Galileu – Fevereiro de 2014 – minha última edição

, por Alexandre Matias

galileu-271-fevereiro-2014

Sim, a edição de fevereiro é a última edição da Galileu sob minha direção. Fui demitido na sexta passada, em pleno fechamento da edição de março e não faço a menor idéia sobre o futuro da revista. Só sei que, como havia dito na minha retrospectiva do ano passado, esse ano Galileu foi um ano de muito aprendizado, em vários níveis, e saio de lá com a sensação de que o trabalho que vinha fazendo foi interrompido pela metade, mas disposto a seguir com meus planos por conta própria. Já tinha novidades engatilhadas e, agora, fora do escritório, vou poder dar mais atenção e empenho a elas (isso também diz respeito ao próprio Trabalho Sujo). Essa semana ainda estou devagar por motivos pessoais e devo tirar um fevereiro de madame, aproveitando o verãozão e a piscina, mas grandes novidades surgem ainda antes do carnaval. Abaixo, minha última Carta ao Leitor.

Mãos à obra

271_carta_02
SEMPRE TEM: Perguntamos na redação se alguém tinha um iPhone quebrado e o Danilo Saraiva, da Quem, apareceu com esse

Quando foi que deixamos de fazer trabalhos manuais? Quando eu era criança — e nem faz tanto tempo assim —, gostava de montar quebra-cabeças, modelos Revell, carrinho de rolimã, além de abrir equipamentos quando meu pai deixava, normalmente eletrodomésticos velhos. Anos depois, na adolescência, comecei a tocar trombone e violão (não ao mesmo tempo) e a manutenção era uma parte tão importante quanto o uso dos instrumentos. Mas em dado momento as atividades manuais foram diminuindo — e a LER aumentando. O computador tinha entrado em nossas vidas.

Mas mesmo nos primeiros dias do computador, ainda havia alguma interação com a máquina para além da interface. Era preciso montá-lo: reunir peças e transformar HD, processador, pentes de memória, monitor, mouse, teclado e gabinete em um só aparelho. Isso também ficou no passado — e a caixa de ferramentas só sai do quartinho dos fundos quando há algum reparo rápido a ser feito em casa.

O certo é que, com a chegada do computador e da internet, deixamos as atividades manuais em segundo plano — em alguns casos, em terceiro ou quarto. Afinal, a era consumista que vivemos nos permite o luxo de, em vez de procurarmos o defeito, descartarmos o aparelho com problema. Basta lembrar quantos telefones celulares você teve nos últimos dez anos.

Esse luxo tem produzido uma montanha de lixo cada vez maior. E, mais do que isso, tem nos tornado menos práticos e mais dependentes de empresas e assistências técnicas para lidar com problemas que poderiam ser resolvidos em casa.

Mas há uma reação em curso e graças à mesma era digital que nos deixou mal acostumados: muita gente tem se reunido para retomar estas atividades — e consertar seus próprios aparelhos. O movimento “fixer” começou nos Estados Unidos, já se espalha pelo mundo e advoga que, se você não pode consertar seu próprio aparelho, você não é dono dele de verdade. Faz sentido.

Estes consertadores são o assunto de nossa matéria de capa e inspiram reflexões que vão além do descarte e da propriedade de aparelhos com problemas. Eles questionam a obsolescência programada que algumas empresas embutem em suas máquinas para que elas parem de funcionar depois de um tempo. E, como pude perceber, nossa falta de familiaridade com atividades que vão além de cliques de mouse e apertos de botões. Talvez seja o mote que precisamos para deixarmos o mundo virtual em outro plano. Vamos lá?

matias-por-luis-douradoAlexandre Matias
Diretor de Redação
matias@edglobo.com.br

Tags: ,