3 Lugares Diferentes – Fellini

, por Alexandre Matias

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Quem se dispôs a ouvir a edição em CD do disco Três Lugares Diferentes, do Fellini, até o fim encontrou Serginho Groisman, na época apresentando seu finado programa Matéria Prima, perguntando ao grupo sobre a relação do punk rock com o chamado – desde aquela época – “rock alternativo”.

A pergunta encerra o disco sem resposta, como se deixassem o ouvinte tirar suas próprias conclusões. O que teria a ver a bossa pós-moderna do grupo dos não-músicos Cadão Volpato e Thomas Pappon com o grito de “chega!” dado pelos ingleses e americanos no fim dos anos 70? Musicalmente, nada. Sozinhos ou acompanhados, o duo Fellini era uma aberração em português, cantada como uma história esquecida, à meia-luz, com o som bem baixinho. A única relação musical do grupo com o punk rock eram os ruídos pós-punk (Cure, Gang of Four, Echo, Smiths) emitidos pela guitarra de Thomas.

Mas historicamente o Fellini era fruto do punk. Não fosse o gênero, seria pouco provável que os dois protagonistas se reunissem para gravar músicas. Mesmo porque as músicas não eram o principal para o grupo. O importante é que eles podiam fazer música sem ser músicos, compor sem serem compositores, gravá-las sem noção nenhuma de gravação. Partindo do zero, a mensagem do Fellini não estava no conteúdo de seu trabalho e sim na forma que eles o encaravam.

Começava pelo fim sempre presente na história da banda. Desde seu primeiro disco, O Adeus de Fellini, o grupo estava disposto a debandar, a acabar com a própria existência. A vontade de registrar o trabalho em estúdios portáteis (os novíssimos portastúdios dos anos 80) dava às canções um ar de elo perdido, como se fossem músicas esquecidas pelo tempo em algum porão de gravadora. Mal-gravadas propositadamente para resgatar o aspecto sintético da canção, as composições do Fellini antecipavam o chamado lo-fi, que floresceu na década atual (partindo exatamente do rock alternativo).

Seu despojo musical também era herdeiro do punk. Poucos instrumentos eram tocados e eram colocados de maneira quase artesanal dentro de suas faixas. Uma bateria eletrônica sempre dava a base necessária para Thomas grunhir seu instrumento e Cadão cantarolar seus poemas de fundo de caderno. Algum teclado ou outros efeitos sonoros funcionavam como ar dentro das músicas, respiros frios e sintéticos como uma versão caseira da produção de Brian Eno nos discos de Bowie em Berlim.

Mas o maior vínculo entre o Fellini e o punk acontecia pelo grupo ser brasileiro e – algo quase impensável na época – independente. Seus discos não eram encontrados em lojas comuns e grande parte de seus ouvintes esperavam seus discos pelo correio. O reembolso postal era a versão pré-histórica da internet e fazia-nos ficar mais perto de Londres, de Nova York ou de São Paulo, estando em qualquer parte do Brasil.

Lembro quando recebi meu Três Lugares Diferentes. Era como se pudéssemos nos transportar para aquele universo imaginário do rock alternativo alardeado nas páginas mais paulistanas da extinta Bizz. Um lugar que não existia, mas que era idealizado e executado por pessoas que acreditavam na possibilidade de se fazer música sem conhecer música. Enquanto o rádio tocava Titãs, Kid Abelha e Legião Urbana, discos do Picassos Falsos, do Akira S, do Gueto, do DeFalla e de outras bandas nos alertava à possibilidade de existir algo além do mainstream badalado no Chacrinha. Era uma revolução que, se explodisse e fosse às massas, perderia seu charme.

Três Lugares Diferentes tinha todo o charme que esta cena precisava. Transformado em trio com a participação do tecladista Ricardo Salvagni (que tocava bateria no primeiro disco), o disco é o principal legado do Fellini às gerações posteriores e seu maior feito foi empatar com os Titãs de Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas na votação da crítica daquela revista antiga, no quesito disco do ano.

Pra quem acompanhava o grupo era o maior trunfo. Afinal, com não-canções como “Ambos Mundos”, “La Paz Song”, “Rio-Bahia” e “Onde o Sol se Esconde” conquistavam um lugar ao lado do grupo experimental oficial do país. Enquanto os Titãs colhiam os louros da dupla aceitação (crítica e público), o Fellini vinha caminhando pelo submundo do rock nacional como uma alternativa viável e real – cantando em português e sobre o Brasil. E não era um grupo antipop – canções como “Zum-Zum-Zazoeira”, “Teu Inglês” e “Pai” poderiam muito bem ter tocado no rádio.

Mas não tocaram. E o grupo ficou recluso ao sucesso cult. E entraram pra história assim. Como diz Osmar Santos em outro trecho do disco, “ninguém ganha nada, o disco não tá legal, mas a gente tá dando risada, tá uma curtição, vamos levar isso pra frente”. O Fellini era isso – uma curtição possível de ser levada em frente. Mesmo se não desse em nada…

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