Tudo Tanto #015: O salto de Mariana Aydar

, por Alexandre Matias

marianaaydar

Escrevi sobre o impressionante Pedaço Duma Asa, o disco mais ousado de Mariana Aydar, na última edição do ano da minha coluna da revista Caros Amigos.

Sem rede de segurança
Mariana Aydar arrisca-se como nunca em seu disco Pedaço Duma Asa e o resultado surpreende

Não espere a Mariana Aydar sorridente e solar. Mesmo que seu novo disco – Pedaço Duma Asa – comece com as palavras “Mamãe, papai”, elas soam mais como desafio e desprendimento do que colo e porto seguro. Sua voz soa implacável e imponente, mas sem deixar de expor fragilidades e sutilezas própria do universo que se propôs a retratar.

Pedaço Duma Asa é o mergulho que Mariana deu na obra de Nuno Ramos, artista plástico que cada vez mais vem se firmando como um dos principais compositores da nova música paulistana. Quase sempre em parceria com seu dupla Clima, a obra de Nuno começou a ser investigada por Rômulo Fróes e pouco a pouco conquistou diferentes compositores e intérpretes que estão reinventando a música brasileira. Mariana foi uma das pioneiras.

“Gravo o Nuno desde o segundo disco, gravei duas no meu segundo disco e uma no terceiro”, ela me conta. “Mas eu deixei, por exemplo, passar ‘Barulho Feio’ – eles me mandaram pra gravar no terceiro disco e eu não gravei. Deixei passar e fiquei super arrependida”, comenta sobre a música que acabou batizando o disco de Rômulo de 2014.

A imersão aconteceu por convite de uma série de eventos realizados pelo Oi Futuro Ipanema, no Rio de Janeiro, chamado Palavras Cruzadas, em que o diretor Marcio Debellian convida artistas de diferentes mídias para se encontrar no palco através do texto. Ao ser convidada, Mariana nem piscou e pensou imediatamente em Nuno: “São canções que já estavam muito comigo.”

E ao entrar em um universo formado por nuvens na cara, dores cegas, cães, olhos gordos, aves pretas, defeitos, bumbos furados, serpentes, ciscos no olho, sambas tristes, solidão, agogôs quebrados, mortalhas e jardins de sal ela não poderia entrar solar como nos seus primeiros disco. E a armadura para atravessar este cenário ríspido foi criada com dois velhos cúmplices: o marido Duani e o amigo Guilherme Held.

Juntos, eles criaram uma sonoridade crua e distante, mas ao mesmo tempo intensa e emotiva, usando poucos pilares: a percussão de Duani, que se entrelaça com linhas de baixo sintetizado programadas pelo marido de Mariana,, a guitarra lisérgica de Gui Held – que ecoa simultaneamente a psicodelia inglesa e o pós-tropicalismo do início dos anos 70 – e a voz de Mariana, cada vez mais segura de si. “Eu vejo muito esse disco como um disco de samba, ele tem um DNA de samba”, explica.

“Acho que essa sonoridade sairia independente do que eu fizesse agora”, ela explica. “A gente vem a construindo, eu, o Duani e o Gui Held junto com o Letieres (Leite, maestro e arranjador baiano), desde o Cavaleiro Selvagem. Mas dá pra pra espremer mais coisa dela. Qualquer coisa que eu fosse fazer agora eu já teria essa formação: a guitarra e os três tambores.”

O casamento desta musicalidade com a temática de Nuno Ramos é precisa, ao mesmo tempo em que atemporal e despatriada. Embora faça questão de se definir como uma artista de música brasileira, Mariana não encontrar fronteiras territoriais em seu universo particular: “A gente brinca que esse caminho é afromântrico. Eu queria fazer uma coisa mais minimalista, bem simples, com poucos instrumentos. E vi que cabia ali. Quando eles (Nuno e Clima) me mandavam as músicas, eu já entendia elas desta forma. E quando eu mostrava para o Duani, ele puxava um batuque e em seguida o Gui vinha com a guitarra.”

É o disco mais ousado da carreira de Mariana e também seu grande salto no escuro – e a ousadia de trabalhar sem rede de segurança não diz respeito apenas à musicalidade. É também o primeiro disco independente dela, que até então havia lançado discos pela gravadora Universal.

“Mas eu sempre tive muita liberdade em grande gravadora, embora sempre tivesse aquela coisa de ‘a música pra rádio’, essas coisas…”, explica. “E nesse disco… Não cabia. Não podia nem fazer isso com a gravadora, porque eles sei que eles investem e esperam um retorno. E eu não vou fazer uma música desse disco pra tocar na rádio. E eu vejo esse disco como um projeto pessoal. A gravadora é uma parceria, e acho que ainda é uma força. Eu não descarto a possibilidade de trabalhar com uma gravadora, se for uma coisa legal pro meu trabalho e se eu tiver essa autonomia que eu sempre quis. E o bom é que se não tiver, a gente tem esse outro caminho, independente.”

O selo, mais uma parceria com o marido, chama-se Brisa, o mesmo nome da filha dos dois, que nasceu em 2013. Mas não foi lançado apenas para este projeto, nem para os próprios trabalhos dela: “Sempre tive vontade de lançar artistas que eu gosto”, conta, “Tem um cara que eu quero muito fazer o disco pra lançar pelo selo Brisa que é o Dió de Araújo, que tem um trio que chama Trio Xamego, que é super tradicional, de forró, e ele tem músicas maravilhosas. Tem uma música que se chama ‘Boto Azul’ que ele me mostrou num forró e eu fiquei, ‘gente, o que que é isso!’. Eu queria muito fazer um disco dele, mas ele tá relutando um pouco, ele quer fazer um disco de forró e eu tô falando pra ele que o disco só vai sair se não for de forró”.

Vamos esperar.

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