Cosplay de gente normal
Matéria que saiu na Bizz de outubro do ano passado, quando dos dez anos da morte de Renato Russo. O Ricardo juntou uma galera pra falar com gente que conviveu de perto com o sujeito e eu falei com o Bonfá, no depoimento abaixo.
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Marcelo Bonfá desconversa, divaga e foge do assunto – ele mesmo admite, pede pra chamá-lo de volta – mas sabe que a ausência de novos discos com o nome de sua antiga banda na prateleira de lançamentos está ligada diretamente ao fato de a família de Renato Russo apenas ter desenvolvido o interesse pela obra da Legião Urbana após a morte do cantor. “Eu sei que é isso que você quer ouvir”, diz, com o riso no o canto da boca, “mas não é culpa da família, e sim de gente com outros interesses que se aproximaram deles”.
“O ponto central dessa história dos relançamentos é a questão do espólio do Renato. A família dele, que nunca acompanhou a Legião Urbana, logo após seu falecimento já estava sendo procurada por pessoas que não pareciam interessadas na história da banda. A marca, a patente “Legião Urbana” foi registrada logo após a morte dele, quando a gente ainda estava mal por conta de toda a história. Chamamos uma coletiva para anunciar que a banda não existia mais – até porque o próprio Renato falava que se apenas um de nós, ele, eu ou o Dado, saísse da banda, a Legião não iria existir mais – e, ao mesmo tempo, tinham pessoas registrando o nosso nome.
Falando propriamente de Legião, lançamos apenas discos quando fomos procurados pela EMI para disponibilizar este material. Mas eles nos chamaram, apresentaram a proposta, a gente se envolveu, escolheu o que achava melhor… Acho que, assim, este processo funciona. Só que nesse meio-tempo, a família do Renato conseguiu tirá-lo da editora que tínhamos, eu, ele e Dado, a Corações Perfeitos, que é a editora de todas as músicas da banda. Assim, a gente só teria direito às músicas que assinamos em conjunto, não às que ele assinou sozinho.
Mas quando fazem algo como o tributo que o Multishow fez que, teoricamente, era sobre o Renato, vieram só nos avisar. A gente pensou, ‘claro, tudo bem, faz sobre o Renato…’, mas aí, em cima da hora vêm nos pedir autorização pra liberarem ‘Soldados’ e ‘Pais e Filhos’, prum projeto que a gente só foi avisado. Aí querem que a gente libere e pronto. E se a gente não libera, tentam criar uma coisa com a Plebe e com o Rappa, pra fazer a gente parecer chato, amargurado.
O próprio Renato falava em lançar uma caixa com o material não-lançado da gente, coisas ao vivo, ensaios, gravações caseiras, e o nome seria apenas Material. Era mais ou menos a idéia do Música P/ Acampamentos, só que mais aprofundada, numa caixa mesmo. Mas depois de toda essa confusão, essas picuinhas, a gente preferiu deixar isso pra lá. Tá tudo na internet mesmo, o fã hoje consegue tudo de graça. Eu não acho legal, eu acharia interessante se eu pudesse receber sobre esse tráfego de MP3s, porque afinal de contas, é uma obra minha, é parte da minha vida, eu tenho direito, mas… eu não vou processar meus fãs, isso é burrice. Então deixa…
Se eu tivesse que contar a história da Legião, como um Anthology dos Beatles, como você falou, uma versão oficial, eu preferia fazer isso em vídeo, do que compilar faixas que nem são faixas direito.
Eu sigo fazendo meu trabalho, o Dado o dele, e é claro que a gente tem que falar de Legião, não dá pra fingir que não aconteceu nem ficar chateado com voltarem a uma parte da minha vida, sempre. Paciência. Lancei meu disco solo, que não tem referências ao Legião porque não é o Renato, eu e o Dado, sou só eu. E tenho trabalhado com vídeo e imagem, concentrando o meu trabalho no meu site (www.marcelobonfa.com.br). E, é claro, ainda sou lembrado pela Legião, o tempo todo. As pessoas param pra tirar foto comigo, gente de banda muito nova vem conversar, eu não posso fugir disso. E não posso dizer que não gosto. É um carinho verdadeiro. Quando percebi que podia conciliar isso com a minha carreira, comecei a fazer shows em eventos dedicados à banda, como convidado especial. É claro que eu canto músicas da Legião, tenho que cantar, mas canto as minhas também. É engraçado, porque eu me sinto naquelas convenções de Star Trek só que as pessoas não estão fantasiadas. São pessoas comuns, gente normal. Esse é o nosso público”.