Impressão digital #0002: Lady Gaga e a cultura do sample

Eis minha segunda coluna no Caderno 2 de domingo.

Copy & Paste A Go-Go
Todos os links de Lady Gaga

Terminei a coluna passada falando do novo clipe de Lady Gaga, “Telephone”, como uma das provas da complexidade do pop em tempos digitais. Mas a citação literal de Quentin Tarantino (a caminhonete amarela de Kill Bill) era só uma das milhares de referências que entopem os quase dez minutos do vídeo.

Ambientado em um presídio feminino (eis a primeira referência: os filmes B de Russ Meyer), “Telephone” puxa hiperlinks de todos os lados. Em um segundo, ela faz uma referência à Madonna; mais à frente, se veste de Capitão América, usa as orelhas do Mickey e depois reencena o final brega de Thelma & Louise.

Mas estas são as fáceis. As referências que estão por todo o clipe são obscuras, underground, para iniciados. O bar de beira de estrada para onde ela foge após sair da cadeia é exatamente o mesmo do seriado NCIS e aparece no mesmo enquadramento no clipe de “High & Dry”, do Radiohead. Uma receita de veneno surge em pouco mais de um segundo na tela e seus ingredientes são fictícios, saídos de títulos de ficção científica. A emissora de rádio sintonizada no carro chama-se KUK, uma paródia que a banda Queens of the Stone Age fez à rádio KLON, emissora fictícia do game Grand Theft Auto. O consultor do reality show Queer Eye for a Straight Guy, Jai Rodriguez, aparece em uma cena como um repórter de TV que filma Lady Gaga como um dos personagens de Natural Born Killers, de Oliver Stone. Num microssegundo surge a atriz pornô Aletta Ocean. E uma imagem de circuito interno da cadeia exibe a data em que o corpo do estilista Alexander McQueen foi encontrado. Sem contar o excesso de grifes que patrocinam o clipe.

Estas referências destroem as fronteiras entre nichos e transformam Lady Gaga numa artista cada vez mais importante. Sua música é trivial, mas seu impacto é visual e o clipe de Telephone é um delírio de samples visuais, de hiperlinks para outros contextos, uma homenagem à era do copy+paste, em que citar é tão importante quanto criar. Não é à toa que Tarantino já sondou a cantora para atuar num próximo filme…

Nanotrekkie
Uma Entreprise milimétrica

A nave na foto acima é uma reprodução da Enterprise do seriado de ficção científica Jornada nas Estrelas construída numa escala um bilhão de vezes menor que a original. Ela foi projetada pelos cientistas Takayuki Hoshino e Shinji Matsui do Instituto de Tecnologia de Himeji, no Japão, e mede minúsculos 8,8 mícrons, ou oito milionésimos de um metro.

Impressão digital #0001: Maturidade digital

Eis a estréia da minha coluna sobre cultura digital ontem. A coluna Impressão Digital completa o meu blog no Link e sai todo domingo, no Caderno 2.

Maturidade eletrônica

Depois de muita espera, o trailer da sequência do clássico de ficção científica Tron (1982) foi “decifrado” nesta semana. Explico: em vez de ser apenas lançado, o trailer do filme anunciado em 2008 na feira de cultura pop Comic Con (com nomes de peso como a dupla francesa Daft Punk na trilha sonora e Jeff “Lebowski” Bridges no elenco) teve de ser desvendado em uma espécie de competição online. As pistas foram espalhadas por sites com mensagens cifradas. Coletivamente, os fãs solucionaram os enigmas que, reunidos, revelavam o caminho para encontrar o trailer do filme.

O formato não é novo. Chama-se “narrativa transmídia” e é usado em quase todo grande lançamento hoje em dia. Filme, série, disco e livro ganham vida para além de seus formatos originais para se espalharem por outras mídias. O aclamado disco In Rainbows (2007), da banda inglesa Radiohead, só foi disponibilizado gratuitamente para download depois que pistas enigmáticas foram deixadas pelo grupo em seu site. O mesmo acontece com a série Lost, em que dicas deixadas pelos produtores tanto nos episódios quanto em sites estimulam a interação com o telespectador.

Toda esta complexidade parece intransponível para quem apenas observa de fora. A chegada do computador e da internet à indústria cultural fez que este processo múltiplo fosse acelerado. E o que estamos assistindo nestes novos anos 10 é a maturidade da cultura pop.

O pop surgiu durante a Depressão norte-americana, quando diversões baratas como quadrinhos, cinema, discos, literatura pulp e fliperamas se difundiram como opção de entretenimento para as massas.

No pós-Guerra, esta mesma cultura tornou-se jovem, e o adolescente – encarnado em nomes como James Dean e Elvis Presley -, público-alvo. Desde os anos 60, contudo, este mercado já não é composto apenas por sucessos descartáveis. E graças a nomes como Beatles, Bob Dylan, Zappa, Velvet Underground, Crumb e as revistas Mad e Rolling Stone, o pop foi engrossando a sua voz.

Diferentes autores localizam momentos específicos em que o que parecia ser banal ficou sério. O escritor Steven Johnson define que este momento é a série policial Hill Street Blues, dos anos 80, em que pela primeira vez os protagonistas não tinham a obrigação de aparecer em todos os episódios. O crítico Chuck Klosterman aponta para os anos 90, quando, na terceira temporada do reality show Real World, da MTV, o elenco começou a perceber que poderia atuar num programa que primava pela espontaneidade. Há outros: a chegada da geração inglesa (Neil Gaiman, Alan Moore) à HQ americana, a ida de David Lynch para a TV (em Twin Peaks), o momento em que DJs tomaram consciência do que poderiam fazer com a música alheia e o excesso de referências de Matrix, além da própria contracultura.

A era digital fez que os muros entre os nichos do pop desabassem e a paisagem cultural se tornasse eletrônica no novo século. Nela, todos estão conectados entre si e os polos emissores e receptores da comunicação se confundem. Não é à toa que Lady Gaga lançou nesta semana um clipe (“Telephone”) que não é só um vídeo promocional mas um curta, com direito a citação literal de Tarantino – e que foi lançado, como o trailer de Tron Legacy, direto na internet.

“I’m out and I’m gone!”
Beastie Boys x ‘Galactica’

O dono do login katamaran78 no YouTube fez um mashup reeditando o clipe de “Sabotage”, dos Beastie Boys, com imagens do seriado de ficção científica Battlestar Galactica. Busque pelos termos “Sabotage” e “Galactica” no site. Ele ainda editou um vídeo em que mostra as versões – o clipe original e seu mashup – para comparar as duas.

“Play it again”
A segunda vinda do Keyboard Cat

Fatso, hit no YouTube tocando teclado, morreu vinte anos antes de virar mania. Esta semana seu dono revelou sucessor para o bichinho, chamado Bento.

Impressão Digital

O Estadão muda de cara depois de amanhã, tanto no site quanto em papel, e o meu blog lá no Link ganha uma versão impressa. A partir do dia 14 comando a coluna Impressão Digital, que sairá todo domingo e traz os temas do Link para o leitor do Caderno 2. Nem vou pedir pra você comprar o jornal, porque eu prefiro sugerir a edição de segunda-feira – e o Link tá fodaço (mais do que normalmente é).