Sério: a história ainda não mediu a importância de Nelson Mandela, que morreu nesta quinta-feira, basicamente porque ele foi a pequena alavanca que começou, finalmente, a mover todo o continente africano. Quando a África se erguer novamente e mostrar toda sua desenvoltura para o resto do mundo, aí sim talvez tenhamos alguma noção do quanto ele foi importante para o século 20. E a África só vai se reerguer porque Nelson Mandela chegou a tempo de salvá-la. Ainda vai levar algum tempo, porque as coisas ainda estão num estágio bem inicial. Mas já começaram e a responsabilidade é de uma pessoa – que viveu 95 anos intensos, nos ensinando uma outra aplicação para o termo “força” – sem agressividade, sem raiva, sem rancor. Força plena.
Não vamos lamentar a morte deste líder, vamos celebrá-la: salve Nelson Mandela.
A foto acima é de Eli Weinberg e foi tirada em 1961.
E nem estou falando de seu célebre parentesco com Alice Coltrane (ele é sobrinho-neto da mestra) e sim de suas origens genéticas – pois o pessoal do OkayAfrica traçou geograficamente de onde vinha o DNA do músico e, no vídeo abaixo, ele tem, pela primeira vez, contato consciente com a música do lugar de onde começou sua própria genealogia.
Demais.
Se você não entendeu o 4:20 anterior, eis a explicação: o cidadão exposto é o tal Jason Russell, narrador e autor do vídeo Kony 2012, que sucumbiu à pressão e, aparentemente, pirou e foi preso. Se liga:
Acha pouco? Além dessa “ginástica” ao ar livre, Russell ainda teria se masturbado em público e destruído alguns carros. A ONG que representa, a Invisible Children, avisou que ele já foi hospitalizado.
Isso dá margem para todo tipo de paranóia. Não bastassem as provas deixadas em vídeos anteriores da Invisible Children darem a entender que toda a campanha Kony 2012 é só uma forma de juntar missionários para uma causa cristã conservadora na África ou que a campanha visa conseguir apoio popular para a invasão norte-americana de um dos países com mais petróleo naquele continente usando de artifícios de propaganda política reversa (além de conter o avanço da China na África), a reação biruta de Russell abre ainda suspeitas contrárias, de que ele teria sido dopado por estar mexendo com os tais “powers that be”.
E parece que essa história ainda vai dar muito pano pra manga…
Além do genial encontro chamado Rocket Juice and the Moon (em que o ex-vocalista do Blur assume a responsa, o vocal e os teclados de uma banda que tem o Tony Allen na batera e o Flea no baixo), Damon Albarn segue sua cruzada pela expansão de sua área de atuação em uma expedição à República Democrática do Congo, o maior país da África, em uma expedição musical ao lado de bons compadres (Dan the Automator e Richard Russell, da gravadora XL, como nos conta a Rolling Stone gringa. E não custa lembrar que Damon já produziu um disco inteiro em um país africano…
Juçara, Décio, Kiko, Maurício, Thiago e Cris
Participei da entrevista que o Douglas e o Renan fizeram no especial África em São Paulo, capa do Divirta-se dessa sexta, que pega o gancho da Festa Fela (neste sábado) para falar sobre com o continente negro vem influenciando pesadamente a nova música paulistana. Conversamos com três integrantes do Bixiga 70 (Maurício, Décio e Cris), que lança seu primeiro disco na festa de homenagem ao aniversário de Fela Kuti, e os três autores do disco Metá Metá (Thiago, Kiko e Juçara) sobre o que está acontecendo em São Paulo, enquanto passeávamos pelo Museu Afro Brasileiro, no Ibirapuera.
Todo mundo vai dançar
Músicos dos bons foram buscar no afrobeat e em outros ritmos africanos a receita para pôr São Paulo inteira para balançar. Você não vai ficar de fora, vai?
A noite de São Paulo está ficando com cara de baile e a frase ‘sair para dançar’ passa a fazer (ainda mais) sentido. Não é por acaso. Pode ser que você não tenha se dado conta, mas a influência africana no trabalho de artistas presentes nas festas paulistanas está cada vez mais nítida. Seja nas excelentes composições de Kiko Dinucci; no saxofone inspirado de Thiago França em bandas como Sambanzo e MarginalS; no festejado disco ‘Nó na Orelha’, de Criolo; no trabalho de cantoras como Juçara Marçal, Anelis Assumpção e Céu, entre muitos outros.
E, não, não esquecemos da banda Bixiga 70, que lança amanhã (15) seu primeiro EP, ‘di Malaika’, na 5ª edição da Festa Fela – que, veja bem, foi criada para comemorar o aniversário do lendário pai do afrobeat, Fela Kuti.
Para entender como a cidade começou a ser tomada pelo suingue vindo da África, convidamos seis músicos importantes neste processo para um encontro com cara de papo de bar, mas no Parque do Ibirapuera, dentro do Museu Afro Brasil – que, vale lembrar, faz sete anos no próximo dia 23. Douglas Vieira
UMA ÁFRICA PARA CADA UM
Thiago França: “A África para a gente é meio a história do disco do Rodrigo Campos. É uma África fantástica. São impressões que a gente tem e traz para o nosso contexto, que não deixa de ser São Paulo em nenhum momento. A gente nunca foi lá. É YouTube, Wikipédia… Foi a internet. A gente foi sacar Fela Kuti vendo essas coisas, vídeos de shows… Foi o YouTube.”
Cris Scabello: “A internet foi muito importante. Potencializou muito esse encontro, essa conexão com o público. Mas tem de tudo, não é só o povo da internet.”
Décio 7: “Quando a gente começou com o dub, as pistas esvaziavam. Hoje está em tudo. Eu acho legal ter uma pesquisa e as pessoas estarem a fim de ouvir. O momento é outro. Na época não tinha internet forte. O (produtor musical) Ganjaman falou outro dia que afrobeat é o novo dub. E está em tudo, desde o Chico Science até a Céu, o Curumim… O público sabe dançar e sabe o nome. Isso muda tudo.”
Thiago: “Acho que é consequência do momento histórico que a gente está. Aqui em São Paulo tem gente com a cabeça muito aberta para som, que vai ver o Bixiga, o Metá Metá, o Criolo, ouve música eletrônica e vai na Sala São Paulo também.”
MAIS BANDAS, MAIS PÚBLICO
Cris: “É um fato. Tem mais bandas, mais público, mais mídia, mais tudo de uns dois ou três anos para cá. E é meio ‘porque eu não pensei nisso antes?’ Estão fazendo isso desde os anos 60. Por que não existia uma banda de afrobeat em São Paulo? E existe uma procura maior pelo assunto agora.”
Kiko Dinucci: “A maioria dos músicos da nossa geração têm algum namoro com a África. Seja no ritmo, na linha melódica… Não acho que existem grupos de música africana e nem tem que ter. Está bom assim. Cada um fazendo seu som e a gente vai parar na África ou no Japão. Ou em qualquer lugar que a gente queira, porque a gente tem internet e pode ouvir músicas do mundo inteiro.”
Mauricio Fleury: “E a gente é músico. Então a gente se encontra, toca um com o outro.
Tem uma troca. Cada um vai colocando seu elementinho no disco do outro.”
Thiago: “Mas se você for fazer um show em uma balada na Vila Olímpia já não vai rolar.”
Décio 7: “Não tem mais as tribos, mas São Paulo ainda tem uns recortes bem definidos.”
Juçara Marçal: “Por isso não dá para falar em movimento. Não é uma cena. São muitas.”
Cris: “A gente quer muito sair desse circuito Sesc, Vila Madalena, Augusta. Quer fazer essa movimentação. Mas a gente sabe que não vai ser simples.”
NOVOS RITMOS, SEM MESMICE
Juçara Marçal: “Quando se pensa em música africana, muitas vezes se pensa em um tipo de ritmo. Mas a riqueza da música africana é justamente a polirritmia, que não pode ser enjaulada no samba, como vinha sendo feito. É muito mais rico e muito mais variado.”
Kiko: “Me incomodava todo mundo tocando como um velho de 80 anos. Padronizou muito a batida. O pandeiro tem que ser assim, o tamborim, assado… Comecei a achar o samba sem suingue. A África estava escondida. Comecei a prestar atenção em samba de bumbo, jongo, batuque, terreiros… Fui fazer o filme sobre Exu e, quando vi, já estava compondo usando a estrutura dos tambores.”
Cris: “Para mim, o afrobeat veio mais travestido pelo Gilberto Gil, pelo Chico Science, pelos ‘Afro-Sambas’ (disco de Baden Powell e Vinicius de Moraes) – mesmo sendo anterior ao Fela.”
Kiko: “Tem coincidências no Brasil.”
Mauricio: “Tem a música ‘Saudação a Toco Preto’, do Candeia.”
Kiko: “Essa música é um ponto de terreiro.”
Mauricio: “Mas tem arranjo de afrobeat, com metais. A gente começou com sonoridades afro. Mas quando a banda começou a andar, e a gente sempre buscou um trabalho autoral, a galera foi voltando para o que já tinha. É sempre falar da gente. Não é ficar tentando reproduzir o Fela. Isso não passa nem perto da gente. São 10 caras, cada um com um background diferente. Todos procuravam esse suingue e todo mundo está feliz de colocar isso no Bixiga.”
DEIXA TOCAR
Thiago: “Eu sempre procurei uma coisa mais suingada. Estava em busca de alguma coisa que só fui saber o que era muito tempo depois. E, em 2007, comecei a ter uma vivência em terreiros e caiu uma ficha do lance de ficar tocando e deixar o pessoal dançar. O afrobeat no Sambanzo não é estudado. É deixar tocar.”
Juçara: “Na Barca, que começou em 1998, percebemos a riqueza da cultura popular. Isso levou a gente até cantigas, doutrinas e tradições de cerimônias afro-brasileiras. Tinha muita presença africana.”
Kiko: “O Bixiga é afrobeat, mas se toca alguma coisa mais latina, sai da Nigéria e entra em outros países da África. E eu fico atento para acontecer isso com a gente. Se alastrar mais. Não ficar restrito a um país. Tem Senegal, África do Sul… ”
Décio 7: “A galera está a fim de dançar. Você percebe nas festas. E o Bixiga é instrumental. As pessoas nem ficam olhando para o palco. É baile mesmo.”
Décio 7: “Tem essa cultura vintage, de procurar coisas antigas. As pessoas querem ouvir isso. E o Bixiga é muito orgânico. É 1, 2, 3 e sonzera. Olho no olho.”
Décio 7: “Tem muita gente.”
Juçara: “Tem o Siba, com um disco muito forte. Tem o Rodrigo Caçapa, grande referência. Douglas Germano.”
Décio: “O Afro Electro, que está há tempos tocando. A Céu e a Anelis Assumpção.”
Mauricio: “Vai sair um compacto do Bruno Morais com a gente de um lado e o Kiko do outro.”
Cris: “E acho que vai crescer exponencialmente.”
Thiago: “Tudo sinaliza para isso.”
Kiko: “Espero que sim.”
Quem é quem
Cris Scabello: dedicado ao groove desde os tempos do grupo de percussão Olho da Rua, foi precursor do dub na noite paulistana.
Décio 7: também do Olho da Rua, o baterista tem longa história no reggae e no dub, estilos que o ‘levaram’ à África.
Juçara Marçal: dona de uma voz suave e bela, que se encaixa perfeitamente nas composições do amigo Kiko Dinucci.
Kiko Dinucci: no Bando Afromacarrônico, no Metá Metá, ou em outros projetos, usa com classe as referências afrorreligiosas.
Mauricio Fleury: dono de um piano elétrico cheio de groove, é do Bixiga 70 e do coletivo de DJs Veneno Soundsystem.
Thiago França: um saxofonista que cai perfeitamente no jazz, no afrobeat, no samba e em qualquer outra coisa com groove.
Sério. Na Namíbia.
Calma, calma: o tema da quinta edição do Vintedez não é sobre um dos volumes da saga Crepúsculo – é que o melhor talk radio gravado num décimo primeiro andar em São Paulo no horário em que as pessoas normais estão trabalhando vos apresenta nosso primeiro convidado, que trouxe um brinde para começarmos os trabalhos em alta. Juliano Zappia recém-desembarcou de Londres com escala em Belo Horizonte, onde caçou uma garrafa da macia aguardente Lua Nova, que passou pelo teste etílico do estúdio Anos Vinte. Juliano trouxe notícias tanto de BH quanto de Londres, nos traz um furo musical sobre a posse da primeira presidente do Brasil e o papo escoa para a importância da África no cenário pop atual, o resgate do vinil, o bazar da Rita Lee, fazer sucesso no exterior, Lucas Santtana, Black Hole e da Feira Música Brasil. Na trilha, um Chet Baker Sings e um Tutti Frutti com Rita Lee – falamos ao final.
Ronaldo Evangelista & Alexandre Matias (featuring Juliano Zappia) – “Vintedez #0005“ (MP3)