13 de 2013: Todos conectados… e monitorados

, por Alexandre Matias

snowden

Desde que me tornei editor do Link, no Estadão, em 2009 até a minha saída no final do ano passado, me autoinflingi a um mau agouro: o dia em que o suplemento de tecnologia se tornaria obsoleto (também sempre cogitava a pior hipótese de hard news para um caderno semanal que circulava no início da semana – a morte de Steve Jobs numa segunda-feira; ela aconteceu numa quarta e mesmo assim eu e Helô conseguimos tirar onda na edição daquela semana, obrigando o leitor a entortar o jornal). Sempre brincava – embora falando sério – que a natureza do Link contraposta à do Estadão permitia que nos aventurássemos por diferentes áreas do jornal sem brigar por pautas com outros cadernos. Assim conseguimos falar sobre o Marco Civil da Internet, de pirataria como vertente política e das trapalhadas da nossa justiça com a natureza da internet antes do pessoal de política, da economia aberta e de moedas virtuais sem abalroar com economia, da discussão sobre a ilegalidade dos downloads, da natureza do remix e da arte colaborativa fora das páginas de cultura. Mas chegaria um momento em que essas discussões inevitavelmente iriam interessar aos leitores de todos os cadernos, quando o digital deixasse de ser exceção. Cogitava como horizonte o dia em que a internet e as novas tecnologias se tornariam tão presentes que deixariam de ser reconhecidos apenas por um caderno. Uma vez que a internet avança cada vez mais sobre cada desdobramento de nossa vida, é inevitável a chegada de um momento em que um caderno sobre novas tecnologias e cultura digital se torne redundante frente a todas as outras editorias.

Quis o destino que tais preocupações ficassem no passado logo que assumi a direção da Galileu, no final de 2012 (cogitando, sobre novos ombros gigantescos, novos horizontes), mas tenho uma forte impressão que todo esse oba-oba em torno do digital e da internet terminará até o final desta década. Isso não quer dizer que a internet passará ou que os dilemas da transição que estamos vivendo se cessarão: pelo contrário, acho que eles se tornarão ainda mais presentes e complexos. A diferença é que não vamos mais nos referir uns aos outros como “internautas” (palavra que abomino e tento eliminá-la de meus textos, a não ser pra citar o próprio ridículo do termo, como agora) e vamos deixar de falar em “entrar na internet”. A rede já é ubíqua e o Facebook sozinho já pode gabar-se de ter um sétimo da população do planeta conectada à sua agenda de contatos, o maior CRM do planeta. Mas já começamos a ver um movimento de reação que é inevitável: a fuga da internet (ou a redução da presença online). Cada vez mais gente abandona plataformas de publicação para ter apenas um ponto de contato com a internet, deixando para trás essa era histérica e autorreferente de discussões intermináveis que só fazem bem ao ego dos envolvidos, sejam colunistas ou blogueiros de esquerda ou de direita (conceitos cada vez mais difusos, ainda mais nesses dias). E essa desconfiança da internet ganhou requinte de crueldade com as revelações feitas por um ex-agente da inteligência norte-americana, Edward Snowden, que revelou que os Estados Unidos utilizam recursos digitais – com auxílio das grandes grifes da rede – para monitorar a vida de quaisquer cidadãos que estejam na internet, norte-americanos ou não.

Qualquer um que dissesse, até 2012, que o governo dos EUA teria algo parecido com o PRISM seria imediatamente tachado de paranóico e conspirador maluco – mas eis que vem a realidade e nos esfrega em nossas ventas algo que nem a melhor ficção cogitaria. Mais do que isso: nos dá um anti-herói vilão arrependido que foge para a Rússia numa ação que desafiou até a soberania do presidente boliviano. Snowden surgiu como improvável protagonista da contrainformação corporativa, deixando o mundo boquiaberto sobre suas revelações e dando início a um dominó político que por vezes respingou no Brasil – desde reativação o Marco Civil da Internet à detenção de David Miranda, o namorado brasileiro de Glenn Greenwald (responsável pela revelação das acusações de Snowden), até a carta que o próprio Snowden escreveu ao Brasil, dizendo-se disposto a ajudar o país no que diz respeito às espionagens relacionadas ao governo e empresas brasileiras.

As revelações de Snowden podem ter tornado o mundo mais cético e mais cínico, mas se esse é o custo para que saiamos do loop de autodeslumbre que estamos presos desde que a web 2.0 permitiu que o mundo ouvisse a voz de cada um de nós, tudo bem. Pode ser que assim passamos menos tempo olhando para telas, decididos a registrar qualquer momento ou pensamento, nos fazendo refletir sobre a natureza da sinceridade da pergunta que o Facebook sempre nos faz (“como você está se sentindo agora?”). Não vivemos num reality show em que o mais exibido ou melhor articulado ganha um milhão no último episódio – estamos mais para ratos em laboratório cujas menores reações são monitoradas a cada milímetros ou segundo. E não tem último episódio, mesmo que você leve o milhão (de views, de likes, de RTs).

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