Duas realidades

Boa idéia, essa da Trip. Em vez de repetir de novo a capa do Tropicália (talvez o maior clichê do jornalismo musical brasileiro), eles foram atrás de uma clássica capa de uma antiga Realidade com Milton Banana, Jairzão, Magro do MPB-4, Caetano, Nara, Paulinho da Viola, Toquinho, Chico Buarque e Gil…

…e a recriaram com Junio Barreto, Rômulo Fróes, Ganjaman, Tatá, Catatau, Hélio do Vanguart, Thalma, Kassin e Céu.

Mas em vez da matéria ser mais uma cantinela de viúva da MPB tentando enquadrar novos Caetanos ou as “novas divas” que alimentam cadernos de cultura pelos jornais do Brasil, o texto do Bressane concentra-se em um ponto específico desta geração anos 00 – o perfil colaboracionista, em que todo mundo já tocou com todo mundo. A pauta só peca por insistir nessas de MPB – o atual pop brasileiro (inclusive o que inclui os nove acima) vai muito além da canção e do violão, e inclui hip hop, indie rock, psicodelia, bocas desdentadas, groove latino, bateria eletrônica, guitarra elétrica e versos em inglês.

Mas eu sei como funcionam as revistas…

"Play the Part"

O Torturra fez uma longa entrevista com o Amarante pra Trip (e botou fotos em seu Flickr). Nesse trecho ele fala do Los Hermanos:

Pergunto sobre isso porque já fui a shows do Los Hermanos e tinha hora que parecia o Menudo, gente se descabelando, um tipo de fã, ou fama, que vai além da mera exposição. Minha pergunta é: o fato de você ter visto isso acontecer mudou sua visão de como você entende a cabeça das pessoas?
[Pensativo] Eu não sei se mudou a forma como vejo o ser humano. Acho que, mais do que mudar a minha visão das pessoas, mudou a mim profundamente. Por causa da exposição. Você está aqui me entrevistando, e para mim é um exercício de expressão que tem a sua violência. Me obriga a ter clareza, a fazer algum sentido, me obriga a ser aberto, mas não ser bobo. O fato de ser famoso me fez aprender a lidar com isso, a saber no que acredito e no que eu não acredito. Essa é uma reação da interação que tenho com as pes soas, entendeu? Não posso acreditar quando um fã vem e diz que sou um gênio.

Mas isso mexe com o teu ego?
Claro! É isso que estou te dizendo, o campo de ação disso é o ego. Então o crescimento que eu tive é por causa dessa violência com o ego, de ter que me entender através disso, de acreditar ou não no que está sendo dito por mim e sobre mim. Na imprensa ou num adolescente que fala alguma coisa. Então é um filtro ou uma espécie de espelho, totalmente imprevisível e louco. Acho que tive a oportunidade de crescer com isso desde os 21, quando comecei a subir em um palco para pessoas que pagaram um ingresso para me ver tocar.

E os egos dentro da banda não entravam em conflito?
No Los Hermanos, isso foi uma coisa muito importante, a gente sempre teve uma postura entre nós muito franca e de questionamento de toda a estrutura do astro, da celebridade e de tudo isso. Sempre tivemos um pé atrás para observar essas coisas, dividir as nossas observações. Sem dúvida eu não estava sozinho nesse processo todo.

Era uma boa turma?
Era uma ótima turma! E essa postura veio logo por causa de a trajetória do primeiro single, “Anna Julia”, ter sido aquele sucesso todo, a gente teve um choque de exposição muito grande. Então foi bom porque, na primeira tateada, a gente falou: “Opa, peraí, talvez isso aqui seja mentira”. Quando alguém nos dizia: “Ó, se você não for nesse programa de televisão, sua carreira está acabada”. Ou então: “Pro pessoal de determinado canal, sabe como é, não pode dizer não”, esse tipo de coisa. E a gente começou a falar: “Será isso? Vamos ver se é verdade?”. E começou a experimentar, e viu o que era e o que não era real. Aí, da mesma forma, isso se refletiu na relação com as pessoas, com os fãs. Estar no Los Hermanos me deu um pé no chão.

E o que aconteceu com a banda? Foi uma separação tranqüila mesmo?
Foi. Porque, como eu falei, a gente sempre conversou. Quando a gente estava para fazer o quinto disco, não tinha repertório. O Marcelo [Camelo] e eu estávamos sem um grupo de canções que fosse substancial. No caso do Marcelo, eu sempre disse que ele tinha que fazer um disco sozinho, ele sempre teve várias músicas que não cabiam na banda, não combinavam com o formato, mas eram lindas. Só que ele nunca teve tempo, era sempre disco, turnê, disco, turnê, então vimos que era hora de fazer outras coisas.

Para quem estava de fora, foi estranho, pois foi não só repentino mas no meio de uma fase muito boa.
A gente tinha contrato para entregar um disco, uma turnê pra fazer, o lance da máquina. No sentido comercial não fazia sentido. Mas nunca foi por causa disso que a gente fez música. Sem tesão não há solução, já dizia Roberto Freire. Então foi por causa da música… a gente não queria enganar ninguém. Se fosse assim a gente faria mais um disco, ganharia mais uma grana. Pode funcionar para outras bandas, mas para a gente não. Ainda mais com os fãs que a gente tem, que são incríveis, que têm a maior dedicação, o maior carinho. A gente não quis fazer qualquer coisa.

E foi triste o último show?
Foi ótimo. Teve uma melancoliazinha, né? Uma estranheza de pensar: “Pô, a gente está aqui tocando e não sabe quando vai tocar de novo”. Mas é assim, cara, a vida é isso aí.

Mas tem mais aqui, ó. E aqui tem um videozinho com trechos de um show do Little Joy:

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Trabalho novo

“Nossa vida é o assassinato pelo trabalho: durante sessenta anos ficamos enforcados e estrebuchando na corda, mas não a cortamos”

Duas publicações na banca falam de um assunto que eu venho falando há um tempo e que, pouco a pouco, vem sendo assimilado (mesmo que na marra) pela maioria das pessoas: como o trabalho (emprego, salário, benefícios, horário, patrão, essas coisas) se tornou uma coisa completamente sem sentido e que as pessoas precisam se divertir, ficar sem fazer nada, contemplar a vida e fazer o que gostam, em vez de gastarem sua energia vital sem a mínima salubridade.

A Trip traz uma matéria sobre coletivos em que lista nomes como Bijari, Formigueiro e Instituto, entre outros, como exemplos de novas formas de trabalhar. A matéria começa com a tônica de provocação típica deste assunto: “Você tem um sonho profissional e acha impossível realizá-lo? Por quê? Você não tem um monte de amigos na mesma situação?” pra continuar: “Está sem emprego e sem perspectiva? Cansou de engolir chefe mala? Não quer um trampo burocrático numa grande empresa? A revolução está nas suas mãos”.

O único porém da matéria é fechar-se em grupos tecnocêntricos (gente que faz bonito porque, entre outras coisas, investiu em equipamento) e ficar só no eixo Rio-SP. O único coletivo mais lo-fi citado é a Livros do Mal, mas há coletivos espalhados por todo o Brasil e que não tem muito mais equipamento do que o básico (computador, alguns programas, acesso à internet – às vezes menos que isso), gente trabalhando em condições muito mais próximas da realidade do que parece supor o texto. Entre os coletivos citados está a Conspiração Filmes, que, apesar de na prática funcionar como um coletivo, vive uma esfera mais próxima das agências de publicidade. Mas, no geral, a pauta é boa e é bom saber que tem gente no mercado editorial vendo esse tipo de coisa.

(Um parágrafo/parêntese para comentar uma das capas, com o Sérgio Dias: é a segunda vez que os Mutantes aparecem em uma capa de revista – e com a mesmíssima foto que foi capa da Bizz numa das edições de seu último ano de existência. Até aí vai. Foda é identificar o cara como “Sérgio Batista”, sendo que nem é preciso manjar muito de Mutantes pra saber que os irmãos Arnaldo e Sérgio dividiram seus sobrenomes irmãmente: Arnaldo ficou com o Baptista (com o P mudo) e o Sérgio ficou com o Dias – tanto é fato que a revista publica o email e o site do músico (www.sergiodias.com.br). Mas o pior é o rancor do guitarrista, que atravessa toda a entrevista, culminando com a pérola: “Drum’n’bass? Hip hop? Cadê o movimento cultural por trás disso?”. Ficar velho é uma bosta…)

A outra revista que aborda a doença que se tornou o trabalho é a edição da semana da Carta Capital. A pauta é explicada na própria capa: “Quando o trabalho destrói a vida: quem tem o privilégio de estar na ativa sofre cada vez mais de ansiedade, depressão e estresse. Pesquisadora canadense diz: ‘O brasileiro trabalha demais'”. Ainda há textos sobre e-escravidão e um manifesto-relâmpago do Robert Kurz, do grupo Krisis. Vale citar um trecho de um artigo do professor Thomas Wood Jr., o guru de administração de empresas da revista:

“Eventualmente, pergunto a gerentes e alunos de programas executivos como anda seu dia-a-dia profissional: a resposta vem em forma de desabafo, seguido por histórias de terror sobre jornadas diárias de 14 ou 16 horas, pressões imensas e prazos impraticáveis. Então, lanço uma segunda pergunta: e o que vocês têm realizado de importante e interessante, ultimamente? Segue notável, significativo silêncio”

Pelo menos algumas coisas estão sendo ditas.

“Vozes em sua cabeça dizem: ‘Pare de gastar seu tempo, nada vai acontecer. Só um tolo acreditaria que alguém irá te salvar. Os caras da fábrica estão velhos e cansados, você não tem nada a perder, por isso saia correndo. São os melhores anos da sua vida que querem roubar”

As aspas do começo do texto é a frase que encerra o Manifesto Contra o Trabalho, do grupo Krisis (você nunca leu o Manifesto? Pô, tem de graça na internet – use a impressora do seu patrão contra ele), retirada da peça A Morte de Danton, de 1835, do dramaturgo austríaco Georg Büchner. As aspas do final é a parte do meio de “Clampdown”, do Clash.