O fim de Lost por Gabriel Ritter – II
Citando Fellini:
Você fez a coisa certa. Esse é um grande dia pra você. Foi uma decisão difícil, eu sei. Mas nós, os intelectuais – porque eu te considero um -, temos o dever de permanecer racionais até o mais amargo fim. O mundo já está lotado de coisas supérfluas – não há sentido em adicionar mais uma na multidão.
Afinal, perder dinheiro faz parte do trabalho de um produtor… parabéns, não havia alternativa. Ele teve o que mereceu por embarcar tão levianamente em tão frívola aventura. Não tenha receio ou arrependimento. É melhor destruir do que criar, quando se falha em criar aquilo que é mais essencial.
Além disso, há realmente algo que seja tão claro e justo a ponto de ter o direito de existir? Um filme ruim é simplesmente um problema financeiro para ele. Mas para você poderia ter sido o fim. É melhor deixar as coisas irem embora e jogar sal sobre elas como os antigos faziam para purificar os campos de batalha… afinal, tudo o que precisamos é um pouco de higiene, limpeza, desinfetante… porque estamos sufocados por palavras, imagens e sons que não têm razão de ser… que vêm de lugar nenhum e vão para lugar nenhum. Um artista que seja realmente digno do nome deveria ter de realizar um único ato de lealdade: restringir-se ao silêncio. Lembra-se da eulogia de Mallarmé à página branca…?…– Nós estamos prontos para começar!… Todas as minhas felicitações!
– … se não se pode ter tudo, nada é a verdadeira perfeição. Perdoe-me essas citações, mas nós críticos fazemos o que podemos. Nossa verdadeira missão é limpar os inúmeros abortos que obscenamente tentam invadir o mundo. E você gostaria de deixar atrás de si nada menos que um filme inteiro, como um homem coxo deixaria impressas suas pegadas deformadas? Que presunção monstruosa crer que os outros se beneficiariam de alguma forma do esquálido catálogo dos seus erros. Por que você deveria se importar em costurar os retalhos da sua vida, as vagas memórias e os rostos das pessoas que você nunca foi capaz de amar?
– “O que é esse clarão de alegria que está me dando nova vida? Por favor me perdoem, doces criaturas. Eu não me dei conta, eu não sabia… Como é certo aceitá-los, amá-los. E como é simples! Luisa, eu sinto como se tivessem me libertado. Tudo parece lindo, tudo tem um sentido, tudo é verdade. Ah, como eu queria poder explicar…! Mas eu não posso… e tudo está voltando ao que era. Tudo está confuso novamente… mas essa confusão sou eu. Como eu sou, não como eu gostaria de ser. E, agora, não tenho medo de contar a verdade, o que eu não sei, o que eu procuro. Só assim posso me sentir vivo e olhar nos seus olhos fiéis sem sentir vergonha. É uma festa, a vida. Vivamo-la juntos. Não posso dizer mais nada, para você ou para outros. Aceite-me como eu sou, se puder. É só assim que nos podemos tentar encontrar um ao outro”.
– Não sei se você está certo. Mas posso tentar, se você me ajudar.
Sim, é uma comparação hiperbólica e aparentemente absurda. Mas não, não é paródica. Eu realmente acredito na semelhança entre os dois. Não me parece uma associação infundada. Porque ambos realmente me atingem de maneira parecida, as duas cenas me causam reação similar (sim, sim – as lágrimas).
Claro, o final de Fellini é perfeito, genial, obra-prima. E o de Lost tem algo de brega, de over, de desajeitado, de confuso. “Mas” – foi o próprio Fellini quem o disse, e eu não poderia pôr de outra maneira – “essa confusão sou eu”.
* Gabriel citou este trecho em seu blog.
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