Andy Gill (1956-2020)

, por Alexandre Matias

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Utilizando suas mídias sociais, o grupo Gang of Four anunciou a morte de seu fundador Andy Gill neste sábado, sem falar sobre a causa de sua morte. Um dos principais pilares do pós-punk inglês, ele ajudou a reinventar a guitarra elétrica na virada dos anos 70 para os anos 80 ao lado de nomes como Robert Smith, Bernard Sumner, The Edge e os caras do Wire, mas ao contrário de seus contemporâneos, baseava sua musicalidade no toque brusco, transformado a guitarra em um machado de ruído que antecipava os ataques de scratch dos DJs da década seguinte, misturando inovações sônicas contemporâneas com o minimalismo funky que caracterizava seu grupo. Também foi um dos principais nomes da época a usar a música pop como forma de contestação política e a forma como conseguia traduzir a desesperança daquele período em força artística o transformou um dos instrumentistas mais importantes das últimas décadas.

Pude assistir a quatro shows de sua banda: duas em 2006 (com a formação original, Andy, Jon King, Dave Allen e Hugo Burnham), uma vez em São Paulo e outra em Floripa, quando vieram dividir uma turnê com os Cardigans (!?), uma em 2011, quando trouxe a banda como curador do Festival da Cultura Inglesa (apenas com Jon e Andy da formação clássica), num show épico gratuito no Parque da Independência (vídeos acima), e finalmente quando fez o último show por aqui em 2018 (apenas com Andy dos fundadores da banda, vídeo abaixo) e quando pude conversar melhor com ele depois de anos trocando emails. Meu primeiro contato com ele foi justamente na primeira vinda ao país, quando fiz uma entrevista tornar-se um artigo sobre as relações entre música e política a partir da criação de sua banda, publicado em uma das reencarnações da revista Bizz. Adorei que quando nos vimos ele lembrou que eu havia rotulado o Gang of Four de “banda crítica”, “não é mesmo uma banda de protesto”:

Quando eu e o Jon (King, vocalista da banda) começamos, nos perguntávamos: ‘O que motiva as pessoas? O que as faz fazerem o que fazem?’. É claro que você pode resumir isso em apenas ‘economia’, mas não é só isso. As pessoas ainda estão fazendo as mesmas coisas que faziam no século passado, o marido ainda trazia o dinheiro para casa enquanto a mulher cuidava da comida e dos filhos. O mundo havia mudado, mas essas relações ainda não. Pelo contrário, elas haviam se tornado prisões: família, emprego, propriedade. As pessoas se prenderam nisso de uma forma que acham que isso é a vida delas.

Temos uma música chamada ‘Natural’s Not In It’ que fala exatamente sobre isso. Tudo aquilo que chamamos de “natural”, na verdade, é artificial, é criado pelo homem. Seja a sociedade, o conceito de justiça, de bom senso… Tudo isso é invenção humana, nada disso é natural. As idéias não são naturais. Qualquer uma delas, todas elas – são inventadas.

E não queríamos ser os portavozes da nova esquerda. Para isso, tiramos todas as referências de política de nossas letras e títulos – você vê os nomes das músicas e não diz que o conteúdo delas é política –, tudo que pudesse lembrar a política dos jornais tava fora. Não queríamos dizer ‘você está certo’, ‘você está errado’, ‘você é de esquerda’, ‘você é de direita’. Não queríamos nos separar das outras pessoas. Queríamos, sim, lembrar pra elas que, esquerda ou direita, estamos nesse barco juntos.

Mas a forma que você colocou é bem razoável. É isso: o Gang of Four não era uma banda de protesto, mas uma banda de crítica. Uma crítica à sociedade, à forma que vivemos, à música, ao rock, ao punk rock, às outras bandas, a nós mesmos. Era mais ou menos como o Situacionismo dos anos 60, não queríamos nos levar a sério, mas não queríamos só isso.

E aí tem o outro elemento que, pra nós é crucial, que foi o ritmo. Não queríamos soar como rock, não queríamos ser mais uma banda de rock. E tanto eu quanto Jon já vínhamos pensando em experimentar com ritmo, somos fãs de dub até hoje, de krautrock, do James Brown. Mas seria ridículo tentar recriar a atmosfera de qualquer um desses artistas na Inglaterra dos anos 70.

Por isso partimos do zero, da tela em branco, e fomos acrescentando as coisas à medida em que começamos a tocar. E as coisas foram se encaixando. O legal é que não pensamos nessas coisas, elas simplesmente foram entrando em seu lugar. Põe um prato aqui, um bumbo ali, um riff mais à frente. Começava com um baixo solto, entrava a bateria reta, a guitarra fazendo ruídos e o vocal – mesmo que a letra importasse – funcionava como um instrumento. As coisas iam entrando em sintonia sem que pensássemos nisso. Em vez de fazer canções de amor, fazíamos canções de antiamor – o que é diferente de uma canção de ódio, veja bem.

Foi quando começamos a por elementos de disco music na mistura. Primeiro porque adorávamos disco. A cena começou a ficar ruim devido à forma que a mídia explorou o tema, com filmes como ‘Os Embalos de Sábado à Noite’ e todo o tipo de banda gravando disco music. Mas antes de ficar massificado, era uma cena bem interessante e – como você colocou – política, por libertar a canção de um formato estagnado e deixar as pessoas mais soltas, em vários sentidos.

Um gigante que pude conhecer pessoalmente. Obrigado por tudo.

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