VSP

, por Alexandre Matias

Sabadão na Ilustrada, depois de uma quinta no far east da ZL…

David Lloyd mapeia São Paulo

Convidado para retratar a metrópole na série Cidades Ilustradas, quadrinista visita locais inusitados; “tenho a obrigação de entender a cidade como um todo”, diz o ilustrador de “V de Vingança”, que participa de evento hoje na Fnac

“Você já reparou que os carros em São Paulo são pintados de preto, branco ou cinza?”, pergunta-me David Lloyd em frente à subprefeitura da Cidade Tiradentes, a região mais leste da Zona Leste de São Paulo. Um dos autores da minissérie “V de Vingança”, o inglês de 56 anos – olhos pequenos, caminhar relaxado – passeia pela cidade até o próximo dia 3, enquanto vai dos lugares mais improváveis de São Paulo aos mais corriqueiros, entre eles uma sessão de autógrafos que acontece hoje na Fnac Pinheiros e um bate-papo na próxima segunda-feira, na Universidade Mackenzie.

O motivo da passagem é que Lloyd será o autor do sétimo volume da coleção Cidades Ilustradas, da editora Casa XXI, que já publicou edições dedicadas ao Rio de Janeiro, Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Salvador e as cidades históricas de Minas Gerais, vistas pelos olhos de quadrinhistas nacionais e estrangeiros – entre os últimos, bambas como o francês Jano – autor do rato punk Kebra -, que fez o Rio, e o espanhol Miguelanxo Prado – da graphic novel “Mundo Cão” – que desenhou a capital mineira.

Num calor de quase 40 graus, o desenhista não se abala e fotografa de vez em quando, sem nunca fazer rascunhos ou desenhar nada, só anotações mentais. “Eu sou inglês, meu caro. Nós não nos importamos. Quanto mais difícil, melhor”, ri.

A convite da editora, Lloyd aceitou o desafio de fazer São Paulo. “A única vez que havia vindo ao Brasil foi em 2003, quando vim para o Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte e passei pelo Rio, rapidamente. Não conheci São Paulo. Por isso, o convite é uma espécie de desafio. E como é um trabalho também – tenho prazo, salário -, eu tenho a obrigação de entender a cidade como um todo, ir além do turista e do artista. Se fosse um trabalho autoral, eu não teria a necessidade de falar de tudo. Eu podia contar a história de uma pessoa, de um bairro. É como se eu fosse para uma floresta e desenhasse apenas uma folha. Ainda é a floresta, mas não é ela inteira”.

A comparação de São Paulo com uma floresta suscita outras impressões que a cidade passou para o artista. “O Roberto (Ribeiro, editor da Casa XXI) me pediu para fazer o livro em preto e branco, com algumas referências de cor, aqui e ali. Mas, além das cores dos carros, o que me impressionou foi o contraste entre o cinza e o verde”, continua. “O cinza é muito mais presente do que em Londres, Nova York ou outras grandes cidades pelo excesso de concreto que se usa nas obras – e como esse concreto fica à mostra”.

“Já o verde vem em todos os lugares. Tudo bem, São Paulo é uma cidade poluída, mas há verde por toda a parte, muito mais do que em qualquer outro lugar deste porte. E o verde funciona como uma metáfora para as pessoas, que parecem aparecer de todos os lugares. Existem duas regras que parecem explicar a cidade: os pobres só têm aquilo que os ricos deixam eles ter e os pobres tomam à força o que eles querem ter. O equilíbrio entre estas duas forças, que dá origem a estas casas feitas de papelão, embaixo da ponte e a comunidades pobres enormes, dá o tom da cidade”.

Lloyd já passou por pontos óbvios da cidade – como o bairro da Liberdade e o Terraço Itália -, mas também visitou pontos distantes do dia-a-dia do paulistano, como a Cratera da Colônia, no extremo sul da cidade, onde uma comunidade de 20 mil pessoas mora num buraco formado pela queda de um meteoro. “É uma cidade com muitos contrastes, muita variedade de tudo – comida, música -, mas não é isso que faz São Paulo diferente das outras metrópoles. Seria diferente se não tivesse. Há um otimismo recorrente nas pessoas, independente de como elas vivem, e ao mesmo tempo um olhar de resignação. E há um fascínio incrível por carros!”.

Mais que o desenhista de “V de Vingança”, Lloyd foi co-autor da minissérie que virou filme dos irmãos Wachowski – foi dele a sugestão de colocar um bandido contra o estado, de dar um clima cinematográfico à obra e de não usar nem balões de narração, de pensamento ou onomatopéias na história. Ao contrário do outro autor, o venerado Alan Moore, Lloyd não se incomodou com a adaptação para o cinema e manteve seu nome no filme. “A essência da série está ali. A história é outra, afinal de contas, é um filme”, ele dá de ombros. David também aproveita a vinda ao Brasil para negociar o lançamento no país de sua nova série, “Kickback”.

Sessão de autógrafos com David Lloyd
Hoje, às 16h
Local: FNAC Pinheiros (av. Pedroso de Moraes, 858. Pinheiros)

Encontro com David Lloyd
Data: 27 de novembro, segunda-feira, às 20h
Local: Universidade Mackenzie (Rua da Consolação, 930)
Entrada franca