A quase volta dos Smiths

, por Alexandre Matias

thesmiths

Johnny Marr lança seu livro de memórias e conta como os indies mais importantes da história quase voltaram em 2008 – publiquei o trecho do livro que conta essa história lá no meu blog no UOL.

Os Smiths são a banda inglesa mais influente das últimas décadas e é impossível imaginar o cenário pop mundial sem a breve e determinante carreira da banda liderada pela dupla formada por Morrissey e Johnny Marr. O fim da banda, em 1987, foi considerado abrupto e precoce, mas determinou uma carreira e discografia perfeitas e estabeleceu a impossibilidade de retorno da banda à ativa. A negativa em relação a uma possível reunião da banda era tão categórica que Morrissey, vegetariano convicto, falou que seria mais fácil comer os próprios testículos a voltar com os Smiths.

Mas, por um breve momento, no final de 2008, a volta dos Smiths quase foi uma realidade. Pelo menos é o que conta o guitarrista Johnny Marr em trecho de suas memórias, que serão lançadas na Inglaterra na próxima sexta-feira. No livro Set The Boy Free, a ser pela editora inglesa Century, o guitarrista lembra toda seu tempo com a banda e do encontro há quase dez anos que quase fez os Smiths quebrarem seu encanto. “Eu não tenho nada contra Morrissey de maneira alguma – só acho que não precisamos disso”, contou o guitarrista, que completa 53 anos nesta segunda, ao jornal inglês Guardian. “Uma das coisas que tínhamos em comum era que vivíamos para trabalhar e estamos muito ocupados fazendo o que estamos fazendo hoje.”

Abaixo, o trecho da biografia de Marr que foi republicado no jornal The Guardian:

“Infelizmente para os Smiths, não fui consultado quando nosso catálogo foi remasterizado para CD nos anos 90. Os discos soavam mal e eu estava determinado a acertar as coisas. Depois de uma longa luta, consegui chegar a um acordo com Morrissey e a Warner. Eu remasterizaria todos os discos novamente com um engenheiro de primeira de forma que nosso catálogo soaria como deveria, de uma vez por todas.

Quando eu analisei os discos, fiquei impressionado sobre como a banda era boa e como éramos jovens. Eu me lembrei da intenção e emoção exatas de cada nota e palavra e escrevia para Morrissey e Andy Rourke dizendo ‘dá para ouvir o amor de verdade nisso.’ Tive boas respostas de ambos.

As negociações com a Warner significavam que Morrissey e eu estávamos num raro período de comunicação. Um dia, em setembro de 2008, nós estávamos apenas a alguns quilômetros de distância no sul de Manchester e armamos de nos encontrar em um pub da região. Eu estava feliz em vê-lo – fazia dez anos ou mais da última vez que nos vimos. Falamos sobre nossas próprias notícias e famílias e sobre como sentíamos saudade.

E então nossa conversa foi para assuntos mais profundos. Morrissey começou a falar sobre como nossa relação havia sido dominada pelo mundo exterior, normalmente de forma negativa. Nós fomos definidos um pelo outro nas maiores partes de nossas vidas profissionais. Gostei de ele ter mencionado isso, porque era verdade.

As bebidas continuavam vindo e nós falamos por horas. Falamos, como sempre fazemos, sobre os discos que amamos e finalmente fomos para ‘aquele assunto’. Havia boatos por anos que os Smiths estavam prestes a voltar à ativa e eles sempre eram falsos. Eu nunca fui atrás de nenhuma oferta.

De repente, estávamos falando sobre a possibilidade de voltar com a banda e naquele momento parecia que, com a intenção certa, poderia funcionar e até mesmo ser ótimo. Eu poderia continuar trabalhando com os Cribs em nosso disco e Morrissey também tinha um disco para lançar. Ficamos juntos por mais um tempo e mesmo depois de muito suco de laranja (para mim) e muito mais cerveja (para ele) nós nos abraçamos e nos despedimos.

Eu estava genuinamente feliz de voltar a entrar em contato com Morrissey e falei com os Cribs sobre a possibilidade de eu fazer alguns shows com os Smiths. Por quatro dias foi um probabilidade muito real. Nós teríamos que arrumar alguém novo para tocar bateria, mas se os Smiths quisessem voltar fariam um monte de gente muito feliz e com toda nossa experiência seria bem melhor do que antes.

Morrissey e eu continuamos a conversar e planejamos nos encontrar mais uma vez. Eu fui para o México com os Cribs e de repente silêncio. Nossa comunicação havia terminado e as coisas voltaram a ser como elas eram antes e como sempre imaginei que sempre seriam.

Comecei a trabalhar no estúdio em horas incomuns, por volta das cinco ou seis da manhã. Um dia, em 2010, no caminho de volta depois de deixar minha filha Sonny na escola, eu estava pensando em como o David Cameron havia dito que ele era um fã dos Smiths. Qualquer um que era fã da banda saberia que nós éramos contra tudo que ele e o partido conservador representavam. Mas se ele quisesse dizer que gostava dos Smiths, o que eu poderia fazer?

Sem pensar muito, peguei meu telefone e tuitei: ‘David Cameron, pare de dizer que você gosta dos Smiths. Você não gosta. Eu te proibo de gostar.” Satisfeito com o meu protesto, fui tirar um cochilo.

Algumas horas depois, fui acordado por uma ligação de Joe, meu agemte. ‘O lance do Cameron’, ele disse, ‘o negócio do Twitter. Está maluco.’ Enquanto eu estava dormindo fui retuitado por milhares de pessoas e consegui imprensa em todo o mundo. O próprio Cameron foi chamado para comentar durante as perguntas feitas ao primeiro ministro. Com os planos do governo de aumentar as taxas de ensino para as universidades, o parlamentar trabalhista Kerry McCarthy levantou-se e disse: ‘Os Smiths são, claro, a arquetípica banda de estudantes. Se ele vencer a votação de amanhã à noite, que canções ele acha que os estudantes irão ouvir? ‘Miserable Lie’ (mentira desgraçada), ‘I Don’t Owe You Anything’ (eu não devo nada para você) ou ‘Heaven Knows I’m Miserable Now’ (Deus sabe como estou desgraçado agora)?’ (Em referência a títulos de musicas dos Smiths.)

Cameron aproveitou a oportunidade para mostrar suas verdadeiras credenciais indie: ‘Eu achava que se eu aparecesse, eu pelo menos não ouviria ‘This Charming Man’ (Este homem charmoso)’

Boa. Tudo muito feliz e totalmente bizarro.

2010-protesto

Quando 50 mil manifestantes marcharam por Londres, fiquei orgulhoso de ver os estudantes cobrando os políticos por suas promessas quebradas. As coisas chegaram ao extremo na Praça do Parlamento no diaem que as novas leis passaram. No dia seguinte, me mandaram uma foto de uma manifestante chamada Ellen Wood que estava confrontando a polícia com uma camisa dos Smiths. Eu olhei para a foto, para seu olhar, para as Casas do Parlemento. O significado de ela estar usando uma camiseta dos Smiths causou um impacto enorme em mim. Me ocorreu que, além da música que fazemos, esta foto talvez fosse o testamento mais forte do legado dos Smiths.

A única outra pessoa que eu sabia que poderia entender isso da mesma forma era Morrissey e então lhe mandei a foto por email. Não havíamos feito contato entre nós por um bom tempo, mas recebi sua resposta em minutos. Ele não havia visto a foto e havia ficado tão surpreso e impressionado quanto eu. Continuamos conversando por um ou dois dias, mas apesar de sentir que havíamos criado um momento de amizade, um ar de descontentamento e desconfiança permaneceu entre nós. Uma pena.”

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