Jason Segel é David Foster Wallace

The-End-of-the-Tour

David Foster Wallace acaba de lançar seu calhamaço de mais de mil páginas Infinite Jest e um repórter da Rolling Stone gruda nele durante a turnê de lançamento para saber o que leva alguém a escrever um livro deste tamanho. O filme The End of Tour junta Jason Segel e Jesse Eisenberg nestes dois papéis e aparentemente faz a carreira de Segel renascer para além da comédia.

O grande romance americano de David Foster Wallace

gracainfinita

Escrevi sobre a tradução do calhamaço Graça Infinita, a grande obra de David Foster Wallace, para a revista Brasileiros do mês passado.

Entretenimento Fatal
Com mais de mil páginas, sendo 100 delas de notas de rodapé, o desafio Graça Infinita, de David Foster Wallace é o último candidato a Grande Romance Americano do século passado e finalmente é lançado no Brasil

A busca pelo Grande Romance Americano atravessou todo o século passado motivando autores hoje consagrados e assombrando outros que tentavam fugir desse Santo Graal. O posto foi criado como uma forma de distinguir a literatura da antiga colônia inglesa da produção britânica e logo clássicos como Moby Dick e As Aventuras de Huckleberry Finn se configuraram como os primeiros candidatos ao posto. Mas à medida em que o século 20 foi passando e os Estados Unidos foram se confirmando como o país mais influente do mesmo período, o título passou a pesar sobre ombros de diferentes autores e obras: F. Scott Fitzgerald, William Faulkner, Vinhas da Ira, John dos Passos, O Apanhador no Campo de Centeio, Saul Bellow, Lolita, O Arco-Íris da Gravidade, John Updike, William Gaddis, Don DeLillo. Todos confrontados com o desafio de traduzir a essência deste país autodenominado América em páginas de papel.

Mas um nome candidatou-se a esse trono como se aceitasse um desafio. Um metadesafio, afinal. O século americano chegava ao fim e um autor considerado prodígio dedicou três anos de sua vida a uma obra que não apenas sintetizasse a importância cultural dos Estados Unidos para o resto do mundo nos últimos cem anos como também funcionasse como uma radiografia para uma sociedade que passou a primeira metade do século cultivando uma nova altivez e nobreza, ao alcance de todos, e a segunda metade remexendo nas próprias entranhas enquanto perguntava-se o que havia acontecido de errado. David Foster Wallace completava 34 anos no mesmo fevereiro de 1996 que via o lançamento de sua obra-prima precoce, o exaustivo e enciclopédico romance Infinite Jest, que finalmente é lançado no Brasil, como Graça Infinita. O título não é retirado apenas de uma frase qualquer de Shakespeare, mas do momento em que Hamlet encara o crânio sem vida de Yoruck que comumente associamos ao monólogo em que nos encontramos com o “ser ou não ser”. Em vez disso, o príncipe dinamarquês confronta a ossada do bobo-da-corte e contempla-a. “Ah, pobre Yorick!”, suspirava o personagem, “uma pessoa de infinita graça, da mais fina fantasia, carregou-me às costas umas mil vezes, e agora, quão abominável me parece.” A caveira na capa da edição brasileira escancara a sutil constatação hamletiana sobre os EUA.

No livro homônimo, Graça Infinita é um filme experimental realizado pelo senhor James Orin Incandenza Jr., que antes de dedicar-se ao cinema, era especialista em óptica, fundou a Academia de Tênis Enfield e cometeu suicídio enfiando a própria cabeça num microondas. Mas ao contrário de outros filmes que produziu, Graça Infinita – que também é conhecido apenas como Entretenimento ou “samizdat” – era considerado perigoso por induzir seus espectadores a um estado de desinteresse por tudo que não fosse o próprio filme – uma degradação psicológica que inevitavelmente levava à morte.

Eis o objetivo de uma caçada estática conduzida pelas mais de mil páginas de um único romance, em que notas de rodapé ao final do livro tomam conta de nada menos que cem outras páginas. É um calhamaço de dimensões atordoantes que não deixa barato ao ser desbravado: David Foster Wallace nos conduz por montanha russa de estilos, habitada por personagens verborrágicos em monólogos de frases gigantescas. Quase não há parágrafos e a sensação de estar à deriva em um mar de palavras é constante. É um livro mais extenso do que os longos romances russos – e que a própria Bíblia.

Graça Infinita nos apresenta aos Estados Unidos de um século 21 em que não houve um 11 de setembro, em que o consumismo, a publicidade e o mercado de entretenimento deformaram de vez a América do Norte. Não há nem mais os Estados Unidos como o conhecemos e sim uma mutação entre a Alca e a Otan chamada Organização das Nações da América do Norte (referida apenas como Onan – isso mesmo). Neste novo país, não existem preocupações ecológicas e todo o lixo tóxico é catapultado na antiga região da Nova Inglaterra, no nordeste dos antigos EUA. Os anos não são mais referidos com a numeração tradicional e são vendidos às marcas que pagarem mais – e assim os primeiros anos do século em que vivemos são referidos como “o ano do Whopper”, “o ano do Frango Maravilha Perdue” ou “o ano da fralda geriátrica Depend”.

Neste mundo habitam dois personagens que acompanharemos pelas centenas de páginas: o prodígio no tênis Hal Incandenza, filho caçula do autor do filme, e o ex-viciado Don Gately, que habitam dois universos diferentes – a já citada Academia de Tênis Enfield e a Casa Ennet de Recuperação de Drogas e Álcool. Através dos dois visitamos duas dos principais prazeres da escrita de David Foster, o tênis e reuniões de Alcóolatras Anônimos, situações que viveu pessoalmente. A primeira por ter sido, ele mesmo, um jovem tenista, o que garante páginas e páginas do esporte por escrito, por vezes exaustivas como uma partida no saibro. E Wallace começou a frequentar reuniões do AA não por causa da bebida, mas por seu vício passivo em assistir televisão. A partir das reuniões ele pode perceber as transformações em diferentes personagens, além da relação da América do século 20 com qualquer tipo de dependência – sendo o consumismo e o entretenimento de massas duas de suas principais manifestações. Os dois personagens, paralelamente, ainda fazem o leitor passear por descrições sobre todo o tipo de drogas e efeitos diretos ou colaterais, como se parte do autor fosse habitada por William Burroughs e Hunter Thompson.

Mas não se engane: não são os únicos temas de Graça Infinita. Seu número assustador de páginas funciona como uma passarela para Wallace desfilar seus extensos conhecimentos em áreas completamente diferentes, além de costurá-los com observações inusitadas e frases deliciosamente escritas. E aqui é possível perceber seu parentesco com Thomas Pynchon, Kurt Vonnegut, Don DeLillo, William Gaddis e John Barth. Por mais que atravesse sagas maçantes ou procedimentos burocráticos, ele sempre o faz de forma elegante e exagerada, eloquente e exaustiva – às vezes de todas estas formas. Em seu segundo romance, David Foster Wallace exibe uma maestria típica dos grandes nomes da literatura pós-moderna norte-americana, encarnando, no papel, a “literatura da exaustão” do manifesto de Barth.

E entre relatos intermináveis e narradores implacáveis, acompanhamos Hal e Don em busca do tal filme mortal, cada um com suas próprias motivações, enquanto seguimos o grupo terrorista separatista de Quebec Les Assassins des Fauteuils Rollents, cujos integrantes sem pernas querem usar Graça Infinita como arma. Entre estes personagens há centenas de outros, desde a família Incandenza aos alunos da Academia de Tênis, passando pelos pacientes da Casa Ennet – todos falando sem parar sobre todo tipo de assunto.

O sentimento de desamparo e solidão da leitura interminável ao ser contraposto à avalanche de descrições detalhadas, teses fundamentadas e muito material técnico transforma o próprio livro numa provocação em si mesmo e fica evidente o metadesafio encarado pelo autor. Ao contrário do filme que o batiza, Graça Infinita não induz o leitor à catatonia passiva – é uma missão a ser cumprida, uma aventura racional (até demais) num bizarro mundo de letras. “Queria fazer um livro triste”, disse o autor em entrevistas dadas à época do lançamento, frisando que era a tristeza que afluía quando não se há mais motivo para buscar-se a felicidade, a principal motivação dos cidadãos norte-americanos.

O grande rei pálido

Como o criador de Graça Infinita, o filme, o autor de Graça Infinita, o livro, também deu fim à sua própria vida. David Foster Wallace havia parado de tomar as medicações para depressão e já havia tentado o suicídio no início de 2008, mas no dia 12 de setembro daquele ano, foi para a garagem de sua casa, em Claremont, na Califórnia, escreveu uma carta de duas páginas, deixou arrumado o manuscrito de seu livro mais recente, o inacabado The Pale King, amarrou seus braços e se enforcou. Tinha 46 anos e sua morte consagrava de vez um dos principais novos nomes da literatura norte-americana da virada do século.

Graça Infinita foi seu maior feito artístico, mas estava longe de ser o único. Além do livro com mais de mil páginas, ele escreveu apenas outros dois romances, The Broom in the System (que o lançou em 1987) e o póstumo The Pale King, que concorreu ao Pulitzer do ano em que foi lançado, 2011. Além destes três livros, ainda lançou três coletâneas de contos: Girl with Curious Hair (1989), Brief Interviews with Hideous Men (1999) e Oblivion: Stories (2004).

Sua figura caricata e sempre usando uma enorme bandana na cabeça contrastava com a personalidade tímida e quieta que mal sabia se comportar em entrevistas. Rato de biblioteca, Wallace foi criado por pais acadêmicos, além de ter sua vida na universidade, inclusive como professor.

Contratado como escritor freelance, David Foster Wallace publicou nos principais veículos dos EUA textos sobre todo tipo de assunto: a indústria de efeitos especiais para o cinema, o atentado do 11 de setembro, um festival de lagostas no Maine e muito tênis. Seu artigo sobre o tenista Roger Federer para o New York Times em 2006 (“Roger Federer as a Religious Experience”) é um dos grandes textos deste século.

“Isso é água”, de David Foster Wallace, em português

aguagua

Repostei outro dia uma versão editada do clássico discurso de David Foster Wallace “This is Water” em inglês e o Jader avisou que eles já tinham traduzido lá no Papo de Homem. Pois reposto essa tradução aqui:

Todas as experiências pelas quais vocês passaram tiveram, sempre, um ponto central absoluto: vocês mesmos. O mundo que se apresenta para ser experimentado está diante de vocês, ou atrás, à esquerda ou à direita, na sua tevê, no seu monitor, ou onde for. Os pensamentos e sentimentos dos outros precisam achar um caminho para serem captados, enquanto o que vocês sentem e pensam é imediato, urgente, real. Não pensem que estou me preparando para fazer um sermão sobre compaixão, desprendimento ou outras “virtudes”. Essa não é uma questão de virtude – trata-se de optar por tentar alterar minha configuração padrão original, impressa nos meus circuitos. Significa optar por me libertar desse egocentrismo profundo e literal que me faz ver e interpretar absolutamente tudo pelas lentes do meu ser.

Estou certo de que vocês já perceberam o quanto é difícil permanecer alerta e atento, em vez de hipnotizado pelo constante monólogo que travamos em nossas cabeças. Só vinte anos depois da minha formatura vim a entender que o velho clichê de ‘ensinar os alunos como pensar’ é, na verdade, uma simplificação de uma idéia bem mais profunda e séria: aprender a pensar na verdade significa aprender a exercer algum controle sobre como e o que você pensa. Significa estar consciente e atento o suficiente para escolher ao que você presta atenção e para escolher como você constrói significado a partir da experiência. Porque se vocês não puderem fazer esse tipo de escolha na vida adulta, estarão em apuros.

Acredito que a essência de uma educação na área de humanas, eliminadas todas as bobagens que vêm junto, deveria contemplar o seguinte ensinamento: como percorrer uma confortável, próspera e respeitável vida adulta sem já estar morto, inconsciente, escravizado pela nossa configuração padrão – a de sermos singularmente, completamente, imperialmente sós.

Claro que nada disso é provável, mas tampouco é impossível. Tudo depende do que vocês queiram levar em conta. Se estiverem automaticamente convictos de conhecerem toda a realidade, vocês, assim como eu, não levarão em conta possibilidades que não sejam inúteis e irritantes. Mas, se vocês aprenderam como pensar, saberão que têm outras opções. Está ao alcance de vocês vivenciarem uma situação ‘inferno do consumidor’ não apenas como significativa, mas como iluminada pela mesma força que acendeu as estrelas.

Relevem o tom aparentemente místico. A única coisa verdadeira, com V maiúsculo, é que vocês precisam decidir conscientemente o que, na vida, tem significado e o que não tem.

Nas trincheiras do dia-a-dia, não há lugar para o ateísmo. Não existe algo como ‘não venerar’. Todo mundo venera. A única opção que temos é decidir o que venerar. E o motivo para escolhermos algum tipo de Deus ou ente espiritual para venerar – seja JC ou Alá, seja Jeová ou a Deusa Mãe Wicca, ou as Quatro Nobres Verdades, ou algum conjunto inviolável de princípios éticos – é que todo outro objeto de veneração te engolirá vivo. Quem venerar o dinheiro e extrair dos bens materiais o sentido de sua vida nunca achará que tem o suficiente. Aquele que venerar seu próprio corpo e beleza, e o fato de ser sexy, sempre se sentirá feio – e quando o tempo e a idade começarem a se manifestar, morrerá um milhão de mortes antes de ser efetivamente enterrado.

No fundo, todos nós já sabemos de tudo isso. É o que está no coração de mitos, provérbios, clichês, epigramas e parábolas. Ao venerar o poder, você se sentirá fraco e amedrontado, e precisará de ainda mais poder sobre os outros para afastar o próprio medo. Venerando o intelecto, sendo visto como inteligente, acabará se sentindo burro, um farsante na iminência de ser desmascarado. E assim por diante.

Mas a parte traiçoeira destas formas de adoração não é que elas sejam ruins ou pecaminosas – é que elas são inconscientes. Elas são configurações padrão. São o tipo de veneração em direção à qual você vai gradualmente se acomodando, dia após dia. Você se torna mais seletivo em relação ao que quer ver, ao que valorizar, sem nem mesmo se dar conta de que esta fazendo escolhas.

O chamado ‘mundo real’ não o desencorajará de operar na configuração padrão, porque o chamado ‘mundo real’ dos homens e dinheiro e poder cantarola alegremente numa poça de medo e raiva e frustração e desejo a a veneração que cada um faz de si mesmo. A nossa cultura consegue canalizar essas forças de modo a produzir riqueza, conforto e liberdade pessoal. Ela nos dá a liberdade de sermos senhores de minúsculos reinados individuais, do tamanho de nossos crânios, onde reinamos sozinhos.

Esse tipo de liberdade tem suas vantagens. Mas existem outros tipos de liberdade. Sobre a liberdade mais preciosa, vocês pouco ouvirão no grande mundo adulto movido a sucesso e exibicionismo. O tipo de liberdade que realmente importante envolve atenção, consciência, disciplina, esforço e capacidade de efetivamente se importar com os outros, repetidamente, numa miríade de maneiras triviais e sem glamour, todos os dias. Isso é liberdade de verdade. Isso é ser educado, e compreender como pensar.

É sobre o valor real de uma educação real, que não tem quase nada a ver com conhecimento, e tudo a ver com simples consciência; consciência do que é tão real e essencial, tão oculto à vista de todos nós, o tempo todo, que nós temos que ficar lembrando a nós mesmos, de novo e de novo: ‘Isso é água. Isso é água.’

É inimaginavelmente difícil fazer isso, ficar consciente e vivo no mundo adulto, um dia após o outro. O que significa que outro grande clichê também é verdade: a sua educação realmente é o trabalho de uma vida toda. E começa agora. Eu desejo a vocês muito mais que sorte.”

“Isso é água”, por David Foster Wallace

agua

postei o trecho do clássico discurso “This is Water” do David Foster Wallace aqui anteriormente e há pouco reencontrei o vídeo que o destaca. Por isso, aproveito o calorão do verão 2015 para republicá-lo e, quem sabe, vê-lo traduzido para português. Se alguém se dispor, basta postar a tradução abaixo.

“There are these two young fish swimming along and they happen to meet an older fish swimming the other way, who nods at them and says “Morning, boys. How’s the water?” And the two young fish swim on for a bit, and then eventually one of them looks over at the other and goes “What the hell is water?”

The point of the fish story is merely that the most obvious, important realities are often the ones that are hardest to see and talk about. Stated as an English sentence, of course, this is just a banal platitude, but the fact is that in the day to day trenches of adult existence, banal platitudes can have a life or death importance. The plain fact is that you graduating seniors do not yet have any clue what “day in day out” really means. There happen to be whole, large parts of adult American life that nobody talks about in commencement speeches. One such part involves boredom, routine and petty frustration. The parents and older folks here will know all too well what I’m talking about.

By way of example, let’s say it’s an average adult day, and you get up in the morning, go to your challenging, white-collar, college-graduate job, and you work hard for eight or ten hours, and at the end of the day you’re tired and somewhat stressed and all you want is to go home and have a good supper and maybe unwind for an hour, and then hit the sack early because, of course, you have to get up the next day and do it all again. But then you remember there’s no food at home. You haven’t had time to shop this week because of your challenging job, and so now after work you have to get in your car and drive to the supermarket. It’s the end of the work day and the traffic is apt to be: very bad. So getting to the store takes way longer than it should, and when you finally get there, the supermarket is very crowded, because of course it’s the time of day when all the other people with jobs also try to squeeze in some grocery shopping. And the store is hideously lit and infused with soul-killing muzak or corporate pop and it’s pretty much the last place you want to be but you can’t just get in and quickly out; you have to wander all over the huge, over-lit store’s confusing aisles to find the stuff you want and you have to manoeuvre your junky cart through all these other tired, hurried people with carts (et cetera, et cetera, cutting stuff out because this is a long ceremony) and eventually you get all your supper supplies, except now it turns out there aren’t enough check-out lanes open even though it’s the end-of-the-day rush. So the checkout line is incredibly long, which is stupid and infuriating. But you can’t take your frustration out on the frantic lady working the register, who is overworked at a job whose daily tedium and meaninglessness surpasses the imagination of any of us here at a prestigious college.

But anyway, you finally get to the checkout line’s front, and you pay for your food, and you get told to “Have a nice day” in a voice that is the absolute voice of death. Then you have to take your creepy, flimsy, plastic bags of groceries in your cart with the one crazy wheel that pulls maddeningly to the left, all the way out through the crowded, bumpy, littery parking lot, and then you have to drive all the way home through slow, heavy, SUV-intensive, rush-hour traffic, et cetera et cetera.

Everyone here has done this, of course. But it hasn’t yet been part of you graduates’ actual life routine, day after week after month after year.

But it will be. And many more dreary, annoying, seemingly meaningless routines besides. But that is not the point. The point is that petty, frustrating crap like this is exactly where the work of choosing is gonna come in. Because the traffic jams and crowded aisles and long checkout lines give me time to think, and if I don’t make a conscious decision about how to think and what to pay attention to, I’m gonna be pissed and miserable every time I have to shop. Because my natural default setting is the certainty that situations like this are really all about me. About MY hungriness and MY fatigue and MY desire to just get home, and it’s going to seem for all the world like everybody else is just in my way. And who are all these people in my way? And look at how repulsive most of them are, and how stupid and cow-like and dead-eyed and nonhuman they seem in the checkout line, or at how annoying and rude it is that people are talking loudly on cell phones in the middle of the line. And look at how deeply and personally unfair this is.

Or, of course, if I’m in a more socially conscious liberal arts form of my default setting, I can spend time in the end-of-the-day traffic being disgusted about all the huge, stupid, lane-blocking SUV’s and Hummers and V-12 pickup trucks, burning their wasteful, selfish, 40-gallon tanks of gas, and I can dwell on the fact that the patriotic or religious bumper-stickers always seem to be on the biggest, most disgustingly selfish vehicles, driven by the ugliest [responding here to loud applause] (this is an example of how NOT to think, though) most disgustingly selfish vehicles, driven by the ugliest, most inconsiderate and aggressive drivers. And I can think about how our children’s children will despise us for wasting all the future’s fuel, and probably screwing up the climate, and how spoiled and stupid and selfish and disgusting we all are, and how modern consumer society just sucks, and so forth and so on.

You get the idea.

If I choose to think this way in a store and on the freeway, fine. Lots of us do. Except thinking this way tends to be so easy and automatic that it doesn’t have to be a choice. It is my natural default setting. It’s the automatic way that I experience the boring, frustrating, crowded parts of adult life when I’m operating on the automatic, unconscious belief that I am the centre of the world, and that my immediate needs and feelings are what should determine the world’s priorities.

The thing is that, of course, there are totally different ways to think about these kinds of situations. In this traffic, all these vehicles stopped and idling in my way, it’s not impossible that some of these people in SUV’s have been in horrible auto accidents in the past, and now find driving so terrifying that their therapist has all but ordered them to get a huge, heavy SUV so they can feel safe enough to drive. Or that the Hummer that just cut me off is maybe being driven by a father whose little child is hurt or sick in the seat next to him, and he’s trying to get this kid to the hospital, and he’s in a bigger, more legitimate hurry than I am: it is actually I who am in HIS way.

Or I can choose to force myself to consider the likelihood that everyone else in the supermarket’s checkout line is just as bored and frustrated as I am, and that some of these people probably have harder, more tedious and painful lives than I do.

Again, please don’t think that I’m giving you moral advice, or that I’m saying you are supposed to think this way, or that anyone expects you to just automatically do it. Because it’s hard. It takes will and effort, and if you are like me, some days you won’t be able to do it, or you just flat out won’t want to.

But most days, if you’re aware enough to give yourself a choice, you can choose to look differently at this fat, dead-eyed, over-made-up lady who just screamed at her kid in the checkout line. Maybe she’s not usually like this. Maybe she’s been up three straight nights holding the hand of a husband who is dying of bone cancer. Or maybe this very lady is the low-wage clerk at the motor vehicle department, who just yesterday helped your spouse resolve a horrific, infuriating, red-tape problem through some small act of bureaucratic kindness. Of course, none of this is likely, but it’s also not impossible. It just depends what you want to consider. If you’re automatically sure that you know what reality is, and you are operating on your default setting, then you, like me, probably won’t consider possibilities that aren’t annoying and miserable. But if you really learn how to pay attention, then you will know there are other options. It will actually be within your power to experience a crowded, hot, slow, consumer-hell type situation as not only meaningful, but sacred, on fire with the same force that made the stars: love, fellowship, the mystical oneness of all things deep down.

Not that that mystical stuff is necessarily true. The only thing that’s capital-T True is that you get to decide how you’re gonna try to see it.

This, I submit, is the freedom of a real education, of learning how to be well-adjusted. You get to consciously decide what has meaning and what doesn’t. You get to decide what to worship.

Because here’s something else that’s weird but true: in the day-to-day trenches of adult life, there is actually no such thing as atheism. There is no such thing as not worshipping. Everybody worships. The only choice we get is what to worship. And the compelling reason for maybe choosing some sort of god or spiritual-type thing to worship–be it JC or Allah, be it YHWH or the Wiccan Mother Goddess, or the Four Noble Truths, or some inviolable set of ethical principles–is that pretty much anything else you worship will eat you alive. If you worship money and things, if they are where you tap real meaning in life, then you will never have enough, never feel you have enough. It’s the truth. Worship your body and beauty and sexual allure and you will always feel ugly. And when time and age start showing, you will die a million deaths before they finally grieve you. On one level, we all know this stuff already. It’s been codified as myths, proverbs, clichés, epigrams, parables; the skeleton of every great story. The whole trick is keeping the truth up front in daily consciousness.

Worship power, you will end up feeling weak and afraid, and you will need ever more power over others to numb you to your own fear. Worship your intellect, being seen as smart, you will end up feeling stupid, a fraud, always on the verge of being found out. But the insidious thing about these forms of worship is not that they’re evil or sinful, it’s that they’re unconscious. They are default settings.

They’re the kind of worship you just gradually slip into, day after day, getting more and more selective about what you see and how you measure value without ever being fully aware that that’s what you’re doing.

And the so-called real world will not discourage you from operating on your default settings, because the so-called real world of men and money and power hums merrily along in a pool of fear and anger and frustration and craving and worship of self. Our own present culture has harnessed these forces in ways that have yielded extraordinary wealth and comfort and personal freedom. The freedom all to be lords of our tiny skull-sized kingdoms, alone at the centre of all creation. This kind of freedom has much to recommend it. But of course there are all different kinds of freedom, and the kind that is most precious you will not hear much talk about much in the great outside world of wanting and achieving…. The really important kind of freedom involves attention and awareness and discipline, and being able truly to care about other people and to sacrifice for them over and over in myriad petty, unsexy ways every day.

That is real freedom. That is being educated, and understanding how to think. The alternative is unconsciousness, the default setting, the rat race, the constant gnawing sense of having had, and lost, some infinite thing.

I know that this stuff probably doesn’t sound fun and breezy or grandly inspirational the way a commencement speech is supposed to sound. What it is, as far as I can see, is the capital-T Truth, with a whole lot of rhetorical niceties stripped away. You are, of course, free to think of it whatever you wish. But please don’t just dismiss it as just some finger-wagging Dr Laura sermon. None of this stuff is really about morality or religion or dogma or big fancy questions of life after death.

The capital-T Truth is about life BEFORE death.

It is about the real value of a real education, which has almost nothing to do with knowledge, and everything to do with simple awareness; awareness of what is so real and essential, so hidden in plain sight all around us, all the time, that we have to keep reminding ourselves over and over:

“This is water.”

“This is water.”

“This is Water”, por David Foster Wallace

this-is-water

O já clássico discurso de David Foster Wallace aos alunos do Kenyon College em 2005 conhecido como “This is Water” ganhou uma versão em vídeo. E sempre é bom reler.

A íntegra do texto segue abaixo. Se alguém tiver a tradução à mão, por favor compartilhe:

 

“Na trincheira do dia-a-dia, não há lugar para o ateísmo”

Boa parte das certezas que carrego comigo acabam se revelando totalmente equivocadas e ilusórias. Vou dar como exemplo uma de minhas convicções automáticas: tudo à minha volta respalda a crença profunda de que eu sou o centro absoluto do universo, de que sou a pessoa mais real, mais vital e essencial a viver hoje. Raramente mencionamos esse egocentrismo natural e básico, pois parece socialmente repulsivo, mas no fundo ele é familiar a todos nós. Ele faz parte de nossa configuração padrão, vem impresso em nossos circuitos ao nascermos.

Querem ver? Todas as experiências pelas quais vocês passaram tiveram, sempre, um ponto central absoluto: vocês mesmos. O mundo que se apresenta para ser experimentado está diante de vocês, ou atrás, à esquerda ou à direita, na sua tevê, no seu monitor, ou onde for. Os pensamentos e sentimentos dos outros precisam achar um caminho para serem captados, enquanto o que vocês sentem e pensam é imediato, urgente, real. Não pensem que estou me preparando para fazer um sermão sobre compaixão, desprendimento ou outras “virtudes”. Essa não é uma questão de virtude – trata-se de optar por tentar alterar minha configuração padrão original, impressa nos meus circuitos. Significa optar por me libertar desse egocentrismo profundo e literal que me faz ver e interpretar absolutamente tudo pelas lentes do meu ser.

Num ambiente de excelência acadêmica, cabe a pergunta: quanto do esforço em adequar a nossa configuração padrão exige de sabedoria ou de intelecto? A pergunta é capciosa. O risco maior de uma formação acadêmica – pelo menos no meu caso – é que ela reforça a tendência a intelectualizar demais as questões, a se perder em argumentos abstratos, em vez de simplesmente prestar atenção ao que está ocorrendo bem na minha frente.

Estou certo de que vocês já perceberam o quanto é difícil permanecer alerta e atento, em vez de hipnotizado pelo constante monólogo que travamos em nossas cabeças. Só vinte anos depois da minha formatura vim a entender que o surrado clichê de “ensinar os alunos como pensar” é, na verdade, uma simplificação de uma idéia bem mais profunda e séria. “Aprender a pensar” significa aprender como exercer algum controle sobre como e o que cada um pensa. Significa ter plena consciência do que escolher como alvo de atenção e pensamento. Se vocês não conseguirem fazer esse tipo de escolha na vida adulta, estarão totalmente à deriva.

Pare o que está fazendo e leia agora A Liberdade de Ver os Outros, de David Foster Wallace, que saiu na Piauí deste mês e pode ser lido na íntegra aqui. Depois me diz o que você achou.