Lost por Guilherme Werneck

, por Alexandre Matias

Fico pensando por que diabos não comecei a ver Lost simplesmente para contar as lindas sardinhas da Evangeline Lilly. Kate continua o melhor motivo para ver a série. Mas a verdade é que passei os últimos anos acompanhando Lost de forma bastante irregular, interessado mais pelo que o criador da série J.J. Abrams faria com o universo que imaginou.

Apenas uma constante nestes últimos anos: nunca consegui assistir à série transmitida pela TV. Sempre esperei chegar ao final para baixar tudo de uma vez e fazer maratonas no sofá, laptop plugado na TV. Não tenho estrutura psicológica para esperar uma semana entre um episódio, muito menos para vencer a abstinência durante os breaks de meio de temporada.

Lost foi a segunda série a causar esse tipo de aflição, um efeito colateral até que esperado depois dos primeiros anos 24 horas – a maior celebração da cultura da anfetamina na TV. Mas com a série de J.J. Abrams era um pouco diferente. Nesse contínuo que criei para assistir ao Lost, a sensação era a de ter ido a uma rave e pego um doce no lugar de uma bala. Ursos polares em ilha tropical, fumacê matador, ondas de rádio fantasma, magnetismo esotérico. Hobbes e metafísca, Paraíso perdido de John Milton versus o paraíso reencontrado de John Locke. No começo era um quebra-cabeças divertido, instigante. Uma boa metáfora para o conhecimento. E repleta de citações – o melhor do J.J. Abrams é sempre a habilidade de fazer boas conexões com a nerdice da cultura pop.

O que me pegou em Lost no começo foi justamente essa oposição de país das maravilhas com uma dramaturgia absolutamente contida, em certos momentos no limite do melodrama. A ilha era David Lynch, a vida pregressa dos personagens, quase Fassbinder. Uma ousadia televisiva maior ainda do que a injeção de adrenalina de 24 horas.

E, por trás, J.J. Abrams, o criador de Alias, uma série simpática, com seu misto de futurismo e teoria da conspiração. Me empolgava ver um geek tomando de assalto a porção mais mainstream de Hollywood, mudando o sistema por dentro, com suas próprias armas. Transformando a disfunção narcotizante da TV com narcóticos mais poderosos que os do American Idol. Uma vitória canhestra da revolução contracultural americana que inicia com os beats nos anos 1940.

Mantive esse nível de felicidade com Lost nas duas primeiras temporadas. O budismo de biscoito da sorte da Dharma Initiative e a fraqueza dos roteiros nas fases em que Abrams se afastava da série fizeram com que a terceira e a quarta temporadas fossem as mais difíceis de assistir. Mas aí já estava viciado, ficava lá meio inerte esperando um bagulho melhor. Mas parecia que todas as boas ideias já tinham sido usadas e os flashbacks ocasionais eram apenas motivo para lembrar com um que de saudade do deslumbramento inicial.

Isso mudou com a quinta temporada e a demolição do tempo. Finalmente uma ideia digna de Lost. Universos paralelos e duplos injeteram graça até nos enfadonhos rebeldes messiânicos liderados por Benjamin Linus. O final me deu vontade de cair de cabeça na sexta temporada que ternmina hoje. Claro, seguindo meus preceitos, tenho os 16 episódios anteriores devidamente baixados. Mas não assisti nenhum ainda.

Passei boa parte da última semana tentando evitar a enxurrada de spoilers. Consegui. Não foi tão difícil. Enquanto Lost ficava em compasso de espera, caí de cabeça em Fringe, a série mais bacana dos últimos anos. Aquela em que J.J. Abrams conseguiu colocar para fora todas as suas obsessões com o futuro, conspirações, ciência de ponta, drogas para alterar a percepção e universos paralelos. Num certo sentido, Lost é um belo balão de ensaio para Fringe. Quem ainda não entrou neste universo, pode usar o espaço vago a partir de amanhã.

* Guilherme Werneck podia voltar com seu podcast, o Discofonia.

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