Top 10 Afrofuturismo

, por Alexandre Matias

Sun Ra 6

Pedi para que a Kênia Freitas, curadora da Mostra Afrofuturismo (que entrevistei aqui), que termina neste dia 2 de dezembro em São Paulo, para apontar 10 autores e obras que possam ajudar a quem quiser se aprofundar neste conceito scifi. A lista que ela mandou foi a seguinte:

Sun Ra
É um compositor, líder de banda, pianista, performático, poeta, filósofo. Nos anos 1940, ele adota esse nome – que tem uma inspiração na mitologia egípcia – e sua persona de enviado de Saturno para o planeta Terra para tentar salvar a humanidade – ou que fosse possível dela – pela música. Além de musicalmente genial a frente de sua “arkestra” intergaláctica, Sun Ra é um afrofuturista que nunca abandona a sua fabulação e passa a criar uma filosofia cosmológica bastante complexa – chegando a ministrar um curso em Berkeley em 1971, sobre essa visão cosmológica e musical da vida. Além da imensa discografia, recomendo muito dois filmes sobre ele. O primeiro é o Space is the Place, no qual Ra chega a co-assinar o roteiro. O filme é uma mistura de filme militante, blaxploitation, viagem cosmológica e muitas performances de Sun Ra e da sua “arkestra”. O segundo é o documentário Sun Ra: Joyful Noise, que vai partir de entrevistas com Ra e os membros da banda e do registro de várias performances ao vivo.

George Clinton
Ainda nos EUA, mas em uma vertente musical bastante diversa tem o George Clinton. Ele vai ser o líder entre os anos 1970 e início dos 1980 do Parliament e Funkadelic. Talvez o ápice da inspiração afrofuturista de Clinton esteja no sensacional Mothership Connection, do Parliament. Da capa do disco – aquela nave espacial com um afronauta praticamente pulando para fora -, passando pelas roupas e performances nos shows e até as letras das músicas, é um funk inovador e espacial. A ideia é totalmente afrofuturista: colocar os negros norte-americanos em locais em que a sociedade não esperaria que eles estivessem. E em 1975, o espaço era um desses lugares!

Lee Scratch Perry
Ainda como precursor do Afrofuturismo, a obra e a persona do jamaicano Lee Scratch Perry são essenciais. Oficialmente é possível que Perry nunca tenha alegado vir do espaço, mas a criação afrofuturista está impregnada no trabalho dele. Da criação da “black ark”, o estúdio e casa onde ele produziu e criou vários reggaes e dubs essenciais, a forma de se vestir e a perfomance que ele adquire ao longo dos anos. Perry também sempre cita elementos de criação das mitologias africanas (sobretudo da Etiópia) na sua filosofia, discurso e arte.

Janelle Monae
Ainda na música, mas agora entrando no contemporâneo, a obra da Janelle Monae é fundamental para quem quiser entender o Afrofuturismo atual. A artista pop tem um alter-ego androide chamada “Cindi Mayweather”. Na obra de Monae falar como uma figura ciborgue é falar como um “outro”, como um ser estranho e não totalmente aceito. As criações da cantora misturam assim as temáticas das minorias discriminadas, não aceitas, marginais à uma visão futurística tecnológica, na qual os seres humanos estarão destinados a conviver com esses seres robóticos -e mais uma vez lidar com os seus preconceitos e falta de alteridade com o diferente.

Octavia Butler e Samuel R. Delany
A Butler e o Delany são dois escritores negros de ficção científica norte-americanos. Ambos tem obras conceituadas e fundamentais nesse gênero e nenhum dos dois está traduzido no Brasil, apesar da relevância da obra de ambos. Para os que podem se arriscar nas leituras em inglês, recomendamos da Octavia Butler o livro Kindred (1979), que narra a história de uma mulher negra da atualidade que precisa viajar para o sul dos EUA no passado e salvar a vida de um ancestral branco detentor de escravos – e assim salvar a própria vida. Do Samuel R. Delany, o desafio é ler a novela pós-apocalíptica Dhalgren.

Afrofuturism: The World of Black Sci-Fi and Fantasy Culture – Ytasha Womack
Agora uma sugestão mais acadêmica-ensaísta é o livro da Ytasha Womack sobre Afrofuturismo. A autora apresenta o conceito e vários artistas afrofuturistas – do passado e do presente -, sempre partindo da sua própria experiência. O livro ainda não foi publicado no Brasil, mas a autora cedeu o primeiro capítulo da obra para ser traduzido e publicado no catálogo da mostra. As edições impressas foram distribuídas gratuitamente para o público presente e é possível ler o texto também na versão digital (PDF).

Kodwo Eshun
O trabalho do professor da Universidade Goldsmiths em Londres Kodwo Eshun vale ser acompanhado de perto por quem estiver interessado em uma pesquisa mais acadêmica do tema. As pesquisas de Eshun tratam sobre cibercultura, ficção científica e música, relacionando esses temas a diáspora africana – em suma, tudo o que compõe a ideia de Afrofuturismo. Eshun também trabalha como criador visual junto com o coletivo The Otolith Group. O artigo do autor “Mais considerações sobre o Afrofuturismo” também foi cedido para o catálogo.

Afronautas – Frances Bodomo
Agora vamos falar de alguns filmes. Esse curta da cineasta norte-americana Frances Bodomo é um dos destaques dentro dessa leva contemporânea de produção afrofuturista. Ele narra de forma poética um fato pitoresco e histórico, que foi a tentativa de construção de um programa espacial no Zâmbia no final do anos 1960. É o sonho da conquista do espaço para quem a Terra já não é mais uma alternativa.

Pumzi – Wanuri Kahiu
É um curta feito por uma cineasta do Quênia. A narrativa se passa em um mundo pós-apocalíptico em que a escassez de água extinguiu a vida acima do solo. O curta segue a busca de uma cientista na investigação sobre a possibilidade de germinação de sementes para além dos limites da cultura repressiva de Nairobi subterrâneo. Mantém a características de muitas narrativas de ficção científica de crítica do poder instituído e das tentativas de vencê-lo pela colaboração entre as pessoas marginalizadas e sacrifício da heroína em prol de um sonho.

Born in Flames
O longa da diretora norte-americana Lizzie Borden talvez seja um dos mais inspiradores e atuais (apesar de já ter os seus mais dos que 30 anos). Ele parte de um futuro pós-revolução socialista nos EUA, em que se houveram transformações econômicas, as desigualdades de gênero e raciais continuam evidentes e ignoradas pelo governo revolucionário instituído. Um exército de mulheres (sobretudo de mulheres negras e lésbicas) vai se organizar (através de pequenos grupos em rede) para orquestrar uma radicalização da revolução, em busca de igualdade.

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