Viviane Menezes

, por Alexandre Matias

E essa é com a Viviane Menezes, a primeira blogueira do Brasil. Cadê ela hein?

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Entrevista publicada em 14 de agosto de 2002

É ela!

Viviane Menezes, do White Noise, é – mesmo – a pioneira em weblog no país

“Até agora não achei um weblog brasileiro anterior a ele, mas não tenho como confirmar se foi mesmo o primeiro”, assim Renato Pedroso Jr., o Nemo Nox, explicava o título de blogueiro mais antigo do Brasil, em entrevista a este site, no começo do mês. Assim que a entrevista foi ao ar, mensagens via ICQ e alguns emails vieram perguntar sobre uma menina gaúcha. “E a Vi?”. Fui atrás dela.

E que surpresa descobrir que a Vi é Viviane Menezes, uma gaúcha de 23 anos que bloga desde fevereiro de 1998, exatamente um mês antes do Nemo Nox começar seu Diário da Megalópole. Vi, que posta diariamente em seu White Noise (versão Outono/Inverno) pode ser considerada ainda mais veterana que Renato, pois começou a escrever seus diários online em 96, mas sem o formato de blog. Em seus tenros 17 anos, ela escrevia o que, na época era conhecido por “journal” (diário, em inglês), com uma página em HTML para cada dia passado. Sem querer desmerecer o pioneirismo de Renato nem seu trabalho, é muito mais legal para o país ter uma blogueira típica – uma menina escrevendo sobre a sua própria vida – do que um jornalista sério falando dos problemas do mundo ocupando tal posto. Sabe como é: blog, acima de tudo, é comportamento…

Mas Vi (olha o cara, já tá íntimo…) está longe de ser uma blogueira típica. Ela não gosta do oba-oba que a comunidade online criou assim que o Blogger se tornou uma realidade. O formato para ela é mais terapêutico que social: “Pra maioria das pessoas, é um jeito de conhecer pessoas, fazer novas amizades. Ou um meio de falar dos assuntos que gosta e ser ouvido. Eu já passei dessa fase”.

Cursando letras na UFRGS e direito na PUC-RS, ela é apaixonada por idiomas (fala inglês, italiano e começou a fazer russo), mas o que a levou a estudar japonês foi a paixão pela cultura pop japonesa. Otaku assumida, ela tirou seu nick (LilKitsune) da personagem Kitsune, de seu mangá favorito, Love Hina. O “Lil” é uma abreviatura do “little”, em inglês, “porque sou pequena”. Além do blog, ela ajuda uma amiga a organizar a versão sulista do AnimeCon, encontro nacional de fãs de animes e mangás, que aconteceu em julho em São Paulo. Segue a entrevista, feita em duas etapas.

PLAY – Fale sobre os seus primeiros dias na internet…
Viviane Menezes –
Meus primeiros dias foram em fins de 1994, com meu primeiro computador e BBS… Mal estavam começando a surgir provedores de internet, os sites ainda engatinhavam, não havia todas essas frescuras de CSS, scripts mil, etc…:) Eu navegava via Lynx, acessava BBS, olhava meus emails, falava com alguns amigos que foram pra longe. E em 96, quando tropecei nalguns diários na internet, descobri que tinha toda uma comunidade em volta disso lá fora. Foi como achei uma boa maneira de manter os amigos de longe atualizados.

PLAY – Como funcionava? Quais eram os provedores?
Vi –
Eu usava a Renpac, da Embratel, e por ali acessava por via discada a conta de email e Telnet de um primo na UFRGS. Pagava uma fortuna por esse serviço. De provedores aqui no Sul tavam surgindo a Plugin, mas não lembro quais outros… Isso foi em 94. Em 96 já tinha o Zaz, a Mandic BBS já tava crescendo.

PLAY – Quantos anos você tinha quando começou os diários?
Vi –
17,18.

PLAY – E como eram estes primeiros diários? Haviam links?
Vi –
Eles não existem mais online. Tenho cópias de alguns em disquetes e CDs. Era diários mesmo, tudo que se fala em um diário de papel. Links apareciam de vez em quando, para outros companheiros “journallers”, como o pessoal se chamava lá fora. A diferença é que era tudo feito manualmente, geralmente um texto longo por dia, com links para o dia anterior, o seguinte, os arquivos e outros journals…

PLAY – Você escreve em diário desde pequena?
Vi –
Dá pra dizer que sim. Desde os 12, 13 anos.

PLAY – E mudou muito o teor do que você escrevia, de lá pra cá?
Vi –
É sim, bem diferente do que eu escrevia aos 13 anos porque naquela época eu não tinha grandes preocupações na vida, como a maioria das crianças normais (ri).

PLAY – Por que você escreve diário? É instintivo?
Vi –
Sempre tem um propósito, eu sei os motivos. É raro ser instintivo porque eu rumino muito as idéias antes de pôr pra fora. Eu escrevo quando não aguento mais pensar no assunto. Só escrevo por impulso quando tou com TPM, mesmo. Como ontem.

PLAY – Como você vê seus textos atuais? Qual é a função do seu blog?
Vi –
Eu não tenho um estilo, um tipo de texto definido. A função do meu site é, ainda, principalmente, falar com os amigos que estão espalhados por aê pelo mundo, e um lugar pra descarregar as coisas que incomodam, as pequenas futilidades que me alegram, que podem não valer nada pra ninguém, mas que pra mim tem muita importância na definição de que tipo de pessoa eu penso que sou.

PLAY – Blog é terapia?
Vi –
Dizer que é terapia é uma generalização que não dá pra fazer. Cada um tem um blog por uma razão diferente e acho que pra muitos não são terapia. O meu weblog é uma terapia, sim. Escrever me ajuda a pensar com mais clareza nas coisas que eu sinto. Reler os arquivos meses depois me ajuda a ver muita coisa que mudou e que eu não tinha me dado conta. Consigo ver o que mudei pra melhor, no que eu piorei com o tempo. Pra maioria das pessoas, eu acho, é um jeito de conhecer pessoas, fazer novas amizades, não exatamente terapia. Ou um meio de falar dos assuntos que gosta e ser ouvido. Eu já passei dessa fase.
Pra mim, se alguém lê ou não, não importa. Tanto que fico tempos sem escrever e não me preocupo se tou perdendo audiência. Escrevo quando preciso ou quando quero dividir algo com meus amigos que não posso ter perto.

PLAY – E como você viu a febre dos blogs crescer?
Vi –
Bom, eu comecei fazendo em inglês, como uma seção de menor importância dentro de um diário que eu tinha. Era onde eu escrevia quando queria ser breve, mas tinhas algo a dizer. De repente, no final de 1999, encontrei um, dois, três brasileiros. E resolvi fazer em português. Era início de 2000 e em poucos meses surgiram vários. No início era fácil acompanhar todos que tinha, em menos de seis meses, ficou impossível!! Virou moda, uma que todo mundo devia aderir, pra fazer amizades, expressar sua opinião, etc. Agora estamos no segundo estágio, weblogs como uma ferramenta poderosa de mídia, jornalismo, etc. Fico imaginando qual será a próxima fase de teorias… (rindo)

PLAY – Você lembra dos primeiros blogs? Vocês se conheciam (ao menos virtualmente)?
Vi –
Eu lembro que o primeiro que descobri foi o Marcus Amorim (do Zamorin), e acho que foi ele que me achou por uma reportagem da revista Webguide e outra da revista Internet.br. Através dele que encontrei outros links, do site dele. Era o Boimamu, a Cortina, a Telescópica do Jean Boechat… Eu acompanhava, mas não interagia com eles não. Só bem depois vim a conhecer alguns virtualmente… (ri) Hoje em dia não tenho muito saco pra isso, não mantenho muito contato com outros webloggers.

PLAY – Os pioneiros se sentiam parte de um clube recém-fundado?
Vi –
Eu nunca me senti parte de um clube, até porque já fazia isso há tanto tempo, escrever online, que pra mim não era novidade. Mas pra muitos acho que foi legal essa explosão, ter mais gente, mais diversidade. Pra outros não foi muito legal, pois também surgiu muita gente que só queria saber de linkar e ser linkado. Mas isso é uma sensação que eu tive, acompanhando listas de discussão. Não posso falar da reação de ninguém específico.

PLAY – Por que você não tem mais contato? Encheu o saco?
Vi –
Enchi um pouco o saco sim. Quando o pessoal do Rio Grande do Sul se reúne, o que não é freqüente, eu vou na boa, acho divertido, mas não tenho mais saco nem tempo pra ficar fazendo política de boa vizinhança pra aumentar audiência ou o número de links que eu tenho por aí (ri)… Não tenho muito tempo ultimamente, então gosto de aproveitar o pouco que tenho pra cuidar do meu weblog, que já fica bem negligenciado com freqüência.
Sei que essa minha postura é totalmente antipática, muita gente fica chateado, zangado, me acham esnobe, mas é que realmente o meu interesse com meu weblog é outro… Cada um sabe de seu propósito (ri).

PLAY – Todo mundo deve ter seu próprio blog?
Vi –
Eu acho que todo mundo tem direito de ter o seu, mas isso não significa que todos tenham a capacidade de ter. Como eu disse, cada um sabe seu propósito. Se o motivo é brincar de ser popular e fazer novas amizades, tudo bem, mas não fiquem censurando quem não tem este propósito. Tem gente que te xinga, te malha e diz “por que tu tem weblog então, se não quer fazer amizades?”. Se dêem conta que um weblog não é só isso pra outras pessoas. Não é concurso de popularidade. Se é pra ficar concorrendo com os outros, então melhor não ter.

PLAY – Mas, por outro lado, existe um oba-oba forcado entre os bloggers brasileiros… Aquela história de “fala bem do meu blog que eu falo bem do teu”…
Vi –
Não gosto desse oba-oba, desse falso “dever”. Já fui muito antipática, às vezes grossa mesmo, com gente que ficava me cobrando isso. Como eu disse, pra mim não é concurso de popularidade. Eu estou há tempos fazendo isso. Um dia a moda acaba e talvez eu ainda esteja fazendo isso, é algo necessário pra mim. Então, eu não vou estar distribuindo links pra receber um de volta. Não preciso. Adoro quem me lê e tem gente que lê há muito tempo. Nem sempre consigo responder meus emails mas cada vez que recebo email deles, já sei quem é, tenho carinho. Prefiro dar links pra pessoas assim, que eu aprendi a gostar e tenho vontade de acompanhar, seja por serem também meus leitores, por serem meus amigos ou porque o weblog me cativou.

PLAY – Seu blog sempre teve o mesmo nome?
Vi –
Meu weblog mudou muito de nome. O primeiro era Delights to Cheer, que era o nome do diário que eu tinha. Depois veio o Duhast.org, que foi um domínio que eu tive. Dele, passei pro Antropomorphica, onde tinha o Antropolog. Depois que deixei de ter estes domínios e passei a ter o Wiredkitsune, só os títulos tem mudado… Já tive o Jogo da Verdade, o Pequenas Vontades. Insanities, White Noise Verão, e agora o White Noise Outuno/Inverno. Tive mais títulos e visuais, mas nem lembro de todos. Os títulos geralmente tinham a ver com coisas q eu curtia no momento (rindo).

PLAY – Como ele mudou, com o passar do tempo?
Vi –
Já escrevi mais sobre generalidades, comentários sobre sites legais, notícias importantes, livros… Atualmente é algo bem egocêntrico. Falo de mim e era isso (ri). Foi desenvolvendo-se naturalmente.

PLAY – Compare o seu amadurecimento pessoal com o amadurecimento do seu blog…
Vi –
Eu não acho que meu weblog amadureceu. Talvez tenha regredido um pouco. Já foi mais informativo, já foi mais interessante, mais atualizado. Hoje em dia acho que o conteúdo interessa mais pra mim do que pros outros. Eu certamente amadureci bem mais que ele. Através dele dá pra notar o meu crescimento lendo os arquivos todos. Mas não dá pra olhar e dizer também que o weblog amadureceu.

PLAY – Você acha que o seu blog é uma extensao da sua personalidade?
Vi –
Ele não é extensão da minha personalidade. Ele só reflete fragmentos da minha personalidade. Mostra pedacinhos de mim, como num quebra-cabeças mesmo. Mas eu não sou só aquilo que está ali. Eu sou muito mais. Há outras tantas coisas que eu sou/faço/penso que não estão ali. Não tem como… Ele dá uma idéia de como eu sou. É um rascunho meu.

PLAY – Você já se sentiu invadida?
Vi –
Já, já me senti. Porque acontece de ler um weblog e se apegar à pessoa. Dá a falsa sensação de conhecê-la como se fosse uma velha amiga. Já teve gente com essa impressão e que falava comigo por email ou ICQ, e que se esquecia que eu, por outro lado, não tinha qualquer idéia sobre quem elas eram, do que gostavam, embora elas se sentissem minhas velhas amigas. E esperavam ser tratadas assim e isso praticamente não acontecia. Ficavam muito chateadas, algumas eram agressivas. Eu sou temperamental, respondia no mesmo tom, muitas dessas pessoas deixaram de gostar de mim.

PLAY – E como você se sente em relação a isso?
Vi –
Eu me sentia mal no início. Depois aprendi a ignorar, deixou de me afetar. Hoje em dia só fico triste que não tenho conseguido tempo pra responder às pessoas que ainda têm coragem de me escrever (pouquissímas, infelizmente), e que nunca me cobraram este tipo de resposta.. Esse tipo de tratamento de “velhos amigos” sem me dizer nada sobre elas mesmas…

PLAY – E como é a sua rotina com o blog?
Vi –
Escrevo só quando tenho vontade. ou seja, pode ser a qualquer momento desde que eu esteja no computaodr, que é quase sempre que estou em casa e não tem tempestade lá fora. Geralmente escrevo e posto só de casa, mas não tenho nenhuma rotina. Sou indisciplinada…