Fleet Foxes na mudança da estação

, por Alexandre Matias

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Tudo bem que Robin Pecknold já tinha comentado há alguns anos que lançaria o quarto disco de sua banda em breve, mas em se tratando dos Fleet Foxes, ver um disco ficando pronto três anos após o lançamento do disco anterior, o belo, triste e introspectivo Crack-Up, de 2017, provoca um susto considerável – ainda mais se levarmos em conta que ele levou apenas um ano para ser gravado e foi lançado sem anúncios anteriores no mesmo mês em que encerraram os trabalhos. E Shore é de tirar o fôlego: um panteão de canções maravilhosas e solares, ao contrário do clima pastoril e campestre dos álbuns anteriores.

Gravado entre os EUA e a França desde setembro de 2018, o disco foi finalizado em Nova York, para onde Pecknold se refugiou logo que soube do avanço da pandemia, cogitando que a cidade poderia passar pelo pico de infecção mais rápido que o resto do país por ter sido o primeiro grande foco da pandemia nos EUA. E atravessar esse período na metrópole vazia mexeu com a cabeça do cantor e compositor a ponto de ele talhar versos, melodias e refrães que busquem a luz, expansivos e esperançosos. O arranjo e produção, delicados e detalhistas sem nunca cair em barroquismos ocos ou desnecessário. Ele publicou um longo texto sobre o disco, destaco um trecho:

“Eu não queria fazer outra longa pausa na música; realmente queria trabalhar e me sentir útil, mas precisava encontrar uma maneira nova e brilhante de fazer músicas se quisesse ir direto para algo grande e ambicioso de novo. Eu me peguei ouvindo mais Arthur Russell, Curtis Mayfield, Nina Simone, Michael Nau, Van Morrison, Sam Cooke, TheRoches, João Gilberto, Piero Piccioni, Tim Bernardes, Tim Maia, Jai Paul e Emahoy Tsegué-MaryamGuèbrou – música que ao mesmo tempo é complexa e elementar, “sofisticada” e humana, propulsionada ritmicamente, mas melodicamente suave.

Eu fazia playlists de centenas de músicas calorosas para mergulhar e fazia disso um rito o máximo que pudesse todos os dias, mantendo apenas as melhores peças que surgissem de onde quer que venham as melodias e as idéias musicais. Depois de todos esses anos, ainda não sei direito, e é isso que o mantém tão interessante.

Queria fazer um álbum que celebrasse a vida diante da morte, homenageando nossos heróis musicais perdidos explicitamente nas letras e levando-os comigo musicalmente, comprometendo-se a viver plena e de forma vibrante de uma forma que não podem mais, de uma forma que talvez não pudessem mesmo quando estavam conosco, apesar da alegria que trouxeram a tantos.

Queria fazer um álbum que fosse um alívio, como os dedos dos pés finalmente tocando a areia depois de serem pegos por uma correnteza. Queria que o álbum existisse em um espaço liminar fora do tempo, habitando tanto o futuro quanto o passado, acessando algo espiritual ou pessoal que é intocável por qualquer que seja o estado do mundo em um determinado momento, qualquer que seja nossa estação. Eu vejo Shore como um lugar seguro à beira de algo incerto, olhando para as ondas de Whitman recitando “morte”, tentado pela aventura do desconhecido ao mesmo tempo em que você está saboreando o conforto do solo estável abaixo de você. Essa foi a mentalidade que encontrei, o combustível que encontrei, para fazer este álbum.”

Lançado na virada da estação, Shore é um raio de luz em um ano trevoso, o alívio musical que nem sabíamos que poderíamos ter, misturando passarinhos com sons de chuva, rio e avião passando à distância. E quando o Tim Bernardes canta em português em “Going-to-the-Sun Road”, tornando-se o único outro vocalista da história da banda, isso ganha uma outra profundidade, ainda mais pelo que ele canta (ganhando um elogiaço de Robin: “Obrigado por cantar em português de forma tão bonita na canção ‘Going-to-the-Sun Road’. Sou seu grande admirador e espero que possamos vir a colaborar mais no futuro. É uma honra!”). Faz mais sentido ouvir a participação no contexto inteiro do disco, mas pra quem quiser ir direto ao ponto…

Que disco!

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