A sua vida, saca?

, por Alexandre Matias

ou Como o desemprego é uma ilusão

Prepare-se para ser demitido. Nah, não tô te rogando praga nem exercendo futurologia trabalhista rastaqüera a esta hora da madrugada. Tudo bem que o tom é imperativo e soa dramático, mas meu ponto de vista é mais zen que apocalíptco.

Aceite isto como uma realidade: você vai ser demitido. Quando você menos esperar, por um motivo indefensável, alguém vai lhe dizer que não precisa mais dos seus préstimos e que você pode trazer a carteira de trabalho e passar amanhã no RH. Não, não adianta falar “mas eu…”. É fato, você está no olho da rua.

E agora?

Eis você, sem emprego. Cheio de contas para pagar. Durango. Puto. Nervoso. Impaciente. Tenso. E, pior, sem perspectiva do que fazer daqui pra frente.

Esse é o grande segredo das corporações: te pegar de surpresa, te tirar o emprego como se tirasse o chão, o rumo, o sentido da vida. De certa forma, elas têm razão, afinal de contas, o jeito com que conduzimos nossas próprias vidas em relação ao assunto “trabalho” faz com que pareçamos apenas escravos, que trocam chibatadas pela satisfação insatisfeita de fingir que tudo vai bem no teatro que é a sociedade.

E isso porque simplesmente deixamos de viver sem perspectivas, como se o emprego fosse duradouro, eterno. É este o sentido por trás de tudo: você continuar, para sempre, fazendo exatamente a mesma coisa que sempre fez desde o começo, peça mecânica sem ambição profissional ou vontade de viver, pronta para ser substituída.

E tudo isso em troca de um abono mensal que, por pior que seja, sustenta uma vida mediana e paga aquilo que precisamos comprar para que nos sintamos vivos – discos, cinema, drogas, TV a cabo, praia, viagem pra gringa, noitadas, acesso à internet, telefone, roupa, leituras, carros e sexo, basicamente. Chamamos isto de “entretenimento”.

E vivemos nos “entretendo”, achando que esta forma rasteira de diversão (afinal, entretenimento sequer é diversão, e sim apenas uma forma de distrair, passar o tempo) é onde devemos gastar nossa energia orgônica. E passamos 12, 14, 16 horas enfiados em salas com pessoas que aprendemos a aturar na marra, almoçando com alguns com “quem tenhamos afinidade” (eufemismo para aqueles que temos menos atrito), destilando veneno no café e criando, sem saber, pedras nos rins, feridas no fígado e no estômago, tumores.

Comece calcular quantas horas semanais você dedica ao tema “trabalho”, incluindo aquelas quatro horas diárias morgadas em frente à TV que você finge que são dedicadas a “esvaziar o cérebro”. Não, ele não está esvaziando, está apenas fazendo com que você quique conceitos na cabeça sem se dar conta disto.

Ao mesmo tempo, a TV te bombardeia com símbolos de sucesso, sinônimos de felicidade e notícias de pessoas que desistiram da regra. Os telejornais vão em uníssono com os comerciais: empregado, bom; desempregado, ruim. E lá está você, derretendo nos raios catódicos, assimilando informações que, sem que você perceba, digam claramente o quão vegetal você é e merece ser. Entra o comercial com a gostosa magrinha e o galã de queixo e peitoral largo. Você não é um, nem outro. Sinal vermelho, volte pro fim da fila.

E sequer pense que você pode ficar desempregado. Afinal, isto nunca vai acontecer. Ao menos que, hm, aconteça.

A imprevisibilidade do desemprego é algo encarado nas repartições de trabalho como uma catástrofe natural, um raio, uma chuva de granizo. Mas qualquer um que decida olhar a situação com um pouco de distância sabe que os movimentos são estratégicos como o xadrez e, para usar um termo em voga (e à mercê), vão direto na auto-estima do cidadão.

Por isso, prepare-se para ser demitido. Assim, quando a verdade chegar para você em forma de um bilhete azul, você não vai se sentir um marido traído. Aceite os fatos, você está fora. E agora?

E agora a sua vida, seu merda. Afinal de contas, o que é isso que você chama de vida? Você só consome, consome, consome e daí? O que você ganha com isso? Qual é o sentido disso tudo? Pilhas de livros, pilhas de discos, pilhas de bookmarks, pilhas de MP3. O que você vai fazer com tudo isso? Além de rótulos íntimos de sua personalidade, que mais eles são?

Pense no que você faz hoje. É o que você quer da vida? Você vai morrer e como vai entrar pra história? Funcionário do mês? Operário padrão? Profissional do ano? É este tipo de herança que você quer? Que seus filhos olhem na parede da Fiesp e descubram que você foi o chapeiro do mês em agosto de 2016? Para entrar na posteridade, basta virar nome de rua?

É para aí que você caminha, empregado. E digo com repulsa, com PENA, de você, que tem um patrão fungando em seu cangote prazos e rejeições às suas idéias despencando em seu dia-a-dia como colheres de açúcar no balde de café que você toma de hora em hora.

Por isso, insisto: o que você quer realmente da vida? O que você gosta de fazer? Você ao menos consegue responder a estas perguntas?

Caso positivo, é bem provável que você trabalhe com o que gosta, e esteja começando a duvidar que realmente goste daquilo. Normal, esta é a tática do patrão. Ou pode ser que você esteja desempregado e, mesmo discordando do conceito que ficar desempregado é legal, tendo concordado com boa parte do que eu já disse. Falamos sobre isso mais adiante.

Mas caso você não consiga responder a estas perguntas, não se desespere.Há milhões de pessoas vivendo uma situação idêntica à sua e sequer cogitaram, como você, sobre a possibilidade de estar fazendo algo que preste.

Se você não sabe o que quer, a culpa não é sua. A culpa é de um sistema autoritário que embute na sua cabeça que você tem que, na flor da adolescência (os vinte), definir o que você quer da vida. Só gênios ou robôs sabem o que realmente querem aos dezoito anos, por isso considere que a sua opção de terceiro grau foi errada. Que você fez um curso que não tinha tanta certeza e que provavelmente trabalha com uma área que não diz muito respeito às suas qualidades. É bem provável que você tenha uma gravadora, uma banda, um site ou ao menos um blog, que é onde você deixa suas verdadeiras intenções virem à tona.

Normal. Seria mais normal se você conseguisse se expor assim com todo mundo. Mas, não, o único lugar que você consegue se abrir é no seu blog. No seu fundo de caderno. Nos resmungos durante uma partida de videogame. Sua vida tornou-se uma eterna reclamação. Você reclama, logo existe.

Você está infectado pelo vírus “trabalho”, que tenta tirar qualquer propósito de suas ações. Você se sente, no fundo, um inútil, mesmo que tenha dobrado o faturamento da empresa em que trabalha ou ganho uma viagem para a Europa depois de um tapinha nas costas e uma piscada de olho do patrão. “Yes!”, você pensou sozinho, mesmo sentindo vergonha de estar se nivelando ao parâmetro de um americano mongol (pobres mongóis, nada contra).

Você vai ser demitido, cara. Comece a pensar nisso e nas possibilidades que vêm a seguir. Se você não tiver planos, metas ou pelo menos uma direção no seu rumo, pode crer que você não é nada além de graxa nas engrenagens da História, uma novelinha besta escrita por esnobes que não vão citar seu nome, nem no rodapé.

Por isso, comece a pensar no que você quer fazer quando você for demitido. Altas festas. Uma viagem. Deixar de lero-lero e botar a mão na massa. Descansar de verdade. Pense nisso e vá economizando um troco, fazendo contatos, pensando em alternativas, cogitando possibilidades. Assim, quando a inevitável demissão acontecer, você sabe o que fazer. Esta é a grande vingança. Nada de tremer: fora do trabalho, bola pra frente.

Pare de pensar no trabalho como um fim. Patrões trabalham com conceitos de terror e medo, e o desemprego crescente é bom para que eles mantenham a paranóia sobre seus empregados.

Mande-os à merda. Olhe ao redor: o patrão é o cara que paga tudo que você vê no escritório, inclusive o salário de todos os seus colegas. Ou seja, você não vale nem o aluguel que ele gasta no local de trabalho – isto quando o mesmo não for próprio. Por isso, chute o balde. Use o xerox e a impressora no limite da cara-de-pau. Mande cartas pessoais usando o correio da empresa, faça interurbanos, dependure-se em sua internet e mande recadinhos para seu patrão via email alheio (ou você acha que ele não lê sua e-correspondência?). Fique doente quantas vezes puder, faça corpo mole e finja desinteresse. Responda “sim senhor” para todas as inquisições, peça desculpas quando tomar um esporro e faça cara de dodói, para tocar no resto de humanidade que seus patrões possam ter. Você estará apenas cumprindo seus direitos de empregado.

Mas isto não importa. O importante é você saber o que fazer quando for alforriado.

Por experiência própria, lhe digo: tire férias. Descanse por uns três, quatro meses ou mais. Zere a sua cabeça, limpe o fígado e durma tranqüilo. Depois, mire sua cabeça onde você quer trabalhar. Não importa o que você quiser fazer, haverá alguém disposto a pagar por isto.

Por isso, o mais importante é sair à procura, mexer-se. Comece a trabalhar para você mesmo, antes que a frustração seja maior que a sua vontade de continuar. Afinal, como disse o Daniel de Pádua sobre o Manifesto Nômade do Tom-B: “somos nós quem definimos o que deve ser e o que é. Acorde para as outras possibilidades. Perceba que existem mil sentidos para uma coisa. Deixe-se evoluir à medida que os mil sentidos fluem pelo seu cérebro. Não os retenha voluntariamente. Apenas aprenda como senti-los. Veja o ser humano como uma coisa só”.

Esse é texto meu velho, pós-Play, do começo de 2003, acho, que foi reativado pela minha memória (um lixo) por um post de hoje do Marcel. Mas que continua atual. E isso me lembrou de resgatar os textos do Geocities, que tão lá parados, até hoje… Não só os Fora de Controle, mas também as resenhas, etc. Ou seja, it’s revival time!