Yma dá adeus a 2020
O plano original da Yma era trazer o sucessor de seu ótimo disco de estreia Par de Olhos ainda em 2020, mas, como aconteceu com todo mundo, ela teve de mudar completamente de ideia. “Durante o ano, fui registrando tudo o que vinha, como vinha, sem peso, julgamento, pretensão ou expectativa, como mero exercício criativo para manter as ideias em movimento”, lembra a cantora e compositora paulistana. Estou começando o processo de ouvir com cuidado esses registros e a partir disso refletir e elaborar, se singles, disco, ou seja lá, o que virá”. Assim, encerra seu 2020 com o single “White Peacock” que, como o single que lançou no meio do ano, “No Aquário”, já estava no repertório dos shows e chega ao público em primeira mão pelo Trabalho Sujo.
Balada oitentista com leve toque psicodélico e o sax mais rasgado que você vai ouvir em 2020, o novo single, parceria da cantora com o amigo Zé Motta, já tem dois anos: “Fiquei extasiada, lia aquele conjunto de palavras e sentia um quê de misticismo. belo e surreal, ao mesmo tempo que me trazia imagens caóticas, de um concreto sujo numa cidade agitada as pessoas apressadas.. certamente me conectei de cara”, aos poucos ela compôs a melodia e juntos foram adaptando as palavras para a nova canção. “Um bom tempo depois, durante um ensaio com a banda, comecei a tocá-la na guitarra e a turma foi entrando na onda. Não demorou muito pra música entrar no repertório do show. no fim, me peguei apaixonada por ela e resolvi gravar.”
As gravações começaram no ano passado, conduzidas por seu produtor e companheiro Fernando Rischbieter. E o solo rasgado que caracteriza a faixa veio logo depois, quando o saxofonista alemão Humphrey Heim viu um de seus shows e se dispôs a colaborar. “E eu que sou perdidamente louca por saxofones, senti uma boa intuição e topei na hora”, lembra Yma. “No dia de gravar com ele ficamos um tempão refletindo sobre a relação entre o pavão do título e o solo de sax e fomos fundo – de repente ele estava ali, no estúdio, gritando. Era o pavão gritando de dentro dele em forma de solo de sax. Nunca fiquei tão arrepiada numa gravação.”
Ela comenta sobre os singles que lançou esse ano e sua relação com o próximo álbum. “Esses dois singles são experiências isoladas – e apesar de haver entre elas uma certa relação com a fase Par de Olhos, por terem estado presentes nos shows -, acho que já começam a apontar, de leve, para esses novos lugares. então certamente é um período de transição.” O disco, no entanto, ainda é um mistério: “Esse ano foi completamente atípico e assombroso, pra mim e talvez para toda humanidade. Criar, experimentar música e arte, pelo menos da maneira que eu conhecia, não pôde ser uma prioridade. A meta era manter a mente sã e imunidade lá em cima.”
Ela se aprofunda sobre sua relação com o isolamento social deste ano. “No primeiro semestre eu só enlouqueci, tive uma dificuldade imensa de me conectar com a realidade, no sentido mais literal possível. Acordava e todos os dias não estava ali. Estava fora. Fora do corpo e da mente. O medo dominava meus pensamentos. Cresci ouvindo meu pai falar em previsões catastróficas, das mais diversas linhas místicas, então meu imaginário de fim de mundo é aquele bem clichê do cinema sensacionalista, onde tudo acontece ao mesmo tempo; pandemias, o mar engolindo tudo, mercados vazios, alienígenas, crise hídrica, podres poderes, guerra civis.. Pera, agora, escrevendo assim, aos poucos, os filmes não parecem mais tão distantes, né?”, ri desesperada.
“Por acaso, fiquei uns dias sozinha em casa. Ter ficado sozinha foi crucial pra conseguir me reconectar. não apenas sozinha, mas em silêncio. Nua com aqueles pensamentos todos. Comecei primeiro a provocá-los, indagá-los e por fim aceitá-los. Acho que foi um movimento que quebrou com os padrões que eu havia criado. Depois foi tudo voltando pro lugar. Não existe fórmula, mas foi o caminho que encontrei – e assim sigo, tentando enfrentar os medos, sempre sonhando com solos de sax.” “White Peacock” está disponível nas plataformas digitais nesta sexta e terá clipe no ano que vem.
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