Paes reinventado

Foto: Isabela Yu

Foto: Isabela Yu

“Quem gravou o disco foi eu e Benke, não há participações: eu gravei vozes, baixo e teclado, ele gravou guitarras e beats. A gente tinha liberdade pra gravar e parar a hora que quisesse. Então dormindo, comendo, curtindo junto, isso nos deu uma sensação muito grande de bem estar. Influenciou diretamente no mood do resultado final”, me explica o pernambucano Paes, que lança seu EP Wallace nesta sexta-feira, mas que o antecipa já em primeira mão para o Trabalho Sujo. Feito em parceria com o guitarrista dos Boogarins Benke Ferraz, que produziu e tocou no disco, o EP desconstrói a sonoridade que o cantor e compositor apresentou em seu disco de estreia, Mundo Moderno.

A colaboração com Benke surgiu quando Paes estava começando a cogitar um disco em parceria com o ex-Mombojó Marcelo Campello, que assina algumas das composições do EP. “Ana Garcia, quando tava fazendo a assessoria do Mundo Moderno, meu disco anterior, falava muito que a gente precisava se conhecer e trocar ideia, porque tinha interesses parecidos relacionados a áudio, música, fita cassete etc.”, explica o pernambucano, mencionando a participação ativa da fundadora do festival Coquetel Molotov como ponte crucial do encontro com o guitarrista. “Já havia encontrado ele algumas vezes em Recife mas nunca trocado uma ideia de fato. Mas no Coquetel Molotov do ano passado, a gente se encontrou e eu dei uma Cassete do Mundo Moderno e meses depois, em outra festa ele me deu uma do Boogarins, A Casa das Janelas Verdes, junto com uma revista que saiu pela Void. Eu adorei a fita e ficamos trocando ideia por internet.”

“Ele me pareceu ser a pessoa mais indicada no momento pra tentar tirar outro som, me ajudar a sair da zona de conforto em relação à sonoridade, instrumentação e vibe das músicas. As coisas aconteceram de uma forma bem natural”, continua. “Quando o convidei pra produzir, no outro dia já tava almoçando com eles e pensando como fazer a coisa toda. Levei as cifras, baixo e amp pra lá e já começamos a tirar as harmonias dessas três canções. Depois de dois encontros onde já se criou as bases no Ableton Live e harmonias fomos pro estúdio por dois dias e gravamos. Lá compusemos juntos outras duas faixas ‘8 bit Blues’ e ‘Espelhos’. Ele se envolveu no processo desde o início, desde os arranjos até a finalização do trabalho. Além de produzir ele tocou as guitarras, beats e mixou as nossas parcerias. O nome do álbum surgiu de uma brincadeira nossa com o título de ‘4 Paredes’: Four walls, for Wallace, por Wallace até enfim chegar no Wallace, que reflete muito o clima familiar que a gente construiu na pré, durante as gravações e na pós. Foi-se criando uma amizade bem massa e uma facilidade de decidir as coisas juntos talvez pela forma parecida de pensar música e de filosofia de vida.”

“A diferença é em relação à sonoridade, porque a instrumentação é bem diferente”, me explica. “Não tem bateria, apenas beats eletrônicos. O Mundo Moderno é mais diversificado de timbres e a formação em cada faixa. Tem músicas eletrônicas, outras com violão e piano, outra com banda. O Wallace é rock alternativo, eletrônico, pop e mais lisérgico. É experimental e mais maluco. Em uma faixa gravamos uma jam de baixo e guita encima do beat do Casiotone, depois ele processou no Live e deixou ela com cara de videogame, por isso dei o nome de ‘8 Bit Blues’. Outra surgiu de um áudio de WhatsApp que Benke ouviu, processou e picotou, criando um beat, synth e baixo. Eu criei a melodia e letra e já gravei rapidamente em cima.”

Se o disco é tão diferente do anterior, o mesmo não pode se dizer em relação ao tema. “As questões que abordamos nas letras é uma continuidade do que tá presente no álbum anterior: reflexões sobre a contemporaneidade, das formas de relações que a gente tem nos tempos atuais, tecnologias, formas de comunicação e como isso influencia diretamente no jeito que a gente se socializa, como se relaciona com o outro através da internet e de toda facilidade que isso traz. Tem seu lado positivo de mil possibilidades mas também cria problemas desse nosso tempo que é a sensação de isolamento, muitas vezes estamos conectados com tanta gente mas nos sentimos muito solitários. É uma coisa muito comum isso que acomete quase todos que convivo, uns menos outros mais. Vejo muita gente tendo sofrendo com depressão, ansiedade, pânico e quase sempre relacionando esses pontos levantados como cruciais pra entender o que ta acontecendo no nosso mundo. E eu acho importante falar disso abertamente, nos ajudar, ouvir e tentar encontrar um equilíbrio sabe? Porque temos que estar juntos, se ajudar. É uma coisa muito comum pra nós que vivemos nesse modelo capitalista, de trabalho, cobrança pessoal, da sociedade, do sistema, essa correria louca do dia a dia onde as horas não são suficientes pra a demanda que criamos e aos mesmo tempo passa tudo tão rápido, A vida tá passando por a gente como um vagão de metrô. E nós estamos todos no mesmo carro.”

Agora o desafio é transpor essa sonoridade para o show: “Como virou eletrônico, tanto as novas como as do anterior que serão rearranjadas pra esse formato, a banda é bem reduzida, para um formato duo, em que canto, toco baixo e synth em alguma faixas e com o amigo João Bento, que toca guitarra, backing vocal e maschine, que é basicamente um equipamento com vários pads, onde podemos samplear todos os sons do álbum, não só rítmicos mas também hamônicos e melódicos e tocar ao vivo isso. Mas também temos a formação trio, com Benke completando o time tocando guitarra enquanto João fica nas bases eletrônicas, e eventualmente baixo e sintetizador. Nessa eu tenho mais liberdade pra só cantar em algumas músicas e ficar mais livre em relação a performance.”

Paes, do Recife

paes-2018

O som sossegado e a vibe ensolarada dão a tônica do novo single do produtor pernambucano Paes, que está prestes a lançar seu segundo disco solo, que antecipa em primeira mão para o Trabalho Sujo com o single “Mais Além”, com clipe dirigido pelo artista gráfico Raul Luna. “Quando musiquei este poema (da atriz, poeta e fotógrafa Camila van der Linden), construí com bandas distintas, arranjos bem diferentes. O primeiro – ainda com Barro, Rapha B e Rafael Gadelha na banda – era uma espécie de brega modernoso. O segundo momento – já com Cassio Sales nas baquetas – se tornou um pop rock tribal, por conta dos tambores da bateria marcantes. Testamos ela em shows. Quando comecei a gravar meu novo disco com Arthur Dossa e Cássio, desenvolvemos um arranjo mais minimalista, preciso e direto, como segue todo o mood do álbum.” O disco completo sai ainda este mês