13 de 2013: Breaking Bad

, por Alexandre Matias

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Vamos aos fatos: Breaking Bad não é a melhor série já feita. E, com seu final formal, não entra no panteão das melhores séries de todos os tempos. O crescendo criativo que tornou uma série cult em um dos maiores fenômenos da TV deste século prometia um final épico, megalomaníaco, impossível de ser batido. Fomos (ou pelo menos fui) vítima da própria expectativa. Toda última temporada de Breaking Bad (as duas partes) não fizeram jus à tensão que vinha acumulando-se por toda a série – elas apenas esticaram esta tensão, esta sim a grande qualidade da saga de Walter White. Só continue lendo a partir daqui se souber do final da série.

A cada novo capítulo, o drama do professor de química – que, à beira da morte, passa a apostar na fabricação e comércio de metanfentamina para deixar sua família com algum troco antes de morrer – tornava-se mais denso e complicado. Não apenas pelo fato da aposta ter dado certo. Sua ascensão profissional mexe com os brios de uma concorrência bem barra pesada, o que a torna cada vez mais perigosa. Mas o problema não é esse – é que nosso protagonista aos poucos vai tomando gosto pelo poder e vicia-se na adrenalina de ser o pior vilão. Em questão de meses deixa o ar assustado do professor e pai de família Walter White e transforma-se num bad guy de peso, assumindo características dos vilões que foi dando cabo na medida em que a série avançava. E o codinome Heisenberg que inventou para sua nova persona vai assumindo sua identidade com mais força que o câncer que o colocou nessa vida bandida.

Por quatro temporadas, assistimos a essa escalada com as unhas cravadas nos braços da poltrona. Na mesma medida que ia ganhando dinheiro, ia fazendo desafetos. Esses novos inimigos tentavam enquadrá-lo, mas, de alguma forma, Walter White conseguia reverter a situação, quase sempre usando os poderes da ciência (“science, bitch!”), sua mais fiel comparsa. Como num videogame escrito por Sam Peckinpah, cada final de fase apresentava seu chefão sinistro, um vilão repugnante que deixava o antagonista anterior com cara de frágil. A quarta temporada, pra mim, é o ápice de Breaking Bad, ao apresentar todo esplendor de seu pior vilão, Gus Fring, de forma crua e sem diálogo logo no primeiro episódio, e ao eliminá-lo de forma ainda mais crua e apoteótica num season finale histórico. O final da quarta temporada é infinitamente superior a quase toda a quinta temporada, à exceção do impressionante episódio Ozymandias, o antepenúltimo capítulo que, de certa forma, encerra Breaking Bad.

A principal qualidade da última temporada foi enfatizar o principal músculo da série – sua capacidade de reter a tensão. Não houve nenhuma grande sacada, nenhuma reviravolta emocionante ou segredo revelado que estivesse sob nossos narizes. Ninguém da família de Walt morre, como temíamos por diversos episódios, e a redenção de Jesse, mesmo que temporária, apenas proporcionou uma sensação de alívio trivial. A morte de Walt na última cena é só um desfecho melancólico e previsível, que em nada se pareceu com finais previstos que podiam traçar paralelos com o Scarface de Al Pacino ou O Poderoso Chefão, obras citadas como referência no decorrer da série. A melhor leitura do último episódio foi feita por um comediante americano, que pegou as falhas do season finale (a narrativa mecânica, os diálogos frios, a conclusão morna) para montar um desfecho paralelo em que Walt morre sozinho no exílio, cercado por policial num deserto gelado enquanto imagina, minutos antes de morrer de câncer, as cenas que assistimos no último episódio.

Mas até chegarmos ao final, passamos por uma temporada em que qualquer silêncio tinha triplo significado, qualquer troca de olhares podia resultar numa briga fatal, qualquer plano mirabolante podia desandar horrivelmente. A ascensão comercial de Walter White se estagna e não vemos ele se tornar um lorde traficante internacional. A eliminação de Gus Fring no último episódio da quarta temporada parecia que nos levaria ao grande rei do crime organizado, alguém ainda mais polido e vil que o personagem dono de uma franquia de lanchonetes de frango frito. A aparição da personagem Lydia parecia nos levar a uma outra esfera do negócio que Walter White invadia, aquela em que empresários e políticos frequentadores de colunas sociais são os grandes vilões. “Se você segue a droga, você chega em drogados e traficantes”, dizem as sábias palavras de Lester Freamon, um dos principais personagens da impecável série The Wire, que vai onde Breaking Bad não teve coragem de ir, pois “se você segue o dinheiro, ninguém sabe onde ele pode te levar”. Breaking Bad preferiu não seguir o dinheiro.

O grande trunfo de Breaking Bad é consagrar esta fase de ouro vivida pela produção para a TV no novo século. Se antes da HBO e do blockbuster superlativo “televisão” era uma forma de menosprezar a produção audiovisual, depois de Sopranos, 24 Horas, The Wire, Lost, Six Feet Under e Battlestar Gallactica este parâmetro mudou a ponto de quase ter se invertido. Não há mais distinções entre quem produz cinema e TV como antigamente e alguns dos principais astros de Hollywood (George Clooney, Will Smith) vieram da televisão. As principais produções em termos de faturamento e crítica são feitas para a TV e a geração Netflix ainda está em sua infância. Breaking Bad faz parte de uma geração que inclui Walking Dead, Game of Thrones, Mad Men, Orange is the New Black, Girls, Lie to Me e Sherlock (esta sim a grande série atual) – seriados com aspiração à grande arte, que não se fingem apenas de entretenimento vazio e buscam a consagração de obras com centenas de horas de duração. Aconteceu que ela foi apenas a primeira destas a acabar, daí tanto frenesi. Mas todas essas outras citadas também chegarão ao fim e causarão, umas mais que outras, níveis de fanatismo exagerado e declarações de que “esta sim é a melhor série de todos os tempos”.

Não creio que nenhuma destas barrará Sopranos ou The Wire nesse sentido. É preciso superar as expectativas, em vez de simplesmente atendê-las, como aconteceu no episódio final de Breaking Bad. Uma série que nos acostumou com o inusitado preferiu o conforto de um final justo. Não acho que uma obra que termine com uma conclusão considerada “honesta” (adjetivo usado à exaustão na semana do season finale) seja digna ao trono de qualquer linguagem.

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