13 de 2013: Galileu
Quando completei cinco anos no Link, em maio de 2012, me caiu uma ficha: nunca tinha passado tanto tempo num mesmo emprego. E com essa ficha veio a determinação que não iria completar o sexto ano ali. Não foi um “basta”, mas apenas a constatação de que mais doze meses no comando de um caderno semanal de tecnologia em um dos maiores jornais do país me tirariam a empolgação que me deixou tão à vontade para fazer um dos trabalhos que mais gostei na vida. O que era novidade estava se tornando rotina – a transformação do telefone celular num computador de bolso havia se tornado uma maçante sequência de novos lançamentos da Apple e seus concorrentes, a ascensão de uma nova rede social que ultrapassaria fronteiras nacionais para unir o mundo num mesmo ambiente digital transformou-se num curral motivado apenas por publicidade para encher os bolsos de um jovem e desinteressante Bill Gates (Zuckerberg, óbvio), além da sensação de que em pouco tempo tecnologia e internet se tornariam tão onipresentes que não faria sentido ter uma seção específica num veículo de comunicação.
Mas já tinha uma cirurgia marcada para o segundo semestre (para consertar, finalmente, meu braço direito) e não queria sair correndo esbaforido para um outro lugar. Não me sentia pressionado no Estadão, muito pelo contrário – minhas criatividade e invenção eram estimuladas à medida em que o Link se estabelecia como um dos principais veículos a cobrir este setor. O que me incomodava era o tédio e a monotonia que não pairava sobre o caderno, mas sobre mim. Ao completar o quinto ano na edição do Link, estava decidido a mudar de ares com o novo ano. Não queria mais editar um caderno no piloto automático.
E é engraçado como basta você apertar um botão no seu cérebro para que as coisas comecem a acontecer. No fim do primeiro semestre do ano passado fui convidado para o cargo de editor-executivo da revista Época Negócios e no início do semestre seguinte, para assumir a edição do blog do Instituto Moreira Salles. Dois desafios enormes que me levariam para áreas que nunca havia cogitado no meu currículo (economia e cultura erudita), mas poderiam acrescentar muito à minha carreira. Áreas que tenho pouca atuação e interesse vago, mas nada que me assustasse – quem já trabalhou comigo sabe que repito o mantra que o jornalismo é das poucas profissões em que você é pago para aprender. Mas já havia assumido o compromisso médico comigo mesmo e não mudaria de emprego às vésperas de uma cirurgia que me tiraria de circulação por pelo menos dois meses. E com muito pesar declinei os convites feitos pelo David Cohen e pelo Flávio Pinheiro.
Até que, na semana em que voltei ao Estadão, fui chamado novamente pela Editora Globo para assumir outro cargo em outra publicação – o de diretor de redação da revista Galileu. Aí era outro papo: era uma publicação que eu era mais familiarizado com um dos assuntos que eu mais gosto (mas que nunca havia lidado profissionalmente), ciência. E me explicaram nas duas entrevistas que participei antes de ser contratado que meu trabalho não se restringia à revista – cuidaria da marca Galileu, funcionando como um embaixador do título, levando o título para além do papel. 2012 estava quase no fim e vi na oportunidade a chance que esperava para sair do periódico centenário do bairro do Limão. Foi bom enquanto durou, mas estava indo nessa.
Assumi o cargo em dezembro do ano passado, no início do fechamento da edição de janeiro. E me dei conta que o desafio não era pequeno – além do mercado de revistas estar vivendo seu pior momento, Galileu havia acabado de passar por uma mudança de identidade que me impedia de dar outra guinada editorial. A revista abandonou o formato clássico de revista de ciência em 2009 para se tornar uma revista com foco pesado em tecnologia, copiando pautas e páginas da Wired na caruda. Com isso, ela deixou de falar de história, uma das principais áreas neste tipo de publicação. Uma nova mudança na direção de redação a fez caminhar para algo que era referido como “ciência útil” – como a ciência poderia ser utilizada para melhorar seu dia-a-dia. E com isso tecnologia ficou em segundo plano. Esta última mudança, que trouxe o slogan “Questione, Entenda, Evolua” aconteceu cinco meses antes da minha entrada na editora, então estava claro que não poderia mudar projetos gráfico e editorial tão logo sem causar uma sensação de esquizofrenia no leitor da revista.
Mais do que isso: não costumo trabalhar de forma vertical, mandando e desmandando. Queria conhecer as pessoas da redação e me aprofundar no título como um todo. Levei o ano inteiro de 2012 das revistas para a casa para lê-las de cabo a rabo e percebi, felizmente, que a revista era ótima. Não fazia sentido sair demitindo ou contratando, era muito mais uma questão de ajustes e de postura. Assim, durante 2013 fui mexendo aqui e ali na revista sem desmerecer os trunfos e talentos que ela já apresentava, valorizando-os. A revista não era ruim, muito pelo contrário, era ótima – mas poucos se davam ao trabalho de lê-la de ponta a ponta. Os 100 mil assinantes já sabiam disso, mas era preciso atrair mais leitores.
Por isso comecei a expandir os horizontes da Galileu. Negociei um boletim semanal com a rádio CBN (apresentado por mim, todos os domingos, às 13h30), tornei a marca presente em diferentes tipos de eventos (Campus Party, Fronteiras do Pensamento, Semana do Cinema de Culto no MIS, Arq.Futuro, YouPix), integrei a revista com o site (algo que não acontecia antes, site e revista eram dois mundos à parte), trouxe novos temas (tivemos, neste meu primeiro ano no comando da revista, capas para previsões do MIT, futebol, teorias da conspiração, música, livre arbítrio, o futuro do trabalho, agrotóxicos, cerveja, maconha, consciência animal e os principais nomes da internet brasileira em 2013), tornei os colaboradores frequentes mais próximos e aos poucos fui introduzindo mudanças no formato e acabamento da revista (dei uma coluna sobre ceticismo para o Carlos Orsi, um dos melhores jornalistas de ciência do Brasil, e outra para o Diogo Rodriguez, do Me Explica, sobre atualidades, criei uma Agenda para sugerir dicas de programa para os leitores, criei o Ecossistema para falar de todas essas novas novidades), mudei a cara do site. Fora alguns trunfos pessoais, como resgatar a querida Tatiana de Mello Dias do Estadão no momento em que o barco do Link começou a afundar (quando virou uma página dupla em economia e pareceu ter perdido seu brio, retomado no final do ano pelo velho bróder Camilo Rocha, atual editor do Link) para assumir a edição do site e entrevistar nomes como Cory Doctorow, Slavoj Žižek, James Gleick, Peter Diamandis e Tobias Andersson, do Pirate Bay. E consegui pautar matérias com nomes como Ronaldo Evangelista, Juliana Cunha, Ramon Vitral, Gaía Passarelli e Antônio Xerxenesky, jornalistas que gosto e respeito e que talvez nunca teriam escrito em uma revista de ciência se não tivesse os convidado. Isso sem sair dos trilhos do projeto gráfico e editorial que já existia quando comecei a cuidar do título.
Além disso tive que aprender a gerir um título, trabalhando diretamente com o marketing, com venda em bancas, com assinaturas, com publicidade, com o industrial e outras áreas da publicação que nem chegava perto durante os anos no Estadão. Como frisei no editorial da última edição de 2013, foi um aprendizado e tanto – em que acertei e errei, por isso reforço o agradecimento à equipe com quem trabalhei mais de perto durante esse ano, especialmente o redator-chefe Tiago Mali (que já falei que considero um dos nomes mais promissores do jornalismo atual) e a equipe liderada pelo diretor de arte Fábio Dias (os talentos da editora de arte Ana Paula Megda e da designer Gabriela Oliveira), além da repórter Luciana Galastri, que me ajudou a reconstruir a lógica do site. Obrigado, mais uma vez, pela paciência e dedicação.
E agora vem 2014… E acho que vai ser ainda melhor. Aguardem.
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