Elevator – Titan

, por Alexandre Matias

Mais uma

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Máquina de groove

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Um pouco de história, pra começar? O rock mexicano começou, como o brasileiro, como um arremedo do rock americano, no fim dos anos 50 e assim permaneceu até 1968, quando, devido à ditadura capitaneada pelo partido PRI (Partido Revolucionário Institucional, o mesmo do antigo presidente Carlos Salinas, que conseguiu incluir o país no Nafta e foi acusado de estar envolvido com o tráfico de drogas). Após o assassinato de estudantes pela polícia, o rock começou a se politizar e se interessar por causas sociais, movimento que culminou com o festival de Avándaro, em 1971.

Deste festival surgiu um movimento batizado pela imprensa local de La Nueva Onda, que dividia-se em dois grupos: um composto por conjuntos engajados na política (cujos principais nomes eram os grupos La Malinche e os míticos Caifanes) e outro que só queria diversão (liderado pelos Dangerous Rhythms e pelo Three Souls in My Mind). Mesmo com uma certa popularidade, o rock foi perdendo espaço à medida que a década de setenta corria, muito por conta da repressão autoritária do governo. Parte deste rock sobreviveu na periferia, em festas conhecidas como “hoyos fonquis”. O nome explica tudo: “hoyo” quer dizer, literalmente, “buraco”; e “fonquis” vem da castelhanização de “funky”. Buracos funky, festas que aconteciam em casas abandonadas ou em becos sem saída, que só terminavam quando o dia acabasse. O som? Black music americana, em doses cavalares.

Deste gueto veio a geração do rock mexicano nos anos 80, que historicamente surge após o terremoto de 1985. A principal característica desta nova geração de bandas é o fato de assimilar cultura mexicana e não ter vergonha de cantar em espanhol, sendo o Maldita Vencidad seu principal nome. Esta nova safra rock transformou velhos grupos em novos (o Dangerous Rhythms tornou-se Ritmo Peligroso; Three Souls… virou El Tri) e deu a ignição em todo o rock mexicano atual, que nasce no terceiro disco do grupo Botellita. Este era uma espécie de Raimundos do México, misturando ritmos americanos à cultura nacional (flertando tanto com o folclore quanto com a subcultura televisiva e o comportamento brega do mexicano) com doses de humor grosseiro. Seu terceiro álbum foi um marco: batizado com o impressionante trocadilho Naco Es Chido (que pode ser traduzido por A Estética das Massas é Legal, Lixo é Combustível e Marrom é Lindo), o disco deu origem a uma geração de músicos que manda nas paradas mexicanas atualmente e entra pelas portas dos fundos nos Estados Unidos com o rótulo de “Rock En Español”. Entre os principais grupos, estão Café Tacuba, La Lupita, Cuca, Mana, La Castañeda, Plastilina Mosh, Fobia, Santa Sabina, entre outros.

Chegamos então ao Titan (finalmente!). Surgido no começo da década, o grupo era a continuação do trio experimental Melamina Ponderosa, que fez fama e inimigos ao casar funk com instrumentos eletrônicos e música de vanguarda nos anos 80. Formado pelo guitarrista Julián Lede e pelo tecladista Emilio Acevedo, o Titan tornou-se um trio com a entrada de Jay de La Cuerva (ex-Fobia e ex-Microchips). Todos os três integrantes eram freqüentadores das “hoyos fonquis” e tornou-se inevitável que o grupo se tornasse uma máquina de groove.

Em seu segundo disco, Elevator, inexplicavelmente lançado no Brasil, o grupo prova a inevitabilidade. A fórmula parece simples: o casamento de um irresistível baixo com uma bateria precisa, acompanhado de solos de teclados e guitarras que parecem ter saído dos anos 70. Com vocais repetitivos e constantes, Elevator também pede licença à disco music pela apropriação indevida. Mas o resultado final passa longe do pastiche funk que a fórmula parece trazer.

Indo para o mesmo rumo que o Beck foi em Midnite Vultures, o Titan só assume compromisso com o groove e convida todo mundo pra festa – se o disco fosse um Elevator que se propõe no nome, não subiria com tanto peso ao mesmo tempo. A intenção deve ser esta (“get down”, reza a cartilha funk) e todos cedem à gravidade dos graves: surf music com new wave (1,2,3,4), electro e disco music (“C’Mon Feel the Noise”), Parliament com Carole King (“Corazón”), música mexicana e bateria jazz (“Honey”), guitarras distorcidas num funk James Brown (“King Kong”) e funk sci-fi (“Vaquero”). Mas alguns dos melhores momentos do disco estão nos que apenas nos fazem dançar, sem pensar em referências: “Battle Love” (em que o ritmo parece um pneu de caminhão rasgando o asfalto), “1000 Ninjas” (um monstro boogie), “P.E.C.” (a única com letra, mesmo que apenas “Puta Madre guey iba en un Draxter Guey/ Punk-Exorcista-Caterpillar”), “The Future” (onde sapos cibernéticos conduzem o groove em forma de baixo), “Sawright” (algo como Master P remixado pelo Bomb Squad, do Public Enemy) e “La Frecuencia del Amor” (seu próprio big beat).

Como os nomes das músicas fazem crer (“A Freqüência do Amor”, “Venha Sentir o Barulho”, “Mel”, “O Futuro”), o grupo não está muito interessado em contar histórias, apenas na experiência de dançar. Caprichando no groove do mesmo jeito que calibram as amizades (foram convidados a abrir shows pro Jon Spencer Blues Explosion e alguns dos integrantes do grupo Sukia – apadrinhados pelos Dust Brothers – dão as caras pelo disco), o Titan tem um universo inteiro para construir. Se você por acaso trombar com esse disquinho por aí, não pense duas vezes. Porque o elevador estiver descendo – e só deus sabe pra onde -, deixa descer. Curta o passeio.