Carlos “Véio” Braz (1965-2009)

, por Alexandre Matias

Sinto começar a semana assim, mas vamos lá. Mais uma baixa na história do rock independente brasileiro – e mesmo estando completamente plugados e ultraconectados, levei mais de dez dias para ouvir falar da morte do Véio, ex-baixista do Concreteness. A banda de Santa Bárbara d’Oeste não foi só uma das mais importantes para a criação de um circuito de shows e, portanto, uma cena entre as cidades do interior de São Paulo, como foi crucial para a consolidação daquela geração brasileira que surgia ao mesmo tempo em que as gravadoras comemoravam o Plano Real com vendas altíssimas de CDs de pagode, axé e sertanejo e a MTV brasileira procurava novos nomes locais para se apoiar.

Além do Véio, o grupo era formado pelos irmãos César, Marco e Marcelo Maluf que, em Santa Bárbara d’Oesta, uma cidade sem nenhuma tradição em música daquele tipo, eles começaram seu trabalho em dose tripla: além da banda, os irmãos mantinham uma casa noturna (o Hitchcock) e um estúdio na própria casa em que moravam. O Hitchcock tornou-se parada obrigatória para qualquer banda que viesse de outra cidade do Brasil para fazer shows em São Paulo. O Hitchcock era foco de atenção de todo mundo que ouvia rock independente no início dos anos 90 no interior do estado – e as pessoas vinham de outras cidades para passar a noite lá, que tinha programação toda sexta e sábado, reunindo fãs de indie rock, rock alternativo e hardcore de cidades como Piracicaba, Jundiaí, Campinas, Americana, Sorocaba e de São Paulo para assistir a shows de três ou quatro bandas por noite. Não, não havia discotecagem naquela época: alguém gravava uma fita que era repetida toda vez que um dos shows terminava.

De tanto ir ao Hitchcock, acabei ficando amigo de todos na banda, e acompanhei de perto a trajetória de um grupo independente que não conseguiu emplacar – mesmo fazendo shows em todo Brasil, com público cativo e músicas reconhecidas. Suas apresentações eram marcadas pelo impacto visual – os três irmãos Maluf eram uma espécie de Devo com um pé no industrial e o outro na música brasileira – todos de preto e com a cabeça raspada, dois de óculos nerd. Seu vocalista e principal compositor era o baterista Marcelo, o caçula, que deixava os irmãos Marco, introspectivo e calado na guitarra, e o tecladista César, que parecia um psicopata quando subia no palco, enfrentarem a massa. Véio fica entre os dois, mas acompanhando Marcelo, tocando seu baixo de forma robótica e rude. O som refletia aquele começo barulhento de década, com pedais de distorção e ritmo incensante, mas ao mesmo tempo ecoava a estrutura tradicional do pós-punk, de vocais berrados, guitarras fazendo barulho mais que música e baixo e bateria adicionando dance music ao 4 x 4 do rock. A banda teve uma fita demo – chamada Psicose – que vendeu quase 2 mil cópias, a maior parte da tiragem (caseira) vendida pelos correios. Internet era coisa de “micreiro” (que termo escroto) e o MP3 não havia sido inventado.

A segunda fase do selo Banguela, em que o Miranda lançou bandas como Mundo Livre S/A, Raimundos, Graforréia Xilarmônica e Maskavo Roots, foi marcada por várias coletâneas que reuniam bandas por cidades – como a curitibana Alface (que trazia as bandas Woyzeck, Boi Mamão, Resist Control e Magog) e a gaúcha Segunda Sen Ley (com quase 20 bandas diferentes). A cena do interior do estado de São Paulo foi escolhida para lançar sua própria coletânea e foram os Concreteness que sugeriram meu nome para escrever o release do disco. Além deles, o CD ainda contava com o funk metal do Lucrezia Borgia e o hardcore feliz das meninas do No Class (os dois grupos de Campinas) e o Happy Cow, de Piracicaba, o irmão mais novo do Killing Chainsaw. Foi quando finalmente fui aceito pela cena rock da cidade – onde já se viu um jornalista de Brasília vir dar espaço para as bandas locais em um jornal de Campinas? Era 1994 e eu ainda não tinha completado 20 anos. A coletânea, chamada pelo nome ridículo de Pircorococór, foi lançada quando o núcleo do Banguela passava a ser questionado por sua gravadora, a Warner, ao mesmo tempo em que era cortejado por outra, a PolyGram. Essa confusão foi o suficiente para atrapalhar o lançamento da coletânea e isso acabou se refletindo no lançamento do primeiro CD do Concreteness, Numberum. Mas a banda já estava mudando – o novo CD era composto apenas com músicas escritas em português, o primeiro passo da banda rumo a seu fim. Logo depois, os irmãos e Véio trocaram o nome da banda para Jardim Elétrico e, sempre que eu me encontrava com um deles, sabia de algum progresso na nova fase. Mas eram lentos e logo eles passavam a trabalhar com técnica de áudio com o Pena Schmidt. Marcelo virou escritor e mantém um blog. As músicas no MySpace da banda, criado como uma espécie de memorial ao primeiro disco que não aconteceu, não traz as músicas da primeira fase da banda, em inglês. Descolei uma, melhor que as que estão no MySpace:


Concreteness – “Squinting LooK (Zemba)

Todos os quatro trabalhavam na casa enquanto as bandas faziam shows, cuidavam do caixa, do som, do palco enquanto o Véio tomava conta do bar – por isso era inevitável que em alguma hora da noite eu encostasse no balcão para falar merda com o sujeito. E sempre foi assim: enquanto o papo com os irmãos Maluf sempre foi o que cada um estava fazendo da vida, as conversas com o Véio eram sempre em tom de brincadeira. A última vez que eu o vi foi na primeiríssima Gente Bonita, quando o José Júlio passou pelo extinto Bar Treze para ver como andava a festa. Nos falamos pouco, mas nunca nos alongávamos – pois sabíamos que nos encontraríamos cedo ou tarde.

Não mais. Eis que lendo o blog do Carneiro, deparo-me com a notícia, que me leva ao Twitter do Mondobacana, do Abonico, passando a ficha técnica da passagem do amigo:

Morreu na madrugada de hoje o baixista Véio, da banda ConcreteNess (Santa Bárbara do Oeste, SP). Ele sofreu derrame cerebral há dez dias.
12:04 PM Jun 10th from web

Procurando, ainda achei o Fotolog do Phu, baixista do DFC, de Brasília, que contava com dois posts, um primeiro, sensibilizado pela entrada de Véio na UTI, e outro que trazia a mensagem de Marcelo:

Queridos Amigos,
É com imenso pesar que dou esta notícia. Nosso querido amigo/irmão Véio, partiu essa madrugada para a sua jornada espiritual…Tenho certeza de que ele estará bem…Fica a nossa imensa saudade, amor e carinho por esse irmão que a vida me/ nos deu e com quem vivi / vivemos tantas coisas boas! O importante agora é orar para que ele encontre o seu caminho e a sua luz. Vamos nos segurar, vamos estar juntos, vamos nos abraçar e continuar vibrando com amor para que ele sinta nossa energia.
Por enquanto, nÃo sabemos o horário do velório em Santa Bárbara. Ele deve demorar a chegar, já que os seus órgãos serão doados. Um grande gesto, de um grande ser humano.
Meu Abraço forte à todos,
Marcelo

O Andhie Iore, velho fanzineiro de Maringá, também lamentando a passagem do baixista em seu blog, como o Giassetti fez no blog da Mojobooks. Ironicamente, não lembro de seu nome, só do apelido, nem sei precisar sua idade (Updeite: o Júlio acaba de me confirmar tanto o nome, Carlos Braz, quanto a idade, 43). Não éramos amigos convencionais, éramos uma espécie de colegas de um trabalho que não era visto como formal – ter uma banda de rock faz tanto sentido quanto escrever sobre rock, e ambas atividades – entre outras – são igualmente desmerecidas como mero passatempo adolescente. Ríamos disso.

Tags: , , , ,