#22

, por Alexandre Matias

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Disco 22) Free U.S.A. – Artificial
Kassin vem pouco a pouco mudando a paisagem do cenário pop brasileiro, contrabandeando idéias do underground para o mainstream, do indie paulista para o pop carioca, da MPB radiofônica para a IDM eletrônica – e vice-versa. O ponto central de sua carreira não parece ser o convencimento alheio de que suas idéias são relevantes, mas a lenta mutação de (todas, se possível) referências laterais, de forma que quando ele levantar a cabeça para olhar ao redor tudo já estará mudado – e, mais importante, por dentro. Uma empreitada que o coloca ao lado de nomes como Nelson Motta, DJ Marlboro, Lulu Santos, R.H. Jackson, Moraes Moreira, Frank Jorge, Fagner e Liminha – outros paisagistas do pop Brasil. Seu projeto pessoal, o Artificial, começou como um passatempo geek ao lado de seu compadre de estúdio Berna Ceppas, crackeando Gameboys para transformá-los em instrumentos musicais, mas tornou-se o melhor disco em que se envolveu desde O Bloco do Eu Sozinho, do Los Hermanos, além do único em que sua paisagem musical mostra-se por inteiro. Free U.S.A. é habitado pelas contradições artísticas de sua carreira (pop e hermético, noturno e tranqüilo, robótico sem ser frio, nerd com suíngue, indignado e cool), todas evidenciadas no fato do CD ser, ao mesmo tempo, vanguardista e clichê – e bom, como quase todo disco que ele faz.

Música 22) “Balança” – Turbo Trio
Mais do que uma das inúmeras peripécias de fim de ano do Instituto, “Balança” é decorrência natural do trabalho de BNegão – que mexe desde suas incursões a um som mais porrada de seus tempos do Planet Hemp (em que tocava rock e flertava com o hardcore), à crueza óbvia do Funk Fuckers (visitando o batidão carioca pela tosqueira, dez anos antes de “grime” ser elogio) e o lado mais seco e politizado com os Seletores de Freqüência. Não que um refrão repetitivo que imponha o requebro tenha algo de político (além das pol;iticas do groove, que é um cavalo de outra cor), mas acrescenta mais um fragmento à cada vez mais unificada persona musical do MC. As cores pintadas por Tejo e Basa (escuras, frias, robóticas e mais dance que funky) ajudam a dar uma tensão específica ao baile dos mortos-vivos incitado pelo mantra agressivo da música – e jogam um holofote macabro sobre o vocal de Bernardo, como relâmpagos de filmes de terror B recriados no século 21 (alguém viu Van Helsing?). Mesmo sem ter sido oficialmente lançada ainda, a faixa captura, uma “Dança do Patinho” do mal, com perfeição a vibração de 2005: tenso, oco, sério e divertido.

Show 22) Dr. John no Tim Festival, no Rio de Janeiro
Para algumas pessoas, era apenas um tiozinho num paletó laranja e chapéu de mosqueteiro puxando funk jazz blues pra turistas em um lobby de hotel quatro estrelas num país qualquer do fim do mundo. Mas sob o aparente conformismo fusion estava a voz do atual prefeito musical de Nova Orleans (no enésimo mandato, está no cargo desde os anos 80) cantando o pesar e o luto de uma cidade que sabe que irá renascer pela música. Se na casca era um show do antigo Free Jazz, por dentro era o sentimento de perda e devastação pós-Katrina que foi a espinha dorsal da noite e recriações de standards (“When the Saints Go Marchin’ In”, “Jambalaya” e “Goodnight Irene”), que ganharam contornos fúnebres e dramáticos à sombra do furacão – a caveirinha em cima do piano, é bom lembrar, serve pra não nos esquecermos do mesmo fim que a todos espera. O resto da noite trouxe músicas do EP Sippiana Hericane (de faixas como “Clean Water” e “Storm Surge”), entre elas “Sweet Home New Orleans”, com que o mestre de sala deixou o recinto: “We’re gonna be back/ Twice as strong”.

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