Entre o silêncio e o volume ensurdecedor: Como foi o show do Ruído/mm no Sesc Belenzinho

, por Alexandre Matias

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Uma sensação de paz intensa tomou conta do pequeno teatro do Sesc Belenzinho, quando poucos puderam submeter-se ao volume sonoro do sexteto instrumental Ruído/mm, em mais uma apresentação de lançamento de seu ótimo Rasura, um dos grandes discos brasileiros do ano passado. Impassíveis no palco, os seis músicos curitibanos conduzem o público a um transe coletivo a partir de camadas de microfonia que vão superpondo-se e retraindo-se à medida em que oscilam entre o silêncio e o volume ensurdecedor, transitando entre estes em solos dedilhados, acordes expansivos, melodias ao teclado, gritos, galopes de baixo e bateria.

É o jardim elétrico cultivado pelo My Bloody Valentine e pelo Sonic Youth nos anos 80 que ergueu-se sem voz com o codinome de pós-rock na década seguinte, aglomerando influências vindas do free jazz, da música eletrônica, de trilhas sonoras de filmes, do pós-punk e da música erudita contemporânea. A massa viva de som habitada pelo Ruído/mm é uma densa floresta de improvisos musicais em que o grupo extrai recortes específicos de uma musicalidade que quase sempre recaem naquele universo instrumental de ruído branco do que preguiçosamente convencionamos chamar de indie rock: a psicodelia estática branca que une os devaneios instrumentais do Cure, o lado contemplativo do Low de David Bowie, as extensas incursões instrumentais do Yo La Tengo, os espasmos de guitarra do Radiohead e do Built to Spill, os longos caminhos percorridos pelo Spiritualized e pelo Galaxie 500.

No palco, o grupo encarna essas diferentes personalidades. Os três guitarristas quase que de forma didática dividem suas influências no vestuário casual, cada um levemente pendendo para um lado. À esquerda, André Ramiro de camisa xadrez e boné equilibra-se entre espasmos de eletricidade e solos cortantes que entregam influências do shoegaze, hardcore e do noise; ao centro, Ricardo Oliveira, de camisa e cabelos compridos, burila seu instrumento conduzindo-o para planetas musicais tão diferentes quanto National, Radiohead e Sigur Rós; à direita, o recém-regresso Felipe Aires, vestindo uma camiseta do Lost, vai da psicodelia tradicional dos solos de David Gilmour no Pink Floyd a climas de filmes de velho oeste. Os três na linha de frente quase sempre sentam-se no palco entre as canções para ajustar pedais e brincar com a microfonia. Na linha de trás, o tecladista Alexandre Liblik conversa com o baixista Rafael Panke e o baterista Giva Farina criando camas de timbres ou ritmos intensos propícios para cada diferente incursão. A formação mudou poucas vezes, apenas com Felipe assumindo um theremin digital para contrapor ao canto em falsete de Ricardo em “Penhascos, Desfiladeiros e Outros Sonhos de Fuga”, ou André e Alexandre tocando chocalhos ao final de “Bandon”.

Arquitetos conscientes de pequenas catedrais de som, eles poderiam esticar cada uma de suas músicas por mais de dez minutos, mas quando muito elas ultrapassavam os cinco (uma ou outra quase chegou nos dez). O grupo explora bem silêncios e estica temas instrumentais o suficiente para serem memorizados pelo público sem repeti-los à exaustão, como se enfatizassem a eficácia matemática explícita no “por mílimetro” de seu nome. Tocando a íntegra do novo disco e apenas uma canção de seus discos anteriores, o sexteto de Curitiba fez uma apresentação impecável que apenas reforça sua reputação, que já tem mais de uma década.

Filmei o show inteiro abaixo – ponha os fones e aperte o play.

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