Impressão digital #149: A Trama Virtual e você

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Na minha coluna da edição de hoje do Link Estadão, falo sobre como o fim da Trama Virtual tem a ver com nossa atual rotina digital, seja você músico ou não.

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A Trama Virtual e os registros digitais de nossa época
O serviço acaba, seu acervo também

Lembro de quando a Trama Virtual apareceu. Começou quase como um projeto secreto. Seu idealizador, Carlos Eduardo Miranda, já tinha um vínculo próximo às bandas, então não foi complicado fazer essa ponte. Afinal, como veríamos depois, não é fácil fazer um site desta natureza acontecer sem ter o respaldo da comunidade que o usará.

Miranda tinha como inspiração o já falecido site MP3.com, que nos anos 90 surgiu como um grande repositório de música digital nos EUA, antes da popularização massiva do formato após a criação do Napster em 1999. Mas eram outros tempos, principalmente no que diz respeito à velocidade de conexão, e o site minguou. No século 21 a realidade era bem diferente – principalmente por conta da popularização da banda larga. Além da explosão de downloads ilegais de música, uma outra corrente começou a se manifestar quando artistas que não tinham exposição no rádio ou chance de ser ouvidos por executivos de grandes gravadoras perceberam que poderiam utilizar a internet para chegar a um público que nem sabia de sua existência. Artistas dispostos a dar música de graça, mas que não sabiam onde hospedar seus arquivos. Lembre-se de que isso era antes do YouTube e do MySpace.

Foi aí que a ideia de Miranda floresceu. Encontrou artistas que não se viam refletidos no mainstream da época dispostos a mostrar sua música gratuitamente para tornarem-se conhecidos e, aos poucos, estabelecerem uma carreira. O principal nome a sair deste ambiente começou como uma piada – o Cansei de Ser Sexy – mas logo foi catapultado para o exterior. Tornou-se popular graças à música oferecida gratuitamente pelo site, a ponto da própria Trama se interessar em lançar um disco da banda.

Mas o Cansei de Ser Sexy era a ponta do iceberg. Milhares de artistas hospedados na TramaVirtual não conseguiram um milésimo da exposição (e do sucesso e do dinheiro) que o Cansei obteve. Mas seguiam felizes por poder colocar MP3 nos servidores da gravadora e usavam sua página no site como cartão de visitas. Não era mais preciso contratar um webmaster e um designer para construir uma identidade na internet. Bastava colocar suas músicas no site da Trama, fazer uma descrição do estilo musical, subir umas fotos e pronto: qualquer artista tinha seu próprio repositório digital de MP3.

Aí veio o MySpace, chegou e aconteceu, foi vendido para a NewsCorp e em cinco anos tornou-se a maior rede social do mundo e em seguida afundou. Muitos artistas da TramaVirtual também abriram suas páginas no MySpace. E depois que o MySpace se afundou na própria incompetência administrativa, vieram o SoundCloud, o Bandcamp e outros sites de natureza parecida. Até hoje tenho amigos músicos que, na assinatura do seu e-mail, incluem os links para suas páginas nestes serviços.

Eis que, no susto, a Trama decidiu desligar os aparelhos de seu site. Muitos correram para baixar o que ainda dava, mas era irreversível – e muita música deve se perder com essa decisão. O mesmo pode acontecer com outros tipos de site e aí chegamos a um dilema específico: o que acontece com um artista que não registrou sua obra em fita ou disco, deixando tudo no formato digital?

O dilema não é só dos artistas. Essa transição de sites e mídias aconteceu com cada um de nós que dedicou parte de sua vida à digitalização social. Pense em fotografias – no início era o Fotolog, depois veio o Flickr, seguido dos álbuns do Facebook e agora temos o Instagram. Isso vale para textos e vídeos. Muita gente despeja os arquivos em sites e deleta os originais por não ter espaço. Mesmo assim, a manutenção destes arquivos não é tão segura – basta um HD cair no chão para você perder todas os registros de uma viagem.

Mudanças de plataformas, de formatos e de servidores vão seguir fazendo parte de nossa rotina no século 21. Temos de aprender a lidar com isso – para não sermos pegos no susto.

Trama Virtual (2004-2013)

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O LaCumbuca que levantou a lebre: o site da TramaVirtual para de existir no final do mês que vem. O anúncio, no site, é curto e triste:

O site Trama Virtual sairá do ar no dia 31/03/13.

Agradecemos a todos que estiveram conosco.

Trama Virtual

Conheci o TramaVirtual quando ele era só uma idéia do Miranda (“vamos fazer o MP3.com brasileiro, véio!”), bem antes do MySpace existir, e trabalhei na Trama naquela que talvez seja a fase áurea do site, quando o Dago era o editor (e a redação ainda contava com a Fer, o Six e o Emo, só gente finíssima), por isso tenho uma memória um pouco mais afetiva em relação ao site além da importância que de fato ele teve – foi ali que não só umas três gerações do rock independente brasileiro conseguiu deixar à disposição uma produção cultural (que em alguns casos datava do início dos anos 90) como as primeiras gerações da música digital no Brasil encontrou um terreno livre para expandir seus talentos. O site virou até um programa de TV, mas veio perdendo a importância (como a própria Trama) por uma série de motivos – e agora vem essa notícia que, embora aparentemente irrelevante, encerra um importante ciclo na história da música pop brasileira do século 21. Só me resta lamentar…

Você tem alguma história relacionada ao Trama Virtual? Contaê!

Mallu no Faustão

Quase um ano depois de aparecer pela primeira vez em rede nacional, a curiosidade em relação ao vídeo aí em cima nem é pelo desempenho da menina frente às câmeras – à vontade, Mallu cresceu bem em seu primeiro ano de carreira (só corre o risco de estar ficando lelé, mas isso é outra história…). O que eu achei engraçado foi Fausto Silva usar a aparição dela para anunciar a, er, “Garagem do Faustão”, que, traduzindo em outras palavras, é a Trama Virtual da Globo. E o apresentador é muito profissa, mantendo a seriedade ao falar que a emissora tem de buscar novos artistas em nome do telespectador… “Quem diria”, diria algum cínico.