Lou Barlow: “Há um momento em que as pessoas se deixam levar pelo lado empresarial, querendo se tornar imensamente populares e isso não é muito realista”
Bati um papo com Lou Barlow (à direita, com o rosto virado), líder do Sebadoh, por telefone no fim da tarde deste sábado – a banda tinha chegado pela manhã no Brasil. A banda se apresenta hoje e amanhã no Sesc Pompéia e os shows começam pontualmente às 19h.
Esta é a sua segunda vez no Brasil, na primeira você veio para cá como baixista do Dinosaur Jr. e teve a oportunidade de fazer um show solo. Quais lembranças você tem daquele dia?
O show solo foi muito bom, foi um dos momentos mais doces da minha carreira, acho (ri). Foi bem surpreendente pra mim, porque todo mundo estava sendo muito legal e o show foi organizado em, sei lá, umas seis horas. Muita gente foi e todos foram muito legais. O público no Brasil foi muito bom com o Dinosaur Jr. também. As pessoas amam música aqui, São Paulo é uma cidade absurdamente enorme (ri) e só uma porcentagem pequena deve ir ao show, como é o que acontece quando tocamos em Londres ou em Nova York. E sempre tive vontade de voltar e agora estou feliz de estar aqui com o Sebadoh.
Você tinha alguma idéia da quantidade de fãs que têm aqui no Brasil?
Não. Fiquei surpreso quando vi as pessoas no show solo da outra vez, mas não sei o que esperar com o Sebadoh. Acabamos de fazer uma turnê pela Austrália e Nova Zelândia que foi bem divertida, mas não teve muito público e ultimamente nossas turnês pelos EUA têm cada vez menos gente na platéia.
Acredito que o público do Sebadoh é o mesmo que pode, ainda nos anos 90, comprar CDs importados numa época em que isso começou a ficar mais barato por aqui, no início dos anos 90. Ao mesmo tempo foi uma época em que a cultura independente norte-americana começou a ser mais conhecida pelo mundo e isso acabou influenciando a música independente brasileira. Atualmente os limites entre música independente e mainstream estão cada vez mais misturados. Como você vê isso?
Eu acho que o que acontece com a maioria das pessoas, eu incluso, é que você tem que fazer as coisas você mesmo. Há um momento em que as pessoas se deixam levar pelo lado empresarial, querendo se tornar imensamente populares e isso não é muito realista. E as pessoas percebem isso. Acho que o maravilhoso da cultura independente é que ela sempre vai existir, em algum lugar. E que o underground sempre vai ser um vasto território para a música. Eu vejo as pessoas reclamando que a música está chata, que não tem coisa legal sendo feita, mas acho que é mais provável que essas pessoas que reclamam não estejam procurando. Elas não se importam. Elas não se importam com o que os moleques de 23 anos de hoje em dia estão ouvindo. Elas não se importam se tem um galpão abandonado fora da cidade que recebeu um show que reuniu mil pessoas pra ver uma banda que ela nunca ouviu falar. Isso não quer dizer que não esteja acontecendo. Está e sempre estará. Sempre haverá comunicação entre as pessoas em um nível bem básico e debaixo de toda essa lógica comercial e empresarial. Sempre acontecerá e isso é impressionante.
Mas as coisas estão bem mais misturadas hoje em dia. Era impensável que uma gravadora indie dos anos 90 teria uma música no topo da parada de discos mais vendidos na Billboard, como aconteceu com o Arcade Fire que é um artista da Merge.
Ao mesmo tempo a Merge é uma gravadora consciente de seu papel, de uma forma bem realista. É uma gravadora fundada a partir da integridade artística, o que também acontece com a Domino. Eles continuaram fazendo o mesmo por anos, os gostos musicais mudam e aconteceu que algo como o Arcade Fire se tornasse comercial. A Merge é formada por pessoas espertas e honestas e eu acredito que este é o grande fator que tornou possível que tivessem um disco no topo da parada, sua integridade artística. E depois de 25, 30 anos, isso torna-se uma habilidade de mudar a forma como as coisas funcionam.
É que eles são comerciais mas não tratam isso apenas como um negócio.
Sim. É exatamente isso. Isso acontece com a Merge, com a Domino, com a Sub Pop… Gente que pensa de forma realista o tempo todo.
O Sebadoh apareceu no final dos anos 80, uma época em que era muito difícil conseguir gravar seu próprio disco e você foi um dos pioneiros ao lançar gravações caseiras, que se tornou uma estética conhecida na época como lo-fi. Isso foi importante para mostrar que você não precisava ser superproduzido para soar bem. Hoje, com computador e acesso à internet, qualquer um consegue gravar músicas com um mínimo de esforço e espalhá-las para o mundo inteiro sem precisar fazer concessões sonoras para soar mais comercial e conseguir um público cada vez maior. O que você acha disso?
Acho que isso é verdade. Eu estava pensando num dia desses sobre como, nos anos 90, as bandas acabavam fazendo isso para ver se atingiam um público maior e seus discos acabavam vendendo menos que os anteriores (ri). Isso não ocorre com os discos independentes e eles acabam vendendo mais, porque as pessoas têm uma conexão pessoal com isso. É há uma diferença quando você não trabalha nisso como se estivesse lidando apenas com uma empresa, seja por uma decisão política ou porque a sonoridade acaba se tornando mais fria para deixá-la com uma cara mais corporativa. Algumas bandas são exceções, como, claro, o Nirvana. Mas bandas como o Arcade Fire ou o Spoon continuaram na Merge porque sabiam que era a coisa certa a ser feita, especialmente o Spoon, que já esteve numa gravadora grande e foi muito mal, passou por dificuldades. Mas aí eles voltaram para algo mais realista e tudo melhorou.
Ao mesmo tempo, estamos vivendo em uma época em que cada vez mais pessoas lançam seus trabalhos, nunca foi tão fácil se tornar um artista e ter sua obra publicada. Você acha que isso não vai acabar enfraquecendo esse lado mais corporativo do mercado da música, que faz as pessoas serem guiadas por quem está na capa da revista, no topo das paradas, com os discos mais vendidos…
Hm… Tem outra coisa também: as pessoas gostam de música pop porque ela é gigantesca. E a música pop passa por ângulo cultural que a torna onipresente, espalhada em cartazes, e isso é parte do negócio. Mas qualquer um que desconfie que há algo diferente acaba procurando outro tipo de música, claro, graças à internet, que tornou tudo mais fácil. Você pode passar a noite procurando por sua nova banda favorita.
Você soube do disco-tributo que bandas brasileiras gravaram com as canções do Sebadoh?
Ouvi falar, mas não ouvi ainda.
Não é improvável pensar em um tributo feito por bandas brasileiras?
Mas fazem tributos pra tantas coisas diferentes… Na verdade, umas bandas francesas já fizeram um tributo ao Sebadoh e outras bandas da Bélgica também, então não é tão improvável assim pra mim. Acho que nos anos 90 o Brasil realmente parecia distante. Mas, hoje, com a internet, você fala no Brasil e parece normal, não é como se estivesse falando de uma coisa completamente distante. E tem tantos brasileiros no Facebook… E na minha visão superficial do país, acho que é um lugar muito musical, onde as pessoas amam música e agem de forma muito passional em relação à música, vi isso na resposta dos shows com o Dinosaur Jr. quanto nas bandas brasileiras que tocaram junto com a gente e eram muito boas! E além de ter uma tradição musical incrível, as pessoas daí gostam de rock. Isso é tão incomum, porque na maior parte dos lugares há a presença da dance music, que é tão invasiva e está em todos os lugares e todo mundo gosta… Estávamos no aeroporto hoje, saímos do avião e estávamos sentados em um pequeno café e tá tocando Stooges, num café pequeno num aeroporto e isso é incomum (ri)! Não é um bar, é um lugar normal pra pessoas comuns… e tá tocando Stooges! E logo em seguida tocou uma canção melancólica qualquer. Foi tão estranho. Isso nunca aconteceria nos Estados Unidos. Você nunca vai ouvir os Stooges tocando num aeroporto. E não é por causa do que está sendo dito, mas pela sonoridade. Isso não é música para pessoas em seu dia-a-dia. E por aqui toca. Acho engraçado como as pessoas na América do Sul gostam mais de rock do que nos outros lugares que conheço.
Aproveitando a deixa, o que você conhece de música brasileira?
Não muito. Conheço os Mutantes porque fez parte de um onda nos anos 90, com coletâneas e relançamentos, são discos incríveis, que hoje fazem parte da coleção de qualquer fã de música, junto dos discos dos Zombies e dos Beatles, já são considerados um clássico. Não conheço o hard rock brasileiro, mas imagino que deva ser incrível (ri). Quando começou o hardcore tinham umas ótimas bandas de hardcore brasileira, como o Olho Seco, e também a cena de speed metal, principalmente por conta do Sepultura, que era a melhor banda do mundo naquela época. Quando morei em Boston, eu assinava TV a cabo e pegava a MTV Latina e eu via muita coisa da América Latina e adorava muita coisa. A versão latina do programa 120 Minutes, que era o programa de rock alternativo, sempre mostrava umas bandas indies latinas, tinha muita coisa legal.
Você vai sair por aqui pra comprar discos?
Não (ri). Sou um pai de família, não posso sair comprando discos o tempo todo.
E como é a primeira vez do Sebadoh por aqui vocês vão preparar alguma coisa diferente?
Eu não sei. Nós tocamos músicas novas mas sempre tocamos músicas velhas… Mas o melhor é tocar em um lugar onde nunca tocamos. É sempre incrível. Mesmo porque você não precisa se preocupar em tocar de outro jeito diferente da outra vez (ri).