Um papo com Slavoj Žižek

, por Alexandre Matias

Bati um papo com o filósofo Slavoj Žižek quando ele esteve aqui no mês passado numa conversa que entrou na edição atual da Galileu. O Eugênio me acompanhou fazendo as fotos e os vídeos logo abaixo do texto da entrevista.

zizek

Nós somos nossa tecnologia
Polêmico filósofo esloveno fala de nossa relação com as máquinas

Mal sou apresentado ao filósofo Slavoj Žižek no lobby do hotel na Alameda Santos, em São Paulo, em que ele se hospedou quando esteve no Brasil no mês passado, e ele aponta para a lata de refrigerante que está tomando: “Você sabe por que a Coca-Cola lançou a Coca-Cola Zero? Porque a Coca-Cola Light era associada ao público feminino, por ser ‘light’. Ao criar a versão Zero, neutra, conseguiram recuperar o público masculino”. E é nesse ritmo — uma enxurrada de ideias, pontos de vista, metáforas e hipóteses — que o pensador e provocador enfileira referências eruditas e pop, cultas e populares, para retratar o mundo ao seu redor. Sua recente visita ao Brasil aconteceu em decorrência do seminário Marx: A Criação Destruidora, realizado pelo Sesc e pela editora Boitempo (que está lançando Menos que nada: Hegel e a sombra do materialismo dialético, do próprio esloveno no país). Aproveitei para conversar com ele sobre um dos assuntos que mais o interessam, que é o papel da filosofia em relação aos desenvolvimentos tecnológicos atuais. Em uma hora de papo ele falou sobre isso, sobre livre sexo, religião, singularidade, gnose e tecnologia — a maior parte dessa entrevista você assiste no vídeo que fizemos para o site GALILEU. Por aqui, ele fala sobre a nossa relação com a tecnologia.

Você acha que podemos ser otimistas em relação ao futuro, devido ao avanço da ciência e da tecnologia no século passado?
A princípio, sim. Mas é bom não esquecermos de que a lacuna entre os mais pobres e os mais ricos é muito maior. Os ricos, verdadeiramente ricos, vivem num mundo bem diferente, mesmo no que diz respeito à ciência. Essas pessoas estão se prevenindo contra possíveis doenças, talvez até modificando seus cérebros para ficarem mais inteligentes. Pode ser que em breve as diferenças de classe se tornem diferenças na espécie. Mas concordo que há o velho pessimismo humanista europeu que prega a catástrofe, diz que a humanidade está em seus últimos dias e que estamos nos tornando máquinas que só se interessam pelo prazer.

Mas esta crítica tem a ver com o deslumbre atual pelo universo digital, que vem tomando conta das pessoas como se fosse um vício.
Não acho que isso seja um problema, pois a natureza humana tem uma habilidade incrível de incorporar e padronizar o que, a princípio, a chocava. Quem escreveu primeiro sobre isso foi Henri Bergson, que, ao se referir à Primeira Guerra Mundial, dizia que, antes da guerra, todos diziam: ‘Estamos vivendo 50 anos de paz na Europa, uma guerra nunca poderá acontecer de novo’. Mas então a guerra explodiu e dentro de uma ou duas semanas de choque, todo mundo a tomou como um fato.

Você não acha que há um tabu em relação à adaptação às novas tecnologias?
Sim, isso pode ser traumático. Por exemplo, pessoas com problemas renais precisam fazer diálises constantemente. Alguns pacientes me disseram que por mais que pensamos que somos autônomos e só precisamos de nossos corpos, eles dependem de uma máquina que está fora do seu corpo. Se o vínculo com a máquina é rompido, é a morte. E numa metáfora patética, será que a nossa linguagem, nosso sistema simbólico, não funciona da mesma forma? É o que diz, por exemplo, o estudioso da cognição cerebral Daniel Dennett, que fala que do mesmo jeito que um animal sem os pelos não é um animal — um coelho depilado é antinatural —, o mesmo vale para o ser humano — não em relação a nossas roupas, mas às nossas máquinas. Elas são partes da nossa identidade. Se você desconectar o ser humano de suas máquinas, você tem um animal mutilado.

Somos a nossa tecnologia.
Com certeza! E as tecnologias modernas só nos tornam mais conscientes disso.

Assim pode ser que a internet, por exemplo, seja uma manifestação física de nosso inconsciente coletivo?
Sim, isto está acontecendo, mas é algo que só faz sentido quando contraposto às nossas mentes individuais. Não compro essa história de “mente coletiva”. Se você matar as pessoas que operam as máquinas, elas não vão ficar felizes trabalhando sozinhas. São apenas máquinas burras funcionando. Máquinas inteligentes só trabalham de forma inteligente em contato com a inteligência humana. Não falo isso como um humanista, mas apenas consciente da subjetividade humana.

Os vídeos com a íntegra da entrevista seguem abaixo:


Parte 1: O mundo está melhorando graças aos avanços da ciência e tecnologia?


Parte 2: Homem, máquina, sexo e religião


Parte 3: O fim do livre-arbítrio e a era mais fértil para a filosofia


Parte 4: O homem sem suas máquinas é como um animal mutilado

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