Lost por Arthur Dantas

, por Alexandre Matias

11 Pontos para desconstruir LOST

(Ou como não falar do assunto proposto para apontar caminhos em termos nativos para a criação/destruição).

O Matias, esse sim experto das teorias cultura pop, me pediu um texto sobre o Lost. Tentei ser o homem dos 20 mil caracteres para jogar à altura do patrono, mas aqui é mais pá-pum, falta fôlego e dedo indicador para digitar. Assim, vai um texto com gosto de convite para conversa de nerds obsessivos e parcamente ilustrados e deformados.

Saí confuso depois do penúltimo episódio. Mas adianto: o único personagem “forte” pra valer nessa brincadeira toda depois de tanto enrola-desenrola é o Desmond Hume! Não vou arriscar futurologia – por mais óbvio que aparentemente pareça o fim da série –, porque acho desnecesário.

Resolvi prestar homenagem ao falecido e superlativo Ricardo Rosas, criador do portal rizoma.net – que, com certeza, estaria curtindo muito essa farra toda de 6 anos de duração e rivalizaria com o Matias nas observações sobre essa série fenômeno.

1. Lost in The Supermarket – no tiroteio das referências, essa música do The Clash serve como balizador da ideologia/projeto/conceito da série. E, ironia das ironias, reverbera novamente o filho de diplomata: o futuro não está escrito. Evoé Joe Strummer!

2. Lost = Charles Dickens. Sentimentalista e melodramática, jogos de moralidade. Inglaterra chega aos Estados unidos moderno – a crítica social e de costumes para a sarjeta. Da era vitoriana para o fundamentalismo cristão pós-moderno. Linhagem enviesada, linhagem enfraquecida. Muito a que se observar. A equação entre Orwell e Alan Moore, de Revolução dos Bichos à V de Vingança, linhagem coerente e sintomática de nosso tempo. Política. Ah, a Inglaterra. Soprano e Crime e Castigo. Bernard Shaw e Monty Python. Mark Twain e David Chapelle. Lost consolida e/ou encerra o período áureo das grandes narrativas em séries/folhetins teledramatúrgicos.

2. Nada é sagrado, tudo é permitido. Sincretismo religioso careta – nada que assuste a nós, brasileiros. Nos bastidores, o zeitgeist da cruza entre estadunidenses democratas, liberais, e judeus expatriados do grande capital do enterteinment. Nunca a religião se prestou tanto a ficção sem potência alguma.

3. Assim, se a religião foi o ópio das massas, hoje nosso ópio realmente está na TV – sem medo de parecer retórica esquerdista circa 1960. Medo e delírio. A banalização do bem e do mal – ou a elasticidade desses onceitos. Viva o ópio, viva o torpor. A religião para “religarmos” a TV.

4. a síntese máxima da conjunção do melhor que a literatura especulativa produziu (Fantasma de Lee Falk/HQ Adulta pós Gaiman-Moore-Morrison aportarem na Amérikkka/Hollywood dos filmes em série) – deslumbre com as possibilidades cênicas do capitalismo pós-fordista/limitações estruturais e/ou estruturantes, a ficção pós-moderna em seu ápice: constrói-se uma fortuna narrativa exemplar sem nenhum poder constituinte.

5. A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica ad exaustão. Arte/mercadoria. Walter Benjamin rolando no túmulo. Os donos da série em orgias homéricas em mansões de L.A, curtição no Havaí. Espectadores ansiosos – a ansiedade alimentada pela indústria farmacêutica chega à TV Paga. Mal aí, Escola de Frankfurt: alienação wins!

6. Ainda em termos pós-modernos: o revés da ideia multitudinária ainda que plena em LOST – o revés da própria teoria ímplicita. A ilha como o Leviatã hobbessiano. Sawyer e Ana Lucia, Hugo e Libby, Sayid e a loira. Descontração no meio do pesadelo. A resolução pouco importa. Locke – vejam bem, Locke! – mata as possibilidades sociológicas radicais do texto. Logo, Bakunin é um personagem do quarto escalão com poucos recursos cênicos. O inconsciente estadunidense – essa besta com bombas atômicas comandando sinapses e o Apocalipse. Lost poderia ser a encenação do apocalipse bíblico. Não será.

7. Encruzilhadas do Labirinto. Cá entre nós: vale a pena pinçar cada uma das armadilhas em exercício mental botequeiro? Lost prova a descontinuidade do raciocínio e da historicidade como um exercício inevitável para o homem médio. Deixa Lost me levar, lost leva eu…

8. Ficção científica e a ideia de não estarmos sozinhos no universo. Bullshit. Mais um mote para a lata de lixo da história. O estranho em nós. Um, nenhum, cem mil. Personagens lineares: Jack e Hugo. A Amérikka profunda e débil, flácida em sua estupidez. Sedutora e engraçada, companheira, ao mesmo passo. O sonho americano – aqui cada vez mais tedioso e lento e contínuo como um elefante – em chave maior.

6. Seis anos e alguns estudos de caso da moralidade estadunidense – infelizmente – implícita. Pretos amarelos e terceiro mundistas explodidos, soterrados, afogados. Mortes violentas. Mesmo o consenso hollywoodiano democrata e o liberalismo judaico ressoando em cada episódio. Fim trágico do multicultarismo como promessa de um mundo globalizado.

7. o mundo não suporta/quer/demanda grandes narrativas estruturantes – foda-se Balzac e Proust e cavalgando alucinadamente da outra ponta mas em direção convergente, o Pynchon também – o que se espera/suporta/necessita-se são grandes narrativas não-constituintes. Será uma grande biblioteca de Alexandria de ponta cabeça, desorganizada, um remédio consentido entre as partes para finalmente enterrarmos a história, pra aliviar nossas dores?

8. Lost como cume de uma grande espiral de um gênero que se pretende como o “das ideias” em nosso tempo, a ficção especulativa, e mais centralmente a ficção científica, devidamente dopado e sintetizado ao DNA de uma cultura viciada e analgésicos e aliviadores de consciência – do Prozac aos construtores de consenso manufaturado. Transcender essa espiral, assim espero, somente com as surpresas dos samurais oriundos do Oriente profundo – para vingar os amarelos, negros, terceiro mundistas e demais párias devidamente jogados para debaixo do tapete da série para que soçobre um heroi bundinha tipicamente americano (eleja-se do caipira racista Elvis Presley, ao Ciclope dos X-men ao sem sal emolóide Jack Sheppard de LOST) que diz muito sobre o anima de um império decadente. Nem Obama nem Mao Tsé Tung. A devir, se ele guarda algo de grandioso para nosotros, terá mais que ver com uma narrativa Luther Blissetiana.

9.O caos reina. A cultura pop ganhando vulto de alma popular.

10. Diversão descompromissada? Jamais, Siegel e Shuster, Crumb e Shelton, irmãos Wachowski, irmãos Coen, irmãos Marx, Moore e Morrison, Pelé e Coutinho, Maradona e Careca, descontração e sedução de inocentes.

11. Inocentes? Ninguém é inocente, diria Sayid Jarrar, o personagem de onde começaria uma narrativa a moda do Brasil pós-Lula – o meu herói da série. Viva Lost!

P.S: um comentário ingênuo e objetivo: no meio da última temporada me sentia enganado, mas acabarei no domingo plenamente recompensado.

* Arthur Dantas é o Velot Wamba. Ou é o contrário?

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