Impressão digital #139: O vazamento de Django Livre

, por Alexandre Matias

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Usei o gancho do vazamento online do Django para falar do novo filme de Tarantino na minha coluna do Link.

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O novo filme de Tarantino e o amadurecimento digital
Formatos piratas já não satisfazem as pessoas

Assisti a Django Livre, que estreia no Brasil na sexta-feira. Era dia de Natal (data da estreia oficial do filme de Quentin Tarantino) e eu estava em uma viagem no exterior. E fui com a minha mulher ver Django numa telona. Gosto de assistir a filmes e séries na TV, já vi muitos filmes no computador, mas nada substitui o cinema para alguns filmes.

O elemento social talvez seja seu aspecto mais encantador: sentar-se no meio de desconhecidos e conduzir-se por uma viagem de sons e imagens que passaram-se na cabeça de um autor, numa sala escura. É um processo completamente diferente da literatura. No cinema, as cores, formas e sons vêm antes da mensagem e da linguagem, e a comunicação é feita por instintos puramente estéticos. Todo mundo vê e ouve a mesma coisa, mas a história é interpretada por cada espectador. E absorver essas sensações coletivamente, uma viagem cerebral cujos condutores são apenas nossos olhos e ouvidos, é uma das grandes experiências sociais que o século 20 deixou para as gerações futuras.

Prefiro assistir aos meus cineastas favoritos assim. Tarantino é um dos meus prediletos entre os vivos (ao lado dos Coen, Cronenberg, Lynch, Scorsese, Herzog e mais alguns) – e por isso cedi à expectativa e resolvi ver o novo filme em inglês mesmo. Na semana passada, no entanto, pude revê-lo em português em uma sessão para a imprensa (que é chamada de cabine), dois dias depois de uma versão screener vazar na internet.

Versões screeners são DVDs enviados a jornalistas que não podem ir às cabines. Elas não têm a qualidade técnica de uma projeção cinematográfica nem a alta definição dos DVDs comerciais. Servem para que o crítico de cinema assista ao filme antes da estreia.

No mundo do download ilegal, essas versões recebem nomenclaturas específicas. Screener, abreviado SCR, é a versão mais apresentável nas primeiras vezes em que o filme vaza online, diferente de outras categorias.
CAM, abreviatura de “câmera”, é o filme pirata mais rasteiro possível, aquele em que o pirateiro filma a tela do cinema. É a qualidade mais tosca que se pode imaginar: iluminação ruim, silhuetas de espectadores e som fora de sincronia são características frequentes. A versão TS – telesync – é um pouco melhor, pois o pirateiro pega o áudio do projetor. Em seguida vem a versão SCR, como a que vazou de Django na semana passada.

Desta vez, o rebuliço que normalmente acompanha o vazamento de obras esperadas há muito tempo – como é o caso do filme de Tarantino – não foi tanto. Parte do público preferiu esperar o filme estrear no cinema (eu estaria entre eles, se já não tivesse visto o filme). Outra parte baixou sem saber da qualidade. E um terceiro grupo preferiu esperar o vazamento de uma versão melhor, em alta definição, ripada do DVD.

O que mostra que estamos vivendo um amadurecimento digital considerável. O mesmo vale para o vazamento de discos ou para a qualidade do áudio de músicas vendidas legalmente online. Há audiófilos que se recusam a ouvir música com bitrate – que mede a qualidade da frequência – menor do que 320 kbps. Dez anos atrás, muitos estavam comemorando o simples fato de o disco ter aparecido online – mesmo que a qualidade fosse inferior ao padrão mais baixo, o de 128 kbps.

Esta mudança está diretamente associada ao tipo de equipamento que temos hoje em casa. Com esses equipamentos, aos poucos estamos exigindo mais qualidade digital. Mas temos que nos acostumar com o fato de que o digital não necessariamente exige suporte para ser consumido. Você não precisa de um DVD para ver um filme como não precisa de um CD para ouvir um disco. Falo mais disso em colunas futuras.

E assistam a Django no cinema. Alguns momentos são de pura catarse coletiva. E saber que você tem que ficar quase três horas sem poder dar pause, olhar a internet no celular ou correr para pegar algo na geladeira torna a exibição ainda mais intensa.

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