Walter Franco (1945-2019)

, por Alexandre Matias

WalterFranco

Morre um gigante da música de vanguarda brasileira. Walter Franco fez parte de uma linhagem da nossa música que expandiu os horizontes daquilo que foi cogitado pelo tropicalismo no final dos anos 60. Ao lado de artistas como Tom Zé, Jards Macalé, Itamar Assumpção e Jorge Mautner (que o tempo colocou na infame prateleira de “malditos”, coisa que felizmente está mudando), entortava a canção para formatos impensáveis à época, conseguindo atingir o grande público mesmo fazer experimentos que chocavam e confrontavam os padrões. Autor de clássicos como “Canalha!”, “Respire Fundo”, “Cabeça” e “Me Deixe Mudo”, ele compôs duas obras-primas que mantiveram seu nome entre os grandes, mesmo quando ele estava afastado dos holofotes: Ou Não (o disco da mosca, de 1973) e Revolver (1975). Este último – cujo título é o verbo e não a arma, não há acento – é um dos discos mais importantes da música brasileira do século passado e um dos meus discos favoritos. Walter havia sofrido um AVC no início do mês e estava internado desde então – preocupados, amigos e conhecidos esperavam que ele pudesse se recuperar, o que infelizmente não aconteceu.

Walter Franco e eu

Walter Franco e eu

Pude conhecê-lo no final de 2017, quando tive a oportunidade de agradecer sua importância ao conceber dois shows em sua homenagem no Centro Cultural São Paulo. Propus que ele tocasse seus dois principais álbuns ao vivo em duas apresentações distintas – a primeira dedicada a Ou Não, a segunda a Revolver. Ele preferiu não reler Ou Não pois é um disco essencialmente de estúdio – Walter chamou Rogério Duprat para arranjar o disco e o maestro preferiu picotá-lo e reeditá-lo, transformando-o em um dos primeiros discos cujo principal material foi concebido após a gravação. Assim, em vez de tocar Ou Não na íntegra, sugeriu que tocasse algumas músicas daquele disco – mais fáceis de tocar ao vivo – e outras de seu repertório que não estavam naqueles dois álbuns. Perfeito, assim contemplaríamos todo seu legado.

O fim de semana que chamei de Viva Walter Franco ainda teve a graça de ter uma das datas caindo em seu aniversário de 73 anos e, capricornianos de janeiro eu e ele, rimos da coincidência numérica: os shows festejavam 45 anos de carreira de um autor nascido em 1945 e o aniversário de 73 anos de um artista que lançou seu primeiro disco em 1973. Antes dos dois shows, o jornalista Thales de Menezes, que estava escrevendo a biografia do mestre, entrevistou Walter em frente ao público. Bonachão e tagalera, Walter terminou o segundo show em êxtase, quase sem conseguir falar direito – cercado pelo público no palco da mítica Adoniran Barbosa (na foto abaixo que até hoje está como imagem de capa de sua página no Facebook). Me chamou no canto, depois de cumprimentar os fãs um a um, enxugou os olhos, ajeitou os óculos e me disse baixinho: “Obrigado Matias, esse foi um dos dias mais felizes da minha vida. Que presente que você me deu.” Chorei junto.

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Eu que agradeço seu Walter. Por tudo.

Abaixo, a íntegra dos dois shows.

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