Mita de gala

Mesmo com ótimos shows (pra mim: Haim, Mars Volta e Lana Del Rey) e uma diminuição de público que tornou o segundo dia apenas tolerável, o festival Mita terminou sua edição 2023 no débito, criando uma sensação de descaso com o público mesmo que trouxesse boas apresentações em boas condições. Essa impressão desfez-se no Mita Day, evento realizado neste domingo (uma semana após a versão maior do festival), no Auditório Simon Bolívar, no Memorial da América Latina, em São Paulo. Reverenciando a obra do maestro Arthur Verocai partindo de seu clássico disco de 1972 e contando com a presença de convidados ilustres, o festival estendeu o tapete vermelho tanto na parte artística quanto no tratamento ao público, numa noite pop de gala raramente vista em festivais por aqui. À frente de um conjunto híbrido de big band com orquestra, o compositor e arranjador carioca pode apresentar seu trabalho mais uma vez ao vivo em condições ideais de temperatura e pressão. Talvez a distribuição da banda, dos vocalistas e dos convidados no palco pudesse ser pensada de outra forma, uma vez que o auditório estava aberto em sua versão completa, com as duas plateias à frente e às costas dos músicos (como uma versão gigante do teatro do Sesc Pompéia) e isso comprometia a visão do palco.

Mas foi bonito assistir Verocai regendo aquela pequena orquestra com a leveza informal de quem pertence à música popular, estalando os dedos para marcar os compassos, sem batuta nem fraque, cantarolando baixinho o começo de cada música antes de contar o tempo de entrada (“um, dois, três e já!”) e conversando à vontade com o público. E se entre os convidados da noite haviam nomes de peso como Céu, Mano Brown e Ivan Lins, foi bonito ver que alguns dos melhores momentos da noite tiveram à frente velhos colaboradores do maestro, como o soulman Carlos Dafé, Clarisse Grova e Paula Santoro. O DJ Nuts subiu junto com Brown e não entendi se ele estava tocando algo, mas foi bom vê-lo reconhecido em público pelo próprio maestro (mais uma vez) sobre o papel do seletor em sua redescoberta, afinal foi Nuts quem apresentou para o mundo o disco clássico de Verocai, que era desconhecido mesmo no Brasil até outro dia – e se estávamos reunidos naquele belo evento para celebrar um aventureiro da nossa cultura, era culpa deste historiador e discotecário sensacional. Uma bela noite.

Assista aqui:  

Arthur Verocai toca seu clássico de 1973 na íntegra, com Ivan Lins, Céu, Mano Brown e mais convidados

E essa que o Mita soltou hoje? O festival compensou a ausência do maestro Arthur Verocai, que tocará na versão carioca do evento ao lado do grupo Badbadnotgood no dia 27 de maio, em sua versão paulistana ao revelar que o levará para o Auditório Simon Bolívar, no Memorial da América Latina, para recriar seu clássico homônimo de 1972 ao lado de grandes parceiros como Mano Brown, Ivan Lins, Céu, Paula Santoro, Clarisse Grova e Carlos Dafé no mesmo fim de semana em que o festival acontece no Vale do Anhangabaú, no dia 11 de junho. Coisa fina!

O ritual Badu

Erykah Badu prometeu e cumpriu. Transformou mais uma vinda ao Brasil em uma catarse coletiva, terreiro cósmico em que misturou jazz, soul, funk, rap e boas doses de bossa nova, como ela mesma fez questão de frisar. Num evento em que tudo funcionou direitinho no Memorial da América Latina, ela esquentou o caldo da expectativa – que era palpável desde que o sol havia se posto, quando o público chegou em peso ao local – e o transbordou com exuberância, sensibilidade e técnica. Ela mostrou sem dificuldades o quanto domina tudo ao seu redor – a banda, o público, a tensão da atmosfera -, e transformou o início da noite de domingo num enorme rito transcendental, em que todos cantavam joias como “On & On”, “Appletree” e “Bag Lady” com a mesma intensidade e paixão de sua autora. Badu conduzia o público como a maestra que é, elevando a já alta temperatura deste verão de 2023 com arroubos vocais de tirar o fôlego, toque ancestral em suas percussões digitais e altas doses de simpatia – até se jogou no público duas vezes na última música, posando pra fotos e deixando os fãs cantarem trechos ao microfone. O único vacilo foi terem cortado o som no finzinho do show – ela já tinha ultrapassado o tempo limite do lugar e estava lentamente terminando a apresentação, mas a organização foi severa e deixou o fim do show com um gosto estranho. E bem que podiam ter colocado o show da Larissa Luz com a Anelis Assumpção exatamente antes do show da deusa, não no início da tarde… E quem quiser ver mais do show é só seguir assistir abaixo.  

Patti Smith é uma fofa!

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Antes de falar sobre o Popload Festival que aconteceu nesta sexta-feira no Memorial da América Latina, vamos direto ao grande final: Patti Smith mostrou que não senta-se majestática no trono do rock à toa. Mas ao contrário do que sua aura divina poderia prever, ela não pairava distante sobre os súditos que fomos vê-la. Mais do que a visita de uma entidade sobrenatural a meros mortais, a grande qualidade do terceiro show que Patti fez no Brasil era sua afetividade maternal, a forma como se entregou ao público de forma carinhosa e intensa. Mesmo depois de quebrar tudo no medley que juntava duas faixas épicas de seu clássico Horses, sorria feliz e satisfeita. “Sejam livres!”, despediu-se depois de declarar, seguidas vezes, o quanto estava apaixonada por aquele público – que devolvia a paixão intensamente.

A mera aparição de Patti Smith no palco do mudou completamente o clima do festival. Se antes era de celebração e festa, a simples visão da madre superiora do rock fez o público entregar-se em reverência à nossa senhora, mas ela fez questão de descer do altar. Mostrou-se mundana, humana e, mais que isso, matriarcal. Ela equilibrava-se entre os clichês da bruxona e da vovozinha, provando que, na prática, as duas são a mesma coisa: o colo e a praga, o acalanto e o esporro.

Vê-la derretendo-se pela plateia brasileira em vários momentos, sorrindo francamente a felicidade de estar junto a um público seu, a deixou completamente à vontade para o que ela melhor sabe fazer: contar uma história. E assim ela foi contando, enfileirando os tijolos do repertório como se mostrasse do que é feito sua obra.

Abriu com “People Have the Power” e emendou com “Dancing Barefoot” logo de cara, sem precisar esconder os hits. Depois sacou o protesto “Beds Are Burning” do Midnight Oil (que precisão cirúrgica de escolha de repertório) e enfileirou outras versões no percurso: “I’m Free” dos Rolling Stones, “Walk on the Wild Side” de Lou Reed e uma versão dilacerante para “After the Goldrush”, acompanhada apenas ao teclado, no momento mais intenso do show até pouco antes do fim. Passou por suas “Free Money”, “Pissing in the River” e “Because the Night”, alternando entre violão, guitarra e as próprias mãos, que gesticulavam com toda a epicidade que seu ar de poeta romântica exigia. Mas ao falar com o público, sorria apaixonada, como se estivesse encontrando netos – e, claro, netas – que nunca tinha visto pessoalmente.

Acenava falando “oi pessoal” sorrindo feito uma tia boba, só faltou fazer o coraçãozinho com as mãos. Estava feliz por nos fazer feliz, livre por ser o agente daquela nossa breve liberdade.

Mesmo quando ia para o outro extremo daquela mundanidade – catarrando no chão, tossindo, errando a letra de Neil Young e rindo constrangida – mostrava que sentia-se em casa, entre sua família, dançando descalça, pronta para girar. E como girou… Sempre nitidamente emocionada, o que deixou o final do show, quinze minutos entre “Land” e “Gloria: In Excelsis Deo”, os dois principais momentos de seu grande disco Horses, ainda mais intenso.

Aliás, não dá nem pra tentar descrever o que foi este momento.

O show de Patti Smith foi um evento à parte do ótimo Popload Festival. Se não contássemos Patti no elenco, o já seria um bom eveto, reunindo boas apresentações ao vivo.

O destaque ficou por conta do Hot Chip, com um show preciso e cheio de hits, praticamente um New Order deste século – que nem precisava apelar pra fazer cover de Beastie Boys, mas tudo bem.

Antes deles, o trio instrumental Khruangbin hipnotizou a plateia, a sueca Tove Lo jogou pra galera (e eram muitos fãs) e o Cansei de Ser Sexy fez um show à altura da expectativa – será que elas vão continuar em turnê pelo Brasil? Deveriam.

Depois do Hot Chip vieram os Raconteurs de Jack White e Brendan Benson, um rock genérico setentista que funciona no palco mas emociona menos que os Black Crowes (além de ter um único hit). E quando colocado em perspectiva do show que veio a seguir, ninguém nem lembrava do que aconteceu antes…

Todo o show: BaianaSystem no Memorial, 2017

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O BaianaSystem passou por São Paulo no fim de semana anterior ao carnaval e sua apresentação foi gravada na íntegra. Pedrada!

E a principal atração no 17° Festival da Cultura Inglesa é… Kate Nash!

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Mas, ao contrário das duas edições anteriores (que tiveram como principais atrações o Gang of Four e o Franz Ferdinand), este ano eu não estou na curadoria do evento, que ficou a cargo apenas do compadre Lucio, que escalou Kate Nash como principal atração, outras vão ser anunciadas em breve. Outra grande novidade da edição deste ano é que o evento sai do Parque da Independência, no Ipiranga, e vai para o Memorial da América Latina, além de seguir com edições no interior. A edição 2013 do evento em São Paulo acontece no dia 23 de maio junho.