Tudo Tanto #016: Um 2015 espetacular

tudotanto2015

Na edição de janeiro da minha coluna na revista Caros Amigos, eu escrevi sobre o grande ano que foi 2015 para a música brasileira.

A consagração de 2015
O ano firmou toda uma safra de artistas que lançou discos que reverberarão pelos próximos anos

Alguma coisa aconteceu na música brasileira em 2015. Uma conjunção de fatores diferentes fez que vários artistas, cenas musicais, produtores e ouvintes se unissem para tornar públicos trabalhos de diferentes tempos de gestação que desembocaram coincidentemente neste mesmo período de doze meses e é fácil notar que esta produção terá um impacto duradouro pelos próximos anos. O melhor termômetro para estas transformações são os discos lançados durante este ano.

Os treze anos de espera do disco novo do Instituto, o terceiro disco pelo terceiro ano seguido do Bixiga 70, os seis anos de espera do disco novo do Cidadão Instigado, o disco que Emicida gravou na África, um disco que BNegão e seus Seletores de Frequência nem estavam pensando em fazer, o surgimento inesperado da carreira solo de Ava Rocha, o disco mais político de Siba, o espetacular segundo disco do grupo goiano Boogarins, os discos pop de Tulipa Ruiz e Barbara Eugênia, a década à espera do segundo disco solo de Black Alien, o majestoso disco primeiro disco de inéditas de Elza Soares, os quase seis anos de espera pelo disco novo do rapper Rodrigo Ogi, dos Supercordas e do grupo Letuce e um projeto paralelo de Mariana Aydar que tornou-se seu melhor disco. Mais que um ano de revelação de novos talentos (o que também aconteceu), 2015 marcou a consolidação de uma nova cara da música brasileira, bem típica desta década.

São álbuns lançados às dezenas, semanalmente, que deixam até o mais empenhado completista atordoado de tanta produção. É inevitável que entre as centenas de discos lançados no Brasil este ano haja uma enorme quantidade de material irrelevante, genérico, sem graça ou simplesmente ruim. Mas também impressiona a enorme quantidade de discos que são pelo menos bons – consigo citar quase uma centena sem me esforçar demais – e que foram feitos por artistas jovens, ainda buscando seu lugar no cenário, o que apenas é uma tradução desta que talvez seja a geração mais rica da música brasileira. A quantidade de produção – reflexo da qualidade das novas tecnologias tanto para gravação e divulgação dos trabalhos – não é mais meramente quantitativa. O salto de qualidade aos poucos vem acompanhando a curva de ascensão dos números de produção.

Outro diferencial desta nova geração é sua transversalidade. São músicos, compositores, intérpretes e produtores que atravessam diferentes gêneros, colaboram entre si, dialogam, trocam experiências. Não é apenas uma cena local, um encontro geográfico num bar, numa garagem, numa casa noturna, num apartamento. É uma troca constante de informações e ideias que, graças à internet, transforma os bastidores da vida de cada um em um imenso reality show divulgado pelas redes sociais, em clipes feitos para web, registros amadores de shows, MP3 inéditos, discussões e textões posts dos outros.

A lista de melhores discos que acompanha este texto não é, de forma alguma, uma lista definitiva, mesmo porque ela passa pelo meu recorte editorial, humano, que contempla uma série de fatores e dispensa outros. Qualquer outro observador da produção nacional pode criar uma lista de discos tão importantes e variada quanto estes 25 que separei no meu recorte. Dezenas de ótimos discos ficaram de fora, fora artistas que não chegaram a lançar discos de fato – e sim existem na internet apenas pelo registros dos outros de seus próprios trabalhos. E em qualquer recorte feito é inevitável perceber a teia de contatos e referências pessoais que todo artista cria hoje em dia. Poucos trabalham sozinhos ou num núcleo muito fechado. A maioria abre sua obra em movimento para parcerias, colaborações, participações especiais, duetos, jam sessions.

E não é uma panelinha. Não são poucos amigos que se conhecem faz tempo e podem se dar ao luxo de fazer isso por serem bem nascidos. É gente que vem de todos os extratos sociais e luta ferrenhamente para sobreviver fazendo apenas música. Gente que conhece cada vez mais gente que está do seu lado – e quer materializar essa aliança num palco, numa faixa, num mesmo momento. Esse é o diferencial desta geração: ela vai lá e faz.

Desligue o rádio e a TV para procurar o que há de melhor na música brasileira deste ano.

Ava Rocha – Ava Patrya Yndia Yracema
BNegão e os Seletores de Frequência – TransmutAção
Barbara Eugênia – Frou Frou
Bixiga 70 – III
Boogarins – Manual ou Guia Prático de Livre Dissolução de Sonhos
Cidadão Instigado – Fortaleza
Diogo Strauss – Spectrum
Elza Soares – Mulher do Fim do Mundo
Emicida – Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa
Guizado – O Vôo do Dragão
Ian Ramil – Derivacivilização
Instituto – Violar
Juçara Marçal & Cadu Tenório – Anganga
Juçara Marçal, Kiko Dinucci e Thomas Harres – Abismu
Karina Buhr – Selvática
Letuce – Estilhaça
Mariana Aydar – Pedaço Duma Asa
Negro Leo – Niños Heroes
Passo Torto e Ná Ozzeti – Thiago França
Rodrigo Campos – Conversas com Toshiro
Rodrigo Ogi – Rá!
Siba – De Baile Solto
Space Charanga – R.A.N.
Supercordas – A Terceira Terra
Tulipa Ruiz – Dancê

Tudo Tanto #015: O salto de Mariana Aydar

marianaaydar

Escrevi sobre o impressionante Pedaço Duma Asa, o disco mais ousado de Mariana Aydar, na última edição do ano da minha coluna da revista Caros Amigos.

Sem rede de segurança
Mariana Aydar arrisca-se como nunca em seu disco Pedaço Duma Asa e o resultado surpreende

Não espere a Mariana Aydar sorridente e solar. Mesmo que seu novo disco – Pedaço Duma Asa – comece com as palavras “Mamãe, papai”, elas soam mais como desafio e desprendimento do que colo e porto seguro. Sua voz soa implacável e imponente, mas sem deixar de expor fragilidades e sutilezas própria do universo que se propôs a retratar.

Pedaço Duma Asa é o mergulho que Mariana deu na obra de Nuno Ramos, artista plástico que cada vez mais vem se firmando como um dos principais compositores da nova música paulistana. Quase sempre em parceria com seu dupla Clima, a obra de Nuno começou a ser investigada por Rômulo Fróes e pouco a pouco conquistou diferentes compositores e intérpretes que estão reinventando a música brasileira. Mariana foi uma das pioneiras.

“Gravo o Nuno desde o segundo disco, gravei duas no meu segundo disco e uma no terceiro”, ela me conta. “Mas eu deixei, por exemplo, passar ‘Barulho Feio’ – eles me mandaram pra gravar no terceiro disco e eu não gravei. Deixei passar e fiquei super arrependida”, comenta sobre a música que acabou batizando o disco de Rômulo de 2014.

A imersão aconteceu por convite de uma série de eventos realizados pelo Oi Futuro Ipanema, no Rio de Janeiro, chamado Palavras Cruzadas, em que o diretor Marcio Debellian convida artistas de diferentes mídias para se encontrar no palco através do texto. Ao ser convidada, Mariana nem piscou e pensou imediatamente em Nuno: “São canções que já estavam muito comigo.”

E ao entrar em um universo formado por nuvens na cara, dores cegas, cães, olhos gordos, aves pretas, defeitos, bumbos furados, serpentes, ciscos no olho, sambas tristes, solidão, agogôs quebrados, mortalhas e jardins de sal ela não poderia entrar solar como nos seus primeiros disco. E a armadura para atravessar este cenário ríspido foi criada com dois velhos cúmplices: o marido Duani e o amigo Guilherme Held.

Juntos, eles criaram uma sonoridade crua e distante, mas ao mesmo tempo intensa e emotiva, usando poucos pilares: a percussão de Duani, que se entrelaça com linhas de baixo sintetizado programadas pelo marido de Mariana,, a guitarra lisérgica de Gui Held – que ecoa simultaneamente a psicodelia inglesa e o pós-tropicalismo do início dos anos 70 – e a voz de Mariana, cada vez mais segura de si. “Eu vejo muito esse disco como um disco de samba, ele tem um DNA de samba”, explica.

“Acho que essa sonoridade sairia independente do que eu fizesse agora”, ela explica. “A gente vem a construindo, eu, o Duani e o Gui Held junto com o Letieres (Leite, maestro e arranjador baiano), desde o Cavaleiro Selvagem. Mas dá pra pra espremer mais coisa dela. Qualquer coisa que eu fosse fazer agora eu já teria essa formação: a guitarra e os três tambores.”

O casamento desta musicalidade com a temática de Nuno Ramos é precisa, ao mesmo tempo em que atemporal e despatriada. Embora faça questão de se definir como uma artista de música brasileira, Mariana não encontrar fronteiras territoriais em seu universo particular: “A gente brinca que esse caminho é afromântrico. Eu queria fazer uma coisa mais minimalista, bem simples, com poucos instrumentos. E vi que cabia ali. Quando eles (Nuno e Clima) me mandavam as músicas, eu já entendia elas desta forma. E quando eu mostrava para o Duani, ele puxava um batuque e em seguida o Gui vinha com a guitarra.”

É o disco mais ousado da carreira de Mariana e também seu grande salto no escuro – e a ousadia de trabalhar sem rede de segurança não diz respeito apenas à musicalidade. É também o primeiro disco independente dela, que até então havia lançado discos pela gravadora Universal.

“Mas eu sempre tive muita liberdade em grande gravadora, embora sempre tivesse aquela coisa de ‘a música pra rádio’, essas coisas…”, explica. “E nesse disco… Não cabia. Não podia nem fazer isso com a gravadora, porque eles sei que eles investem e esperam um retorno. E eu não vou fazer uma música desse disco pra tocar na rádio. E eu vejo esse disco como um projeto pessoal. A gravadora é uma parceria, e acho que ainda é uma força. Eu não descarto a possibilidade de trabalhar com uma gravadora, se for uma coisa legal pro meu trabalho e se eu tiver essa autonomia que eu sempre quis. E o bom é que se não tiver, a gente tem esse outro caminho, independente.”

O selo, mais uma parceria com o marido, chama-se Brisa, o mesmo nome da filha dos dois, que nasceu em 2013. Mas não foi lançado apenas para este projeto, nem para os próprios trabalhos dela: “Sempre tive vontade de lançar artistas que eu gosto”, conta, “Tem um cara que eu quero muito fazer o disco pra lançar pelo selo Brisa que é o Dió de Araújo, que tem um trio que chama Trio Xamego, que é super tradicional, de forró, e ele tem músicas maravilhosas. Tem uma música que se chama ‘Boto Azul’ que ele me mostrou num forró e eu fiquei, ‘gente, o que que é isso!’. Eu queria muito fazer um disco dele, mas ele tá relutando um pouco, ele quer fazer um disco de forró e eu tô falando pra ele que o disco só vai sair se não for de forró”.

Vamos esperar.

Os 75 melhores discos de 2015: 12) Mariana Aydar – Pedaço Duma Asa

12-marianaaydar

Descida ao vale das trevas.

Vida Fodona #515: Mais em breve do que você possa imaginar

vr515

A mundança nunca termina.

Buffalo Springfield – “For What’s Worth”
Boogarins – “Mário de Andrade / Selvagem”
Deerhunter – “Duplex Planet”
Wilco – “You Satellite”
Karina Buhr – “Rimã”
Broken Bells – “It’s That Talk Again”
Supercordas – “Espectralismo ou Barbárie”
Letuce – “Todos os Lugares do Mundo”
Tame Impala – “Reality In Motion”
Ogi – “7 Cordas”
Floating Points – “Elaenia”
Ava Rocha – “Mar ao Fundo”
Cidadão Instigado – “Dudu Vivi Dada”
Ryan Adams – “I Know Places”
Mariana Aydar – “Saiba Ficar Quieto”
Mac DeMarco – “Without Me”

Bora!

Quem é João Donato

joao-donato-quem-e-quem

Não é uma pergunta. Um dos nomes mais importantes da música brasileira se explica ao teclado, conversando fiado, esquecendo-se dos anos e lugares pois sua entrega é total à música. No último dia do mês passado, celebrando o aniversário do clássico disco Quem é Quem, de 1973, João Donato revisitou seus próprios standards em excelente companhia. Num show bolado pelo compadre Ronaldo e apresentado no teatro do Sesc Pinheiros, João recebeu novos e velhos amigos – as cantoras Mariana Aydar e Tulipa Ruiz (que arrepiou os pelos da nuca do público numa “Até Quem Sabe?” deslumbrante), o mestre Marcos Valle e uma versão amaciada do Bixiga 70 – e fez um show sublime, uma ode à sua própria musicalidade preguiçosa e audaz. Fiz uns vídeos e postei aí embaixo, quem quiser conferir se estou exagerando é só apertar o play – e boa viagem (e quem quiser saber mais sobre o Quem é Quem, o Ronaldo criou uma tag em seu blog só pra falar do disco)

 

A Tábua de Esmeraldas na voz de outros artistas


Zezé Motta – “Os Alquimistas Estão Chegando os Alquimistas”

O papo do Queremos me lembrou um email que o Mateus me mandou compilando várias versões que ele encontrou por aí para músicas do Tábua de Esmeraldas do Jorge Ben (pra quem não sabe, pode ser que o Jorge Ben faça um show tocando seu clássico disco voltando ao violão que não encosta desde os anos 70 – uma campanha iniciada pelo Queremos no Facebook). Ele não achou nem “Magnolia” nem “Hermes Trismegisto” – e tolerou umas bombas, como a versão da Fernanda Abreu -, mas, c’est une travail sale, sabemos… Só tive que postar:


Ana Cañas – “O Homem da Gravata Florida”


Seu Jorge + Almaz – “Errare Humanum Est”


Mariana Aydar + Duani – “Menina Mulher da Pele Preta”


Fernanda Abreu – “Eu Vou Torcer”


Los Sebosos Postizos – “Minha Teimosia, Uma Arma pra te Conquistar”


Maquinado – “Zumbi”


O Rappa + Lenine – “Cinco Minutos”

Valeu, Mateus!