Cabeça Aberta: Velvet, Kubrick, Mutantes e Alan Moore

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A partir do mês de junho, começo a ministrar a série de cursos Cabeça Aberta, que idealizei para falar sobre obras revolucionárias na Unibes Cultural, em São Paulo. O subtítulo do curso – Discos, filmes e livros que criaram o mundo de hoje – explicita melhor o viés utilizado para escolher as obras a serem analisadas, que nesta primeira edição resumem-se em quatro: o disco de estreia do grupo Velvet Underground, The Velvet Underground & Nico, o famoso disco da banana, é o tema da primeira aula, dia 2; seguido do clássico de Stanley Kubrick, 2001 – Uma Odisseia no Espaço, tema da segunda aula, dia 9; depois temos o terceiro disco dos Mutantes, A Divina Comedia ou Ando Meio Desligado, no dia 23; e encerramos no dia 30, com a obra-prima de Alan Moore, a série em quadrinhos Watchmen. São aulas que evidenciam o potencial revolucionário destas quatro obras e dissecam suas origens, influências e impacto cultural para mostrar que a cultura tem o poder transformador de capturar ansiedades e expectativas de diferentes épocas e transformá-las radicalmente com um disco, um filme ou uma história em quadrinhos. Os cursos acontecem sempre aos sábados, na Unibes Cultural (Rua Oscar Freire, 2.500, ao lado da estação Sumaré do Metrô, telefone: 11 3065- 4333), das 14h às 17h, e podem ser feitos separadamente, embora quem fizer os quatro contará com um desconto (mais informações aqui).

Velvet Underground, por Todd Haynes

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O diretor indie Todd Haynes, que dirigiu Velvet Goldmine e Eu Não Estava Lá, contará a história do Velvet Underground, a banda mais influente do rock independente, usando apenas imagens de época – publiquei trechos da entrevista que ele deu sobre o assunto no meu blog no UOL.

No ano em que seu mítico primeiro disco completa meio século de vida, o grupo norte-americano Velvet Underground vai ter sua curta saga levada às telas de cinema. O diretor Todd Haynes irá contar a história do grupo criado por Lou Reed e John Cale e hypado por Andy Warhol usando apenas imagens de arquivo, como revelou em entrevista à revista Variety.

Diretor de filmes independentes de sucesso como Longe do Paraíso (2002) e Carol (2015), Haynes disse que seu novo filme irá “ser baseado em alguns filmes de Wahrol mas também na rica cultura do filme experimental, um vernáculo que perdemos e não mais o possuímos e que cada vez mais o vemos sendo removido de nós”, disse o diretor em entrevista dada durante sua participação no festival de cinema de Locarno, na Itália.

Um dos grupos mais influentes da história da música pop, o Velvet Underground foi fundado em Nova York pelo poeta e compositor de aluguel Lou Reed e pelo músico erudito John Cale, que fundaram uma banda de rock que tinha o compromisso de nunca fazer concessões. O grupo passou a compor sobre sexo, drogas e violência tocando músicas com poucos acordes e com um som muito alto em moquifos de Nova York até ser descoberto pelo artista plástico Andy Warhol, que apadrinhou a banda. Nos braços de Warhol, o grupo conseguiu lançar seu primeiro disco, The Velvet Underground and Nico, considerado o marco-zero do rock underground, influenciando artistas tão diferentes quanto David Bowie, Iggy Pop, Brian Eno, Television, Patti Smith, Sex Pistols, Joy Division, Gang of Four, Sonic Youth, Galaxie 500, Nirvana e Strokes.

O grupo gravou apenas quatro discos e teve uma carreira que durou pouco mais de cinco anos, antes da saída de Lou Reed em 1970, que sepultou a história da banda. Não chegou a fazer sucesso comercial e justamente por isso são raras as imagens de arquivo do grupo, o que torna o desafio de Todd Haynes ainda mais complexo, uma vez que ele usará apenas imagens da época. Haynes falou sobre a “emoção da pesquisa e da montagem visual” e de “mergulhar nas fontes e no material e em imagens de arquivo e no cinema de fato e no trabalho experimental”, uma vez que lidará com as cenas filmadas pelo próprio Andy Warhol, que fazia filmes com integrantes da banda, além de filmar apresentações do grupo para projetar sobre o próprio grupo em outras apresentações.

O diretor, que já fez filmes sobre ícones do rock, como Velvet Goldmine, de 1998, sobre o glam rock e Não Estou Lá, de 2007, sobre as múltiplas personas de Bob Dylan, considera o Velvet Underground a banda mais influente de todas. “Como disse Brian Eno, todo mundo que comprou seu primeiro disco montou uma banda”, disse o diretor na entrevista. “Sua influência não tinha nada a ver com vendas ou visibilidade ou com as formas que quantificamos a ideia de sucesso.”

Ele também está bem interessado com o aspecto visual do filme. “Forma para mim é tudo. É a primeira pergunta sobre como abordar uma história e por que você está a contando e qual tipo de tradição que você está evocando”, continuou, explicando que o filme sobre o Velvet Underground “precisa ser uma experiência intensamente visual”.

O filme não tem data de lançamento e é um dos projetos de Haynes que contam histórias do passado. O outro, que está sendo desenvolvido junto à Amazon, é sobre “uma figura intensamente importante de imensa influência histórica e cultural”, revelou, sem entrar em detalhes sobre esta nova produção, que deverá ser um seriado.

Concertos de Discos

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A partir deste mês retomamos no Centro Cultural São Paulo a série Concertos de Discos, idealizada pela diretora original da discoteca pública que hoje batiza a instituição, a pesquisadora Oneyda Alvarenga, em que pesquisadores e especialistas dissecam discos clássicos em audições comentadas. Como estamos nas comemorações dos 50 anos do ano de 1967 (dentro do projeto Invenção 67), iniciamos os trabalhos com oito aulas sobre oito discos essenciais lançados naquele ano – das estréias do Pink Floyd, Doors, Velvet Underground e Jimi Hendrix, a discos cruciais nas carreiras de Tom Jobim, Roberto Carlos, Aretha Franklin e dos Beatles. O time de especialistas reunidos é da pesada e as audições acontecem na própria Discoteca Oneyda Alvarenga, no CCSP, durante as terças e quintas de junho, gratuitamente, a partir das 18h30. Veja a programação completa deste primeiro mês abaixo (mais informações aqui):

Concertos de Discos
de 6 a 29/6 – terças e quintas – 18h30
O Invenção 67 ressuscita os célebres Concertos de Discos, que a primeira diretora da Discoteca do Centro Cultural São Paulo, Oneyda Alvarenga, ministrou entre 1938 e 1958. Os Concertos de Discos voltam focados em música popular e realizados na própria Discoteca Oneyda Alvarenga, convidando o público a uma audição comentada. Programe-se: as audições são limitadas a 30 pessoas. Todos os concertos começam pontualmente às 18h30.

60min – livre – Discoteca Oneyda Alvarenga
grátis – sem necessidade de retirada de ingressos

Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band
dia 6/6 – terça – 18h30
Pai e filho, Maurício Pereira (Os Mulheres Negras) e Tim Bernardes (O Terno) falam sobre o clássico dos Beatles: Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band.

The Piper at the Gates of Dawn
dia 8/6 – quinta – 18h30
O crítico e músico Alex Antunes (Akira S, Shiva Las Vegas) trata do disco de estreia do Pink Floyd, The Piper at the Gates of Dawn.

Wave e Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim
dia 13/6 – terça – 18h30
O músico e historiador Cacá Machado analisa os álbuns Wave, de Tom Jobim, e Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim, parceria com Sinatra e Jobim que marcou a inserção da bossa nova no contexto internacional.

The Doors
dia 15/6 – quinta – 18h30
O jornalista Jotabê Medeiros mergulha no álbum de estreia da banda The Doors, que juntou de modo dramático jazz, blues, lisergia e poesia.

I Never Loved a Man the Way I Love You
dia 20/6 – terça – 18h30
Especialista em hip hop, soul e funk, a jornalista Mayra Maldjian analisa I Never Loved a Man the Way I Love You, turning point na carreira de Aretha Franklin – e do rythmn’n’blues.

Are You Experienced?
dia 22/6 – quinta – 18h30
Músico e jornalista, Rodrigo Carneiro (Mickey Junkies) surfa em Are You Experienced?, disco em que estreou a banda Experience, de certo guitarrista canhoto chamado Jimi Hendrix.

Em Ritmo de Aventura
dia 27/6 – terça – 18h30
Guitarrista e vocalista da banda Autoramas, Gabriel Thomaz entra Em Ritmo de Aventura para falar do clássico de Roberto Carlos.

The Velvet Underground & Nico
dia 29/6 – quinta – 18h30
O jornalista e editor da revista Bravo!, Guilherme Werneck, trata de The Velvet Underground & Nico, o disco que lançou a banda de Lou Reed – e também as bases do punk.

Vida Fodona #554: Vida Fodona de resistência

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O único Vida Fodona de março de 2017.

!!! – “The One 2”
Spoon – “Whisperilllistentohearit”
Katy Perry – “Chained to the Rhythm (Hot Chip Remix)”
Bruno Mars – “24k Magic”
Dr. Dre – “Let Me Ride”
Mano Brown + Dom Pixote + Seu Jorge – “Dance Dance Dance”
Daryl Hall & John Oates – “I Can’t Go For That (No Can Do)”
Roxy Music – “Oh Yeah”
Paralamas do Sucesso – “Nebulosa do Amor”
Lorde – “Liability”
George Michael – “Careless Whisper”
Boogarins – “Olhos”
Feist – “Pleasure”
Velvet Underground + Nico – “All Tomorrow’s Parties”
Black Angels – “I’d Kill for Her”
Underworld – “Slow Slippy”
A Tribe Called Quest – “We the People”
Danny Brown – “White Lines”
Negro Léo – “O Céu dos Otários é Neutro”
Sambanzo – “Capadócia”
Sebadoh – “Vampire”
Giovani Cidreira – “Crimes da Terra”
Karina Buhr – “Esôfago”
Ney Matogrosso – “Freguês da Meia-Noite”

E aqui a versão do Spotify, com menos músicas:

50 anos do disco da banana

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Há meio século, The Velvet Underground and Nico mudava o curso da cultura ocidental – escrevi sobre o disco no meu blog no UOL.

Um disco mudou a história da cultura ocidental em 1967. Ao elevar a discussão sobre a música popular para outro patamar, ele obrigou as próximas gerações de músicos e artistas pop a terem mais consciência sobre seus gestos e propósitos, despertando um instinto artístico que ia muito além de canções radiofônicas, refrões pegajosos e riffs memoráveis. A partir deste único disco, o impacto adolescente do rock murchava inofensivo, tornado caricato quase que instantaneamente. E sua influência transcendeu para além da música, provocando impactos decisivos em áreas tão diferentes quanto o cinema, as artes plásticas, as performances e o teatro. É o momento exato em que a música pop se reconhece como obra de arte e vice-versa, quando não parece haver distinção entre o disco e a banda, o cantor e a canção. Um disco lançado no mesmo ano do igualmente influente Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band dos Beatles, um divisor de águas na carreira da banda e na música pop. Mas o lançamento de The Velvet Underground and Nico, o disco de estreia do Velvet Underground, teria uma importância ainda maior para a cultura que veríamos nas décadas seguintes. Um disco que começou com um encontro de pólos distintos, uma amizade que começou com um pacto.

Duas personalidades opostas, Lou Reed e John Cale não poderiam ter origens mais diferentes. Reed, judeu nova-iorquino, havia cantado em grupos de doo-wop na adolescência e foi submetido a eletrochoques nessa mesma época por questões psiquiátricas, trabalhava como compositor contratado da microgravadora Pickwick tentando emplacar um hit ao mesmo tempo em que estudava literatura na universidade Syracuse com o poeta Delmore Schwartz. Tinha aspirações pop e literárias simultaneamente, mas não cogitava as duas possibilidades como uma só até encontrar o galês John Cale. Erudito e moderno, Cale era um fino aluno de música contemporânea e mudou-se do Reino Unido para Nova York para aprofundar-se nesta área, trabalhando com Theatre of Eternal Music do compositor La Monte Young. Também participou da primeira execução pública da composição de “Vexations”, de Erik Satie, que durou 18 horas, ao lado de seu mestre John Cage. Os dois seguiam rumos opostos até que, a partir do sucesso monumental dos Beatles, perceberam que poderiam aprofundar-se em suas obsessões se cruzassem para o outro lado.

O encontro dos dois selou uma missão: fazer música sem fazer concessões. Um olhava para o outro como uma fronteira a ser cruzada: Reed era uma máquina de fazer hits pop mesmo que nenhum deles tenha feito sucesso, apaixonado pelo rock’n’roll e pela eletricidade musical que optava por transcender os horizontes ingênuos do pop da época. Cale havia percebido no pop um limite que poderia ser transposto pela música erudita como uma forma de atingir mais pessoas naquela cruzada artística que parecia restrita a poucas pessoas. Reed pegou uma guitarra e Cale empunhou sua viola, cujas cordas foram trocadas por cordas de aço, dando ao instrumento um timbre estridente e tenso distante de sua natureza sonora original.

Aos poucos cercaram-se de músicos ímpares. O guitarrista Sterling Morrison equilibrava-se entre a tensão monocórdica e riffs velozes, inventando uma forma de tocar seu instrumento completamente nova a partir do duelo de personalidades musicais de Reed e Cale. A baterista Maureen “Moe” Tucker usava sua falta de habilidade com o instrumento como uma virtude, transformando a percussão de seu som em um estrondo único, um bate-estaca que funcioanva como um metrônomo da destruição. Este peso fez que ela trouxesse latas de lixo para seu kit de bateria, aumentando ainda mais o impacto do som.

Juntos, os quatro embrenhavam-se por fronteiras musicais estranhas, guiados pelas letras de Lou Reed, elas mesmas explorando universos virgens na canção popular. Reed começara cantando a estranheza e o mal estar, sensações alheias à música pop dos anos 60, e a partir deste rumo embrenhava para temas ainda mais extremos, como o uso de drogas, o sexo grupal, o sadomasoquismo, o submundo. O próprio nome da banda – The Velvet Underground – havia saído de um livro barato que um amigo da banda, Tony Conrad, havia encontrado jogado na rua, que descrevia atividades sexuais consideradas tabu à época. O título do livro lembrara a banda do conceito de cinema underground ao mesmo tempo em que a palavra “veludo” funcionava como um contraponto à barra pesada.

Enquanto os Beatles mencionavam ficar “altos” no lado B de Help! e os Rolling Stones sugeriam roubar anfetaminas do armário de remédios dos pais em “Mother’s Little Helper”, o Velvet Underground descrevia uma suruba entre travestis e marinheiros em “Sister Ray”, batizavam uma música com o título do clássico do sexo masoquista “Venus in Furs”, falavam de tráfico de drogas em “Waiting for the Man” e na paranoia e ressaca moral na balada “Sunday Morning”. As aspirações literárias de Lou Reed chegavam ao extremo quando o compositor tentava descrever a sensação de estar torpe de drogas em uma canção de dois acordes batizada simplesmente de “Heroin”.

Lou Reed, John Cale, Maureen Tucker, Nico e Sterling Morrison

Lou Reed, John Cale, Maureen Tucker, Nico e Sterling Morrison

Aquele universo musical atingiu o artista Andy Warhol em cheio. Pai da chamada pop art, Warhol era um provocador que insistia que as artes plásticas estavam presos em uma encruzilhada entre a estética e o comércio. Ao insistir que a arte havia se transformado em produto, começou vendendo fotos de acidentes de trânsito como se fossem obras de arte para em seguida utilizar itens de consumo em ícones artísticos, usando latas de sopa e imagens de Elvis Presley e Marilyn Monroe como suas musas. A ironia pós-moderna de Warhol era idolatrada por uma elite artística de Nova York e aos poucos seu ateliê – chamado cinicamente de Factory (fábrica) – tornava-se referência na metrópole norte-americana – e no mundo. Quando Warhol ouviu o Velvet Underground, percebeu que ambos habitavam a mesma fronteira e dispôs-se a apadrinhar o grupo.

Trouxe o Velvet para a Factory e lá percebeu que o grupo tinha uma falha. Todos vestiam-se de preto e tocavam de óculos escuros à noite, formando o protótipo de uma gangue musical que seria a origem de todas as bandas punk que vieram a seguir. Warhol sentia falta da luz. De um contraponto claro e brilhante que ofuscaria aquela escuridão evocada pelo quarteto. E encaixou a atriz alemã Nico naquele grupo.

Nico era uma história à parte. Uma deusa germânica, loira de sotaque pesado e timbre grave, a atriz e modelo era a musa de onde quer que fosse. Apareceu no Dolce Vita de Fellini, teve um filho com o ator Alain Delon, foi inspiração para Brian Jones, dos Rolling Stones, e Bob Dylan e enfiou-se na trupe nova-iorquina de Warhol. Era exatamente a luz o que Andy achava que o Velvet precisava e, ao encantar tanto Reed quanto Cale, não encontrou dificuldade em entrosar-se com a banda, ganhando, inclusive, músicas que seriam capitais na estreia da banda, como “Femme Fatale”, “I’ll Be Your Mirror” e “All Tomorrow’s Parties”.

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Juntos, Velvet Underground e Nico eram a trilha sonora de um novo espetáculo de Andy Warhol, que ele havia começado no dia 13 de janeiro de 1966, chamado Up-Tight!, em que o grupo tocava suas músicas enquanto integrantes da trupe de Warhol – como o dançarino Gerard Malanga e a atriz Edie Sedgwick – dançavam à frente do palco, com filmes de Andy projetados sobre eles. O Up-Tight! metamorfoseou-se no show Exploding Plastic Inevitable, que tornou-se uma atração itinerante, inclusive saindo de Nova York (com Nico ao volante do ônibus da turnê). Os shows causaram burburinho na intelligentsia nova-iorquina e o lançamento de um disco era inevitável.

The Velvet Underground and Nico produced by Andy Warhol foi lançado no dia 12 de março de 1967, depois de diversas gravações feitas no ano anterior. Apesar do nome do disco explicitar a produção de Warhol, o artista plástico foi mais o provocador do disco do que seu produtor de fato, crédito que ficou, na verdade, com o mítico Tom Wilson, que entraria para a história como produtor dos discos mais clássicos de Bob Dylan, da fase áurea de Simon & Garfunkel, dos primeiros discos de Frank Zappa e por clássicos de Sun Ra. Wilson também foi visionário ao puxar o disco para sua gravadora, o selo Verve da MGM Records, depois que ele foi dispensado pela Atlantic (que não gostou das referências às drogas) e pela Elektra (que não gostou do som da viola de Cale). E além de ter tornado o disco possível, Warhol também assinou sua antológica capa, colocando a icônica banana sob um fundo branco que, em sua versão original, podia ser “descascada”, com o adesvio da casca amarela colado sobre uma pervertida versão rosa da fruta sem casca.

O clássico começa com a bucólica “Sunday Morning”, cuja doce melodia esconde uma letra sobre ressaca e paranoia, e descamba em seguida na nervosa “Waiting for the Man”, uma canção de ritmo martelado que espera a chegada do traficante de drogas. “Femme Fatale”, escrita para Nico, apresenta a vocalista em terceira pessoa, numa letra que descreve sua presença de musa implacável. A hipnótica “Venus in Furs” segue o tenso lado A com um drone sonoro barulhento, entrecortado por chibatadas elétricas da viola de Cale, numa letra inspirada no livro homônimo de Leopold Von Sacher-Masoch. “Run Run Run” aguça um clima frenético ao referir-se a anfetaminas, antes do lado A do disco terminar com a monumental “All Tomorrow’s Parties”, composta com apenas um acorde e cantada de forma sisuda por Nico – uma música que parecia retratar a vibração da Factory de Warhol, embora Reed a tenha composto antes de conhecê-la.

O lado B começa sem trégua com “Heroin”, uma das músicas mais sensacionais da história do rock, com seus sete minutos que vão do sussurro ao delírio, da calmaria ao transe, tentando retratar o barato da droga que a batiza. Ao vivo, a música chegou a ter versões que duravam mais de vinte minutos e era um dos grandes momentos do Exploding Plastic Inevitable, quando Malanga simulava injetar a droga em público. O soul “There She Goes Again” começa sampleando a introdução de “Hitch Hike”, que Marvin Gaye havia composto cinco anos antes, regravada anos depois pelos Stones, e é a faixa mais inofensiva do disco. Nico reparece pela última vez na narcisista “I’ll Be Your Mirror”, que antecipa as duas jam sessions barulhentas que encerram o álbum, “The Black Angel’s Death Song” e “European Son”, que exploravam os limites do barulho para muito além da canção.

O disco não foi um sucesso comercial e só apareceu na parada dos discos mais vendidos da Billboard no final de 1967, mas isso não impediu seu impacto artístico – pelo contrário, apenas ampliou sua longevidade estética. As onze músicas que compõem The Velvet Underground and Nico influenciaram – e influenciam até hoje – diferentes gerações de músicos e artistas. Seus primeiros filhotes foram os ingleses do glam rock – Bowie, Roxy Music e T-Rex têm grande débito para com a banda e, especificamente, este disco. Brian Eno, do Roxy Music, é autor da clássica frase que diz que “todas as 30 mil pessoas que compraram o primeiro disco do Velvet montaram uma banda”. E o aspecto faça-você-mesmo do grupo é crucial para entendermos o movimento punk global.

The Velvet Underground and Nico também é o disco cult em essência, aquele antissucesso comercial que ganhou fama e força com o passar dos anos. Mas, mais do que isso, é a obra que fez a cultura pop e a grande arte olharem uma para a outra com um estranhamento que tornou-se encanto, principalmente quando uma percebeu que pode tornar-se a outra, mudando assim o curso da cultura ocidental.

Velvet Underground & Nico ao vivo, com John Cale

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Um dos únicos sobreviventes de um dos álbuns mais emblemáticos da história do rock, John Cale anunciou semanap passada que fará um show em homenagem ao disco de estreia do Velvet Underground no ano que vem, quando The Velvet Underground & Nico completa meio século de existência. O disco, composto principalmente pelo encontro do poeta e hitmaker norte-americano Lou Reed com a erudição contemporânea do galês John Cale, é um dos registros mais importantes da história do rock por ter dado suas costas às expectativas da música pop, abraçando novas possibilidades sônicas e líricas sem necessariamente ter de agradar ao público. O mestre publicou em sua página no Facebook esta velha foto ao lado do parceiro e explicou:

“Eu quase sempre sou relutante em passar muito tempo voltando no passado – até que aparece um marcador de tempo – e The Velvet Underground & Nico completa 50 anos! Como tantas bandas podem confirmar, é a realização do sonho definitivo de gravar seu primeiro disco. Éramos uma marca hostil, imersos em um mundo de letras desafiadoras e estranheza sônica que não se encaixava na playlist de ninguém na época. Ao nos mantermos ferozmente fiéis aos nossos pontos de vista, Lou e eu nunca duvidamos em nenhum momento que poderíamos criar algo que poderia dar voz a coisas que não eram comumente exploradas pelo rock da época. Aquela bizarra combinação de quatro músicos distintamente díspares e uma relutante e bela rainha resumia perfeitamente o que significava o Velvet Underground.”

O show comemorativo acontece em maio do ano que vem, em Liverpool, e contará com participações especiais que ainda não foram definidas – e os ingressos já estão à venda. É pouco provável que a única outra sobrevivente do disco – a baterista Maureen “Mo” Tucker – participe do show, devido à sua recente inclinação política rumo à direita norte-americana do Tea Party, mas vai saber…

Vida Fodona #541: Primavera fria

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Vamos esquentá-la.

“If you close the door the night would last forever…”

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Não tinha visto esse simpático clipe pra “Afterhours” do Velvet Underground que ganhou um concurso organizado pelo site australiano Genero.tv no início desse ano.

Uma caixa com os shows do Velvet Underground no Matrix

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O baú do Velvet Underground não tem fundo: tem mais uma caixa com quatro CDs de gravações ao vivo do grupo prestes a ser lançada, desta vez concentrada nas apresentações que a banda de Lou Reed fez em 1969, no Matrix, em São Francisco, nos EUA. O Velvet passou uma temporada na Califórnia quando se apresentou por 18 noites em duas casas da cidade, o Family Dog e o Matrix. Este último era uma antiga pizzaria que Marty Balin, do Jefferson Airplane, transformou em casa de shows. E a caixa The Velvet Underground: The Complete Matrix Tapes reúne 42 faixas gravadas em quatro canais com material de principalmente duas noites, 26 e 27 de novembro daquele ano. Boa parte do material já foi lançada: primeiro no disco 1969 The Velvet Underground Live (lançado em 1974) e depois nas caixas das Quine Tapes e na edição de luxo do terceiro disco, lançada no ano passado. Das 42 faixas, nove são inéditas. A caixa será lançada no final de novembro e eis uma amostra do que podemos esperar:

Capas de discos via Adventure Time

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Adventure Time talvez seja um dos grandes trunfos culturais dessa década, ainda crescendo lentamente rumo ao topo do pop. A popularização do desenho já está em estágio avançado de massificação e se você não sabe do que se trata, faça-se o favor de se informar e cair na melhor psicodelia do século até agora. Os personagens do programa do Cartoon Network aos poucos estão se embrenhando em nosso inconsciente e não duvide se 2015 assistir ao momento em que eles se tornarão mais populares que o Mickey, o Snoopy ou o Super Mario para todas as faixas etárias. Essa compilação de capas de discos clássicos mashupadas com o imaginário do título, reunida por este blog, já dá uma vaga noção de que o desenho não é mais um segredo entre crianças apaixonadas, pais vidrados e doidões deslumbrados:

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Lá no blog tem muito, muito mais.