“Was He Slow?”

, por Alexandre Matias

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Que filmaço que é Baby Driver! Escrevi sobre ele pro meu blog no UOL.

Antes de mais nada, Baby Driver – ou Em Ritmo de Fuga, como prefere a versão em português para o primeiro filme norte-americano do inglês Edgar Wright que estreia esta semana no Brasil – não é um musical per se. Mas também não é um mero filme de perseguições de carro, thriller policial ou sobre assaltos a banco. O trailer engana – se não o assistiu, não faça isso para não perder metade da surpresa. Porque Baby Driver também é comédia romântica, tem elementos de terror psicológico e de filmes de ação, é paródia, sátira e homenagem, além de lidar com conflitos sobre amadurecimento e cuspir referências e citações como se fosse um filme de Quentin Tarantino. E, como dizia-se antigamente, é cool até dizer chega.

Tudo isso sustenta-se, no entanto, sobre a música. Mais que a trilha sonora das fugas enlouquecidas do personagem calado vivido por Ansel Elgort, ela é o eixo da história principal e dá ritmo e sentido a todo o filme. Só que ao contrário dos antigos musicais, ela não surge dos lábios dos protagonistas enquanto um diálogo torna-se uma canção. Ela está entre os fones de ouvido do personagem principal, que tem, em sua coleção de iPods, playlists offline para todas ocasiões.

E não há um gênero que prevaleça – ouvimos não só hits obscuros da soul music como pérolas do rock clássico, passando por músicas sampleadas em hinos do rap, rock de garagem, dance music, indie rock, jazz, glam rock, folk contemplativo e funks da pesada. E a coleção de artistas que passeia pelos ouvidos do público vai do Queen a Barry White, Beck e Martha & the Vandellas, T-Rex (“trex”, hehe) e Quincy Jones, Run the Jewels e Beach Boys, Ennio Morricone e Dave Brubeck Quartet, Blur e Focus, The Damned e Simon & Garfunkel – cada um deles lembrados por músicas que fogem de seus hits inevitáveis.

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Sobre esse fio condutor Edgar Wright constrói um filme que é ao mesmo tempo épico e modesto, espalhafatoso e delicado, violento e apaixonado. Ele põe todos os personagens do filme sincronizados com essa irresistível trilha sonora. Da mesma forma que ninguém canta de verdade durante o filme, quase ninguém dança – quase toda a coreografia é feita por carros e armas, pelo movimento das ruas e das perseguições de tirar o fôlego conduzidas por um motorista impassível, que nunca tira seus óculos escuros. Um caubói moderno, um Han Solo terráqueo que aparece inclusive na primeira cena com o traje parecido com o do mercenário coreliano.

Pelo decorrer de Baby Driver, nos encontramos com atores do calibre de John Hamm, Jamie Foxx, Kevin Spacey e Jon Bernthal, duas atrizes novatas perfeitas – a sagaz Eiza González (descoberta por Robert Rodriguez na versão em seriado para Um Drink no Inferno) e a encantadora Lily James (do Cinderela de 2015), além de pontas de nomes do mundo da música, como a cantora Sky Ferreira, o baixista dos Red Hot Chili Peppers, Flea, Paul Williams (o desconhecido compositor de hits como “We’ve Only Just Begun”, “Rainy Days and Mondays” e “Rainbow Connection”), Big Boi do Outkast, Killer Mike do Run the Jewels e Jon Spencer, do grupo Jon Spencer Blues Explosion cuja “Bellbottoms” dá o tom inicial do filme numa sequência sensacional.

Logo em seguida, “Harlem Shuffle”, que a maioria das pessoas conhece pela versão que os Rolling Stones gravaram em seu Dirty Work, surge em sua versão original, que hoje é mais reconhecida pelo sample que o House of Pain usou no início de seu hit “Jump Around”, acompanha o protagonista passeando a pé pelas ruas enquanto a música se materializa em gestos, pixações e vitrines.

É um musical feito para uma geração que cresceu com fones no ouvido, melhorando situações triviais do dia-a-dia com a trilha sonora correta, escolhida exatamente para aquele momento. É o extremo oposto de La-La-Land, que recria uma época em que as pessoas queriam cantar para expressar felicidade ou tristeza. Baby Driver abandona qualquer referência clássica para se metamorfosear em um musical pós-moderno, que faz carros dançar enquanto riscam os pneus nos asfalto e metralhadoras cuspir junto com a bateria e a percussão. É o musical que o século 21 estava esperando.

Como o incensado segundo filme de Damien Chazelle, o sexto filme de Edgar Wright enche-se de citações e referências, mas vivas e reconhecíveis, não feitas apenas para fanáticos por Hollywood clássica ou por gente com mais de meio século de vida. Wright é pop maiúsculo e Baby Driver encaixa-se perfeitamente em sua filmografia, fazendo par tanto com o seriado cult Spaced, a trilogia que fez com Simon Pegg e Nick Frost (Todo Mundo Quase Morto de 2004, Chumbo Grosso de 2007 e Heróis de Ressaca de 2013) e o videogame em carne e osso de Scott Pilgrim Contra o Mundo. E por mais que sua história tenha começo, meio e fim, o que importa é a viagem e a trilha sonora – tudo muito alto astral. Aumenta o som!

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