Indiegraça

, por Alexandre Matias

Um blog de MP3 começa a rascunhar um quadro da primeira década do século no pop brasileiro



Existe um pop brasileiro dos anos 00 como houve em décadas anteriores, que pode ser visto como uma geração? Além das viúvas da MPB, das bandas intermináveis dos anos 80, dos jingles da TV vendidos como música e das sobras da axé music, do pagode e da música sertaneja, existe sim uma cena independente sólida, com protagonistas (e até antagonistas), escalões, referências, discos clássicos, shows históricos, momentos de catarse e modelos de negócios e gestão. Por mais que pareça estar às brechas do grande mercado, todo esse cenário se comunica, se freqüenta e se conhece a ponto de não serem mais encarados como movimentos esparsos e isolados. Pra mim é cada vez mais evidente que veremos, nos próximos dez anos, estas mesmas bandas que começaram a dar seus primeiros passos no século 21 fazendo a história da música brasileira e, aí é mais torcida minha, tirar o vínculo de pop com a adolescência que ainda existe no país.

Porque, não sei se você já percebeu, se você faz, ouve ou gosta de música pop depois dos, hmm, chutando…, 28 anos, no Brasil, é automaticamente rotulado de imaturo. Toda rebeldia juvenil e graça descartável que movem o melhor pop desde seu nascimento são usadas como forma de rebaixar o ouvinte como tendo um gosto musical infantil – e que isso pode ser refletido no resto de suas ações. O estereótipo do roqueiro velho sem ter onde cair morto é rogado em discussões de boteco como se fosse praga e inevitavelmente são evocadas a rudeza, a simplicidade, a selvageria e o ruído do gênero como forma de denegri-lo. Seu interlocutor provavelmente se considera um “amante da boa música” e desfila discos de jazz e MPB como se exibisse vinhos, gravatas, charutos – enquanto você sabe muito bem o que ele poderia fazer com esse charuto.

É claro que esse elitismo chinfrim do “bom gosto adulto” existe fora do Brasil, mas aqui ele atende pela singela sigla de MPB. O “gênero”, inventado nos anos 70, é responsável por engessar a expansão de consciência da música brasileira entre o virtuosismo jazzista e o formato voz e violão, tratando a bossa nova como se fosse o segundo sopro de Deus. A partir dali, qualquer manifestação fora deste formato era visto como “primitiva” e “rústica”. Se ainda lembramos que, nos tempos da ditadura, a MPB era a trilha sonora de uma geração que se opunha fortemente à “dominação cultural” dos Estados Unidos, o pop ainda era rotulado de “produto capitalista” e “alienante”. E tome aspas.

Ou seja: ou você faz música pop ou você faz MPB. Ou faz música descartável, desimportante, de fácil aceitação mas de difícil retenção ou deixará seu legado para a história. Papo furado. Quem acompanha a produção musical brasileira sabe que o som que menos tem importância – e que é mais facilmente aceito – hoje em dia é a própria MPB. A onipresença de cantores de barzinho inclusive nas paradas de sucesso (afinal de contas, o que são artistas como Seu Jorge, Ana Carolina ou Jorge Vercilo?) é só a ponta do iceberg deste problema chamado MPB – se formos além, perceberemos que o número de combinações de regravações, parcerias e discos ao vivo é finito e teremos uma geração inteira que cresceu ouvindo mais músicas regravadas do que compostas em sua época.

Por outro lado, onde ouvir essa tal produção musical pop brasileira que eu digo que é tão madura e sofisticada quanto a MPB? Primeiro: ela não é tão madura e sofisticada quanto a MPB – nem sequer aspira a isso. Essa geração dos anos 00 junta dois aspectos do pop produzido na década anterior – a vontade de experimentar com todo os generos musicais que reuniam em um denominador comum bandas tão diferentes como Chico Science & Nação Zumbi, Raimundos, Skank, Planet Hemp e Graforréia Xilarmônica e a tentativa romântica e heróica de criar um mercado independente na marra que unia selos e bandas com nomes e refrões em inglês. Esse segundo ponto especificamente foi crucial na consolidação de um pop em caráter nacional graças à forma como esta cena abraçou a internet. Se muita gente ainda se empolga ao descobrir o funcionamento de redes sociais como o MySpace, saiba que a raiz disso já acontecia no Brasil há mais de dez anos – incluindo aí até a troca de MP3.

O que nos leva ao assunto que deu origem a todo esse meu blábláblá – o blog Freak To Rock You, que reúne apenas discos do pop dos anos 00 para download gratuito. Com uma longa carta de intenções em forma de um disclaimer, os quatro autores – que também tocam outro blog de discos em MP3, o Glamourous Indie Rock’n’Roll – pintam uma paisagem que claramente valida o que eu disse no primeiro parágrafo, tirando toda interferência do caminho. E assim, resgatam discos que nem sequer existem mais – pois saíram com tiragem pequena, foram lançados de forma caseira ou foi material retirado da internet – e os colocam ao lado de discos que muita gente só ouviu falar de seu lançamento, mas nunca pode ouvi-lo de fato.

Está tudo lá, desde nomes que freqüentam o mainstream (Nação Zumbi, Pitty, Los Hermanos e Cansei de Ser Sexy), a outros que já estão estabelecidos neste mercado independente (como Jumbo Elektro, Mombojó, Cascadura, Superguidis, Móveis Coloniais de Acaju, Vanguart, Gram, Lucy & the Popsonics, Cachorro Grande, Júpiter Maçã e Ludov), diversos coadjuvantes esforçados e até uns EPs, como o King of the Night do Copacabana Club, o Pra Onde Voam Os Ventiladores de Teto no Inverno? do Bidê ou Balde, o Onda Mortal do Cansei (com os mashups tocados ao vivo, hits dance mal-tocados e uma versão inacreditável pra “Humanos” do Tókyo) e um “fan pack” da Mallu Magalhães, com músicas que ela gravou antes de lançar o disco (além de “10 fotos em HD” – uia). Dá até pra tentar adivinhar o gosto de cada um dos quatro a partir de seus posts (me corrijam se eu estiver errado): o Henrique é mais completista indie um tanto conservador, a Hay curte o som quando dá pra dar uma dançadinha, o Lucas é mais pop e curte canções e o мaяv é o gaúcho da história.

Pode até ter alguém que chie para tirar seu disco do blog (eu bem que queria saber quem…), mas é como pedir para sair de uma foto oficial da década, que já está quase chegando à sua pose final. Olha a responsa, hein!

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