Laertevisão

, por Alexandre Matias

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Outro dia o Cadu se perguntava “o que aconteceu com o Laerte?” em referência ao fato do velho cartunista ter abandonado a lógica dos três quadrinhos em sua tira diária na Ilustrada e começado a explorar os limites do formato. O processo foi deflagrado pela morte de seu filho RafaelDaniel,mas tudo indica que a fase terapêutica já passou e Laerte assimilou a nova linguagem como sua. Em vez de colocar personagens conhecidos pra repetir piadas em diferentes pontos de vista, Laerte optou pela criação, às vezes sem sentido, às vezes pesada, limitada pelo espaço de uma tira de jornal – como um tipo de cineasta ao ser confrontado com um novo formato de tela. É como se Laerte tivesse cansado de fazer A Praça é Nossa e tivesse começado a… filosofar.

Comparo essa fase atual do Laerte com a primeira viagem de ácido do Robert Crumb (aquela que fez ele criar todos seus personagens mais conhecidos), só que às avessas (assistimos à abolição do personagem, algo que o Fernando Gonzales domina de uma forma muito pessoal) e em câmera lenta. Acho que ele está indo muito além dos limites do que qualquer artista brasileiro hoje. Nenhum outro conterrâneo – nem Fernando Meirelles, nem o Kassin – está tão ligado á sua própria época e sublinhando isso em sua própria arte do que Laerte. É um privilégio lê-lo todos os dias (já era, mas isso é como assistir às gravações do Bitches Brew).

E essa lógica foi para toda obra atual dele. Das tirinhas no caderno de informática da Folha ao quadrão sobre TV na Ilustrada de domingo. Estes últimos foram reunidos no excelente Laertevisão – Coisas que Não Esqueci, em que mistura memórias muito pessoais com suas lembranças sobre a TV. Fosse o Laerte antigo, veríamos pequenos quadros de comédia de situação no Brasil dos anos 50. Mas como é este novo Laerte, há um espaço para a reflexão e a filosofia (mesmo que infantil, pura) que nos prova que somos contemporâneos de um gênio.

(Como se os Piratas do Tietê já não nos tivessem provado, mas enfim…)

PS – A Carola deu o toque, passei batido – o filho dele que morreu foi o Daniel. O Rafael ajudou ele a organizar o Laertevisão. Mau meu.

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