quem, pode me pedir as arrobas).

comentarios
Explicação: Não publiquei os comentários que me defendiam, mas alguns deles eram de homens. E houve mulheres que zombaram do meu texto (ofensas, porém, só dos mocinhos). Também não publiquei as DMs e os e-mails de meninas que me agradeceram em privado por falar o que eles não tinham coragem de dizer.

Parte 3: Como matar o machismo
Reconto esse episódio esporadicamente, não pra que sintam pena de mim ou ódio de quem me atacou, mas porque lembro dele quando perguntam minha opinião sobre “tudo isso que está aí”. Esse não foi o primeiro post feminista da blogosfera brasileira, nem sou eu a feminista mais xingada da internet, e muito menos esses comentaristas ganhariam grande destaque em uma retrospectiva de chiliques tupiniquins virtuais.

É certo que a época era outra, e hoje acho que estes senhores já pararam de usar seus nomes e e-mails pra assinar mensagens tão gentis. Hoje a ofensa virou negócio, já se dispõe de um exército de fakes pra fazer o trabalho sujo, são profissionais da falácia, talvez até remunerados, e reagem com mais virulência, violência e perseguição.
Mas isso só acontece porque hoje, hoje hoje, agorinha mesmo, mais um texto feminista, além desse aqui, acabou de aparecer na internet.

Hoje tem revista feminista pra adulta, revista feminista pra adolescente, tem think tank feminista, fake feminista (pra citar só uma página do Facebook), vlogueira feminista falando sobre relacionamento abusivo, assédio e coletor mestrual. Disse outro dia que “it’s raining feminists, hallelujah”, e é isso mesmo. Elas (e eles) não param de aparecer, inclusive as que antes zombavam das “feminazis”, inclusive as que já participaram do #lingerieday e hoje não querem mais um calendário pré-definido.

O barulho das feministas é alto e até pode parecer uma gritaria caótica. Mas a mensagem por trás dele é uma só: o machismo não morre, há de matá-lo. Ele vive dentro da gente, não vai decidir ir embora um belo dia, assim como não foram os homens que deram às mulheres o direito de votar, nem serão eles que darão às mulheres negras e pobres o direito de abortar com segurança. As mulheres é que vão arrancar esse direito da mão deles.

E o machismo não morre com uma bala no peito, estatelado na calçada. O machismo precisa ser asfixiado pouco a pouco, dia a dia, até murchar dentro da gente. Mesmo depois de a gente dizer “sou feminista” pela primeira vez em voz alta.

Dói apertar as mãos em volta dele e ficar segurando, dá trabalho. Mas às vezes temos ajuda. Ela pode vir disfarçada de uma amiga que menciona, por alto, que jamais faria o mesmo porque um homem pediu, quando você a encontra depois de meses e, por algum motivo, menciona que há tempos não pinta a unha com um esmalte de cor escura porque seu namorado prefere cores claras.

Ela vem fantasiada de vergonha daquela noite em que você, adolescente, a 800 km de casa, com todos os amigos esperando do lado de fora no táxi, foi agarrada contra a sua vontade por um colega em um encontro de alunos de colégios jesuítas que se conheceram em um retiro religioso!

Tem dia que ela chega em forma de corda vocal quando aquele homem mexeu com você discretamente, no pé do seu ouvido, numa rua cheia de gente, achando que você vai engolir quieta. Mas aí de repente todo mundo olha espantado ao ouvir um “CALA A BOCA SEU MACHISTA!” ecoar de algum lugar, incluindo ele, e incluindo você também, até descobrir que foi você quem gritou, transferindo a vergonha pro rosto do covarde.

Chega na voz masculina de outros países, que coloca em xeque suas perspectivas sobre a naturalização cultural. Como o espanhol, de um lado, que te explica casualmente como ele não faz piadas sobre TPM porque elas “son machistas”. Ou o angolano, do outro, que te explica casualmente como é moderno e respeitoso porque “permite que a esposa tenha a chave da casa”.

Sem que qualquer pessoa pudesse prever, ela chega de sopetão, avassaladora, na forma uma montanha de relatos alheios de traumas que soam tão intimamente seus, pra mostrar que a culpa não é sua, e em uma reação sufocante a comentários criminosos e à tentativa de abafar sua seriedade.

E essa semana está chegando em locais ainda mais improváveis, como os blogs e colunas de homens que também estão lutando contra seu próprio machismo.

Aos homens que aderiram à semana do #AgoraÉQueSãoElas, proponho que voltem a fazer isso na semana do 8 de Março. Que vire uma tradição e que vocês se assemelhem cada vez mais ao meu amigo espanhol, e cada vez menos ao meu conhecido angolano.

Aos homens e mulheres que dizem não ver nenhum machismo dentro de si, só um recado. Podem me ligar se um dia quiserem surfar na nossa onda. Eu empresto a minha prancha.

onda
Vida longa à Maya Gabeira

A foto que abre o post é da Gi Meira.

#AgoraÉQueSãoElas, por Manô Miklos

AgoraÉQueSãoElas

A Fran me tagueou num post da Manô Miklos, que está divulgando a hashtag #AgoraÉQueSãoElas para pedir mais espaço para as mulheres em nossa sociedade, e eu entrei em contato com a própria para que ela explicasse, aqui no Trabalho Sujo, a essência desta campanha. Com a desculpa de desestabilizar o governo, uma corja de vilões, liderada pela escória da politica brasileira Eduardo Cunha, vem colocando em pauta uma série de desmandos absurdos em relação a diferentes questões da nossa realidade, mas o abuso contra os direitos das mulheres (em pleno 2015!) é dos golpes mais baixos da série de palhaçadas que essa escumalha vem propondo contra o país.

E isso pode ser o começo de sua derrocada – e o início de um levante popular que pode ganhar proporções ainda maiores caso tenha o apoio irrestrito e constante de quem está do lado delas. Esse é o primeiro post durante esta semana para discutir o retrocesso brasileiro frente à questão feminina, que foi iniciado por uma cambada de imbecis no congresso, mas está encalacrado em diferentes instâncias de nossa sociedade.

Esse texto é o primeiro da semana. Outros virão. Com a palavra, Manô:

Alô comunidade do Trabalho Sujo, alô todxs.

Esse é um momento importante: mulheres estão perdendo direitos adquiridos com muita dificuldade. É cruel. Mulheres vêm relatando o que é ser mulher no Brasil hoje. E ser mulher no Brasil é perigoso.

Contra essa crueldade e pra denunciar esse perigo, nós mulheres tomamos as ruas. E as redes.

Muitos homens que têm acesso a meios de comunicação e espaços de fala garantidos – verdadeiramente emocionados diante desse momento e solidários nesse movimento de empoderamento – têm vontade de escrever sobre o tema.

Do reconhecimento essa vontade em muitos homens, nasceu a provocação: e se esses homens, ao invés de publicar textos sobre a importância de escutar, de fato reconhecessem a importância de escutar e cedessem, nessa semana, seus espaços para mulheres falarem? Algo como: hoje, como o importante é ouvir, eu e você leitor ouviremos. Leremos. Com vocês, uma mulher. 

Dessa provocação surgiu, com a ajuda de muitxs e bons, a iniciativa : uma semana de mulheres ocupando os espaços masculinos de fala. Homens convidam mulheres para escrever no seu lugar e se colocam nesse lugar do ouvinte. Dando voz e vez a uma mulher. Reconhecendo a urgência da luta feminista por igualdade de gênero e o protagonismo feminino nesta luta.

Pensemos juntxs em como adaptar isso para os muitos veículos: jornais, blogs, canais de Youtube, perfis, TV. Temos uma infinidade de meios para multiplicar informação. Todos eles podem ser, nessa semana, ocupados por mulheres.

Muitos homens toparam e já cederam seu espaço nessa semana que começa para uma mulher, para as mulheres. Gregorio Duvivier, Marcelo Freixo, Jean Wyllys, Leo Sakamoto, Bruno Torturra, Ronaldo Lemos, Marcelo Paiva, João Paulo Cuenca, José Eduardo Agualusa, Marcus Faustini, Fred Coelho, Antonio Prata, Renan Quinalha, Jorge Bastos Moreno, Alexandre Porto Vidal, Douglas Belchior e muitos, muitos outros. Meios como o Quebrando o Tabu toparam pensar em como se tornar, nessa semana, um espaço em que as mulheres sejam protagonistas. E o Matias, no Trabalho Sujo, também.

Queremos muitos mais com a gente. Queremos todxs juntos nessa onda. Pra que ela seja um tsunami. 

As coordenadas pra você homem, são: a iniciativa #AgoraÉQueSãoElas começa segunda e dura uma semana. Você escolhe uma mulher e cede a ela o seu espaço de fala. Pode fazer uma breve introdução explicando o gesto de ouvir ao invés de falar, se for necessário. Use o hashtag.

Importantíssimo: ao convidar uma mulher para ocupar seu espaço de fala, pense na diversidade. Mulheres negras, de comunidades vulneráveis, mulheres trans, LGBTs – mulheres que têm ainda mais dificuldade de acesso aos meios de comunicação e muito, muito o que dizer. Vamos ouvir as mulheres. Todas. Compartilhem seu espaço de fala de modo democrático. Para que a gente possa escutar as vozes daquelas mulheres que o machismo, o racismo e a exclusão calam com mais frequência. Com mais violência.

Você escreve? Convide uma mulher pra escrever em seu lugar? Você têm seu perfil em redes sociais? Não escreva nada essa semana. Apenas compartilhe palavras femininas. Essa semana, #AgoraÉQueSãoElas.

É pela vida das mulheres.

Com doçura,
Manô Miklos
Rio de Janeiro
Domingo, 1 de Novembro de 2015

A foto que ilustra o post é da Lina Marinelli, dos Jornalistas Livres.