Quase dormi no primeiro show do primeiro disco solo de Rodrigo Amarante

, por Alexandre Matias

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Não gostei de Cavalo. Ouvi a primeira vez com cuidado, a segunda com descrença e na terceira larguei no meio. Tem boas letras (nada excepcional) e bons momentos (três, sendo que “Maná” destoa muito do resto do disco, e pro bem), mas como disco, ele é morno, frouxo, preguiçoso, frágil. Mas vai que é o disco? Vai que funciona ao vivo? E foi com vários desses “vai que” coçando atrás da orelha que encarei o show de Amarante na quinta-feira da semana passada no Sesc Pompéia.

Quase dormi. De tédio. O show é sonolento e esparso – é o disco encarnado no palco. Não é por falta de talento: Amarante é bom músico, compõe bem, tem presença de palco e está com uma boa banda (metade do Do Amor – Gabriel Bubu e Gustavo Benjão -, um hermano, Rodrigo Barba, na bateria e o Lucas Vasconcellos no teclado), mas há uma timidez forçada, uma vontade de não aparecer, que é oposta às suas qualidades. Tanto que o show só foi engrenar lá pelo final, quando emendou uma versão para um clássico de Tom Zé (“Augusta, Angélica, Consolação”, que teve trecho da letra puxado para o século 21 de Steve Jobs, citando iPods e iPads entre as “outras bobagens” de seu extenso refrão) e atingiu a catarse sonora na ótima “Maná” – a primeira música do disco a dar as caras, ainda no semestre passado, e que driblou as expectativas de quem esperava um disco com mais chacundum.

Antes disso, músicas lentas e arrastadas, contemplativas e vazias, convidavam o público – surpreendentemente morno para um show de um ex-Los Hermanos – a entrar em alfa – mas, no meu caso, só me deu sono. A sensação de relaxamento piora quando Amarante deixa o violão, instrumento que já domina, para assumir sozinho os teclados, dando a impressão de que aprendeu a tocar na semana anterior ao show e que estava satisfeito com qualquer balbucio que cantarolasse sobre determinada seqüência de acordes. Há uma espécie de autodeslumbre que nega admitir-se, o que torna plausível as comparações com a fase Londres de Caetano Veloso, embora sem motivo real além do puramente estético. Caetano ao menos tinha saudade de casa…

Cavalo consagra o primeiro disco de um ex-Los Hermanos como fuga de um populismo natural que sempre incomodou a banda. Resolver não tocar “Anna Julia” nos shows, a estética samba-indie do Bloco do Eu Sozinho e radicalizada no indie-MPB do quarto disco do grupo foram passos diferentes desta negação, que pouco aflige seus pares de geração. Sou, o primeiro de Camelo, afirmou-se propositadamente distante, qualidade felizmente esquecida no segundo disco, Toque Dela. Amarante fez um caminho torto: juntou-se a uma trupe de gringos brasilianistas para lançar-se fora da banda dentro de outra, com o ótimo Little Joy. Mas ao aparecer sozinho, repete o nervosismo do primeiro disco de Camelo e refuga logo à saída – é parecido quando ele pede pra quase que tirar a luz do palco, para não aparecer. Atenção Amarante, você é um artista e está no palco, deixe-se iluminar. O disco – e o show, portanto – isola-se demais em si mesmo e perde-se em rascunhos de canções que até poderiam brilhar com menos falsa modéstia.

Entendo, é o primeiro disco solo, há um peso considerável. Mas é preciso assumir a responsa de ser um artista. Se o caso não for esse, melhor voltar a ser aquele cara que, depois de jantares nos apartamentos dos amigos, sempre assume o violão, canta umas versões e outras músicas próprias, que alguns acham fofo e outros acham chato. Estou no segundo time.

Abaixo, alguns vídeos que fiz do show.


Rodrigo Amarante – “Mon Nom”


Rodrigo Amarante – “Dancing” 


Rodrigo Amarante – “Cavalo”


Rodrigo Amarante – “Augusta, Angélica, Consolação” (Tom Zé)


Rodrigo Amarante – “Maná”

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