Bota pra fuder

, por Alexandre Matias

Materinha que saiu na Rolling Stone de maio.

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Corpo Estranho
Sem expectativas, o Camisa de Vênus retorna aos palcos brasileiros

“Agora virou moda falar mal do Lobão. Que ‘o cara se vendeu ao sistema!’, que babaquice. Lobão é um sujeito que, certo ou errado, sempre se posicionou de uma forma crítica, sempre mostrou sua visão”. Marcelo Nova parece não ter consciência de que, ao defender Lobão e seu Acústico MTV também está justificando o retorno da banda ou tenta desculpar-se pela volta do Camisa de Vênus. Ícone dos que falam o que quer e ouvem o que não querem, o vocalista defende seu compadre polemista como se inconscientemente precisasse dar satisfação.

O Camisa de Vênus é precoce em tudo o que diz respeito a rock dos anos 80: foi a primeira banda nova de sua geração a gravar um LP (em 83), a primeira a botar um ponto final em sua própria história (em 87) e a primeira a voltar durante os anos 90 (quando ressuscitou entre os anos de 95 e 96). Mas ao evitar o revival oitentista que assolou o Brasil na virada do milênio, o Camisa chega atrasado – de propósito – para a festa nostálgica, com planos de passar o ano de 2007 inteiro fazendo shows pelo Brasil.

Mas Marcelo Nova, uma espécie de Pantaleão (o personagem do Chico Anysio, não o de Vargas Llosa) do rock, está mais interessado em contar ‘causos’, proferir idiossincrasias e esbravejar contra todos. O alvo da vez é a cultura da celebridade e ele pega Lobão como exceção deste mercado. Continua: “Tentam extratificar o sujeito pra que ele corresponda a essa imagem a vida inteira. Essa idéia de ser outsider por convicção ideológica não existe! Nós temos esse culto à pobreza no Brasil, que é uma coisa tenebrosa. Agora, se você ganha dinheiro, se vendeu ao sistema”.

O Camisa de Vênus ensaia sua volta no estúdio Deboni, na av. Indianópolis, em São Paulo, e a pausa para a entrevista, quase à meia-noite, encerra as atividades do dia. Além de Marcelo, o novo Camisa ainda conta com o baixista Karl Hummel e o guitarrista Robério Santana (ambos da formação original) e dois novos integrantes – o veterano Luiz Carlini (o Zelig do rock brasileiro) na guitarra e o garoto Denis Mendes na bateria. A banda sai da sala de ensaio, aos poucos esparrama-se numa ante-sala do estúdio e deixa Marcelo Nova à vontade para falar. Como sempre.

Nem punk engajado, nem rock ensolarado, o Camisa, como outras bandas fora do eixo da época (Rio, São Paulo e Brasília), fugia do padrão vigente no rock brasileiro dos anos 80. “O nome diz muito, ‘camisa de vênus’ – era um incômodo”, segue. “E isso que você percebeu é verdade, nós sempre fomos um corpo estranho, o tempo todo, até hoje”.

“O Camisa sempre teve uma coisa meio anárquica, que tinha um texto que não era necessariamente político, social ou humorístico, mas que tinha um pouco de cada um desses elementos”, continua Marcelo. “E sonoramente era um mata-borrão sonoro, podia ter um pouco de Sex Pistols ou Lou Reed, mas também tinha um tanto de Raul Seixas, Genival Lacerda e até Adelino Moreira” – este último, parceiro de Nelson Gonçalves, que, além de “A Volta do Boêmio” e “Fica Comigo Esta Noite” também assinou “Negue”, consagrada por Maria Bethânia, que o Camisa toca nos shows.

E ele continua: “Mas a inabilidade da crítica em nos situar sempre me divertiu. E como eu ironizava isso, os ataques se viraram contra mim, o que eu acho natural. Até porque eu conheço mais rock’n’roll que a maioria dos críticos, sou mais inteligente e mais culto do que eles e quem comeu aquelas meninas que viviam em volta dos críticos quando eles tentaram ter bandas de rock, antes de eles fracassarem e virarem jornalistas, fui eu!”, cospe.

A banda voltou num evento chamado Festa da Cerveja de Divinópolis, onde dividiu espaço no cartaz com artistas de sua geração que seguem na carreira, como Lulu Santos, Engenheiros do Hawaii, Capital Inicial e Roupa Nova, e nomes estabelecidos no pop brasileiro na última década, como Marcelo D2, Pitty e Inimigos da HP. Depois, têm shows marcados em São Paulo – você sabe, aqueles balaios de gato cheios de nomes que, um dia, freqüentaram o rádio. No festival, gravaram o show para virar um DVD, ainda sem gravadora definida, que funcionará como cartão de visitas do novo Camisa. Do interior de Minas (redundância?) passaram por São Paulo e Porto Alegre, e continuam a turnê por todo ano. “Mas sem grandes expectativas!”, salienta o vocalista. “Primeiro, porque tamos velhos, não adianta ter expectativa pra banda de velho. Mas a idéia é fazer uma grande tour durante o ano de 2007”.

Marcelo lembra com certa nostalgia os dias de periculosidade de sua banda: “Nosso primeiro disco foi lançado pela SomLivre, veja só, e três meses depois fomos expulsos da gravadora. Tivemos uma reunião e nos disseram que ‘a esposa de Roberto Marinho não pode ouvir um nome desses na empresa’, uma argumentação muito consistente”, diz, rindo, lembrando os tempos que o preservativo era praticamente um palavrão. “Na época, as bandas tinham nomes como A Cor do Som, Clave de Sol e eu sugeri mudar o nome, pra deixar de ser Camisa de Vênus pra chamar de Capa de Pica”.

Dali, foram pra RGE, onde além de estourarem com o hit “Eu Não Matei Joana D’Arc” ainda registraram um dos discos mais crus e desbocados da música brasileira, o ao vivo Viva!, rito de passagem para qualquer pré-adolescente nos anos 80. “Até o Camisa, o único palavrão que havia sido registrado em vinil era ‘bosta’, que o Chico Buarque gravou quando cantou ‘joga bosta na Geni’”, continua Marcelo. “Quando o Camisa gravou o Viva!, isso foi tudo por água abaixo. Mas não era uma apologia ao palavrão. Mas quando eu tinha meus 17, 18 anos, assisti ‘Dois Perdidos Numa Noite Suja’ do Plínio Marcos no Teatro Castro Alves de Salvador e fiquei impressionado, não só com a quantidade de palavrões que era dita na peça, mas como aquilo fez com que 70% da classe média baiana se retirasse do platéia. Isso me impactou de uma forma! Não era uma apologia do palavrão, era a pertinência do palavrão em nosso cotidiano. Ninguém dá uma topada com o pé numa pedra e fala ‘que dor horrível!’”.

Viva! foi para as lojas antes de ser enviado para a Censura. O órgão, resquício da ditadura, ainda atuava em 1986. Se passasse pelo crivos dos censores antes do lançamento, certamente nem veria a luz do dia. “Eu tive a sorte de ver meus discos sendo apreendidos!”, ri Marcelo. “Eu estava na Hi-Fi, aquela loja de discos no Iguatemi, quando entraram os caras da Censura Federal, se identificando e apreenderam meus discos. Meus discos foram pro camburão! E eu estava lá e continuava solto! Sensacional!”.

E mesmo que acidez ou a polêmica levantadas pela volta do Camisa ou qualquer declaração de Marcelo pareçam de araque, ele deixa pra lá. E encerra voltando ao tema da indústria da fama, que domina o cenário pop brasileiro hoje mais do que nunca. “Eu não dou a mínima para o que dizem de mim. Cerquei meu território com arame farpado e valorizo o que conquistei. O que dizem, o que falam… Esse é o jogo da celebridade. Você não é ninguém e quando você se torna alguém, você tem que fazer tudo que pode pra se manter nesse ponto em que chegou. Porque o que as pessoas que hoje lhe jogam pra cima são as mesmas pessoas que querem te devolver pra baixo. Você enche a bola de fulano pra amanhã dar uma cacetada e dizer que ‘viu? Esse cara era um idiota, um cuzão?’. É nessa aparente contradição é que está fundamentada a venda das revistas de maior circulação do país hoje”.