18 de 2018: Miranda

, por Alexandre Matias

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Estava no meio do show da Patife Band no Centro Cultural São Paulo quando o Tejo me cutucou no Whatsapp: “Meu mano, Miranda faleceu? Não tô acreditando e passando mal aqui”. Tinha conversado com o próprio no fim da manhã daquela quinta e ele havia me contado a saga do trimestre anterior, quando se isolou de todos devido a um problema de saúde. Achei que a notícia podia ter sido um ruído de comunicação, que alguém tinha ouvido que ele quase havia morrido e que um telefone sem fio chegara àquela conclusão fatal. Passado, percorri os contatos do Whatsapp procurando por ele quando o encontrei – estava online e um alívio atravessou meu fôlego. Perguntei como ele estava e quem me respondeu foi a Letz. Era real. Uma bigorna mental caiu na minha cabeça e fiquei alguns minutos fora de si. Não fazia sentido, havia acabado de conversar com o cara, ele estava mal mas tinha melhorado, iríamos nos encontrar na semana seguinte. “Vou renascer com o Cristo!”, foi uma das últimas coisas que me disse, ao sugerir que o nosso próximo encontro ocorresse depois do domingo de Páscoa.

Os dias seguintes misturaram o velório com telefonemas de horas e encontros com pessoas que sei que tinham Miranda em tanta conta quanto eu, que o viam para além do olheiro de bandas, farejador de tendências, contador de lorotas e causador da cultura que ele era. Que o conheciam e estimavam por seu imenso coração – que incluía disposição para lhe dar um esporro, um alento, um chega-pra-lá. Ele nem sempre vinha com a palavra certa ou com o sentimento preciso, mas chacoalhava a expectativa e a transformava em esperança, mesmo quando não estava inspirado. Quando estava, era o céu: fartos almoços, um monte de gente legal, música boa, festas sem fim, altas viagens, papos de horas, sonhos lúcidos. Miranda abria portas para possibilidades que ninguém queria cogitar imaginar e estendia o tapete vermelho logo depois de abrir caminho à marretada.

Conheço-o desde 1994, convivi mais intensamente com ele por cinco anos seguidos – logo que comecei a trabalhar na Trama e um pouco depois, entre 2004 e 2009 – e em pouco tempo ele havia entrado numa categoria específica de amigos que não vejo com muita frequência, mas que sempre mantenho contato e, quando o reencontro acontece, parece que o anterior aconteceu na semana passada – algo que só acontece com meus pais e irmãos. Não vou ficar fazendo as vezes de médium de crônica, mas sempre escutei sua voz em momentos específicos da minha vida, mais precisamente quando escolhas ou dilemas surgem prontos para dividir o destino ao meio. “O que o Miranda faria?”, consegui resumir resoluções basicamente concentrando minhas forças nesta frase de efeito, que sempre me obriga a partir para o inusitado, o impensável, o surreal. A resposta sempre vem acompanhada daquele maldito sotaque, do timbre de voz manhoso, da fala estar sendo dita com um sorriso e do completo absurdo que surge como sugestão. E é assim que o mantenho vivo, tratando-o como o guru imortal que sempre foi mas longe do pedestal inatingível que muitos o colocavam – e disposto a ouvir sua jocosa risada, mesmo quando a piada era sobre nós mesmos.

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