A doce fuga

, por Alexandre Matias

Outra resenha pra Bizz, essa da edição de janeiro…

The Sweet Escape – Gwen Stefani (Universal)
Um eco falso encontra Gwen Stefani fantasiada de tirolesa numa paisagem campestre que passa a ser pisoteada por estacas gigantescas que caem do céu – prédios inteiros que transformam a Arcádia em gueto de cidade grande, e assumem a batida do tamborzão de baile funk até que o ritmo reduz-se a um mínimo seco, salpicado de percussão e um baixo robótico e autista. Por cima de tudo, Gwen cresce.

Não em maturidade. Esqueça isso – vivemos em uma época que desdenha da transição do amadurecimento. Ou se nasce maduro ou se é moleque a vida toda – dilema bem representado pela música pop de nosso tempo. Jovens velhos se reúnem ao redor do conservadorismo do rock de casal, da MPB autocelebratória (o rock brasileiro dos anos 80 já pode ser considerado MPB?), da micareta descerebrada ao som de qualquer gênero “dançante” (ou “xavecável” e “sejogável”?) e do indiesmo de brechó. Velhos jovens se acabam ao som reciclado de pós-punk com música eletrônica, roupas de marca bem cortadas o suficiente para esconder as rugas que surgem mesmo antes dos trinta, o fingimento que o hip hop ainda vive seu auge, que o pop nacional vive dias saudáveis ou que o rock não é mera xerox do passado.

Gwen é filha da segunda metade dos anos 90 e se você viveu aquela época, sabe que pouco se muda desde então. A tensão pré-milênio tornou-se depressão pós-milênio e vivemos personalidades apenas um pouco mais envelhecidas daquelas que éramos nos últimos anos dos 1990. Desde que Kurt assassinou o rock ao se matar, a música pop (mais uma vez, metáfora para nós mesmos, afinal, somos o que consumimos) estagnou-se. Sem o rock, a música pop voltou à ordem do dia e a ser o que era – mera fábrica de hits, que trata artistas, discos e músicas como lâmpadas, carros e chips.

(Isso sem sequer entrar no mérito industrial do negócio. A constatação é estética. Desde meados da década passada, tudo é mera repetição de fórmulas e reciclagem de clichês cujos parcos momentos de genialidade quase sempre são exemplos bem sucedidos destas duas constatações – ou o arquétipo aventureiro reinventado; ou previsível gente boa. Longe do pop – esta música de compromisso com as vendas e com o refrão – há verdadeiras revoluções em andamento – seja na pista de dança, na fila de downloads ou em jam sessions instrumentais. Mas o pop é o assunto.)

Só há uma forma de crescimento neste pop atual – e é a única contribuição que a velha mídia ainda tem para com a música de nosso tempo – e esta é a dimensão. Nas paradas de sucesso, os artistas se deformam. Basta fazer sucesso que as gorduras somem, os sorrisos não saem dos rostos, as roupas ganham grife – e as hipérboles transformam um novo nome simpático num mutante gigantesco habitante de um Olimpo fake que não faz parte da vida das pessoas “comuns”. Foi isso que transformou os Smashing Pumpkins em prog, custou as vidas de 2Pac e Biggie, saturou Los Hermanos antes do segundo disco, transformou a eletrônica em trilha sonora, desandou o britpop em britrock e gera discos ao vivo, coletâneas, caixas e discos-tributo.

E no meio disso tudo está Gwen Stefani, pobrezinha, que nem queria ser cantora e só foi por insistência do irmão, e hoje se vê convertida em ícone de um feminismo teen que se recusa a crescer, a síndrome de Peter Pan passada pro gênero de lá. Com sua vozinha frágil e estridente, ela se infiltrou nas brechas de um pop de divas esculturais como uma moleca amiga dos garotos, que faz caretas e enche a cara, e fica tanto com a turma do fundão quanto com os meninos do futebol. E de single em single (sua transição entre o No Doubt e sua carreira solo é uma história contada em canções), as brechas abriram-se em alas para uma ícone pop passar – e rivalizar, simultaneamente, com Avril Lavigne, Dido, Beyoncé, Jennifer Lopez, M.I.A., Fergie e Madonna.

Não é pouco. Mas também, não é muito. Contudo, graças à graça pessoal da cantora (afeita a esquisitices sonoras como o parque de diversões de “Don’t Get It Twisted”, a balada gangsta “Breakin’ Up”, o sexo-atari de “Yummy”), seu segundo disco solo sobe um pouco acima da média modorrenta que é o tal Olimpo fake das celebridades inventadas pelo mercado do disco. The Sweet Escape fica poucos metros acima de qualquer disco-padrão de orçamento inflado e lançado com o auxílio da máquina de exposição da ainda bilionária indústria do disco (que, apesar da crise, ainda tem grana pra torrar – incrível, não?). Há momentos de certo brilho pop (o roquinho da faixa-título, o groove sirene de “Now That You Got It”, “Wonderful Life” é um elogio tecnopop com cara de paródia), mas as várias derrapadas (“Orange Country Girl” é uma boa balada que azedou, “4 in the Morning” soa Cardigans, a insuportável “U Started It”, a esquizofrênica “Wind It Up”, que abre o disco e esse texto) garantem que há um executivo de gravadora multinacional na coordenação. Então, nota cinco – e não reclama porque é mais do que a média que o pop atual tem produzido em discos hoje.