Funhouse (2002-2017), por Rick Levy

funhouse

A Funhouse vai fechar e é inevitável que isso signifique o fim de uma era. Uma era em que a noite de São Paulo era mais ingênua, mais ortodoxa e mais carente de espaços, quando o sobrado da Bela Cintra começou a redefinir a paisagem noturna da região da rua Augusta (mais tarde conhecida como Baixo Augusta) e da própria cidade de São Paulo. Foi a Funhouse que abriu o caminho percorrido depois pelo Vegas, Beco, Sarajevo, Astronete, Milo, Studio SP, Volt, Inferno e reestabeleceu a linguagem rock junto à fauna daquela região. Tenho lembranças difusas do auge da casa pois o período 2003-2005 coincidiu com o fim do meu primeiro casamento e meu retorno de Saturno, mas tenho boas lembranças de vários shows que assisti e discotecagens que dei na pista xadrez da casa, a mais recente delas há pouco tempo, quando me chamaram para tocar em uma Funhell na nova encarnação. Mas em vez de confiar na minha memória, preferi chamar uma autoridade em ambos assuntos (lembranças e Funhouse), para falar da transformação causada à cidade com a fundação da casa, que fecha as portas com várias festas especiais no mês de julho. É com enorme satisfação que publico o texto que pedi para o Rick Levy, o eterno host da casa, escrever sobre suas memórias do início da Funhouse:

Rick Levy no ano de abertura da Funhouse, 2002 (arquivo pessoal)

Rick Levy no ano de abertura da Funhouse, 2002 (arquivo pessoal)

Até final de julho de 2002 eu era host às sextas num restaurante no Itaim onde aconteciam as festas da Indie Records e aos sábados, no Sound, no DJ Club. Coincidentemente, saí dos dois lugares na mesma semana. No meu primeiro final de semana livre fui ao Matrix, mas antes passei no Rabo de Saia porque uns amigos ex-frequentadores da Sound faziam uma festa lá. Era a galera do Volume 1, que nasceu como um fórum de internet e logo depois virou selo distribuidor de várias bandas indies paulistanas.

Um dos promoters dessa festa – o Marcello Cass – me disse que a partir de agosto iam mudar de lugar. Migrariam para um lugar novo na Bela Cintra, toda sexta-feira, com banda. A festa se chamaria R.Evolution e queriam que eu fosse o host. Aceitei na hora.

Mais tarde fui para o Matrix e lá encontrei a Alessandra Ricci, que fazia uma festa no Orbital até seu fechamento, poucos meses antes. Me disse que começaria uma festa nova todos os sábado num lugar na Bela Cintra que estava reformando para abrir em agosto e me convidou para ser o host. Achei maravilhoso porque na mesma noite fui convidado para ser o host das duas noites fixas de uma casa que ainda não havia sido aberta: a Funhouse.

No dia 22 de agosto de 2002, a Funhouse abriu oficialmente para o público. Só tinham essas duas festas no começo: R.Evolution as sextas-feiras, com o Marcelo Cass, Fabio Angelini e Marcelo Marr como promoters, Henrique Muccillo como DJ residente fixo, mais bandas e DJs convidados diferentes a cada semana, com público que logo nas primeiras semanas já dava pra perceber que faria das sextas as noites mais cheias e animadas da Funhouse: era toda a galera do fórum Volume 1, gente que aos sábados ia no DJ Club, uma galera indie super animada que a princípio ia mais para dançar, embora gostasse da ideia de assistir um show e não tinha problema algum com isso; e aos sábado, a Delicious, com a Ale Ricci, o Fabio Otubo e o Maurício Galdieri como promoters e DJs fixos mais DJs convidados e bandas que se revezavam. O público da Delicious era basicamente órfãos do Orbital, mais rockers do que os da R.Evolution e já acostumados com o combo discotecagem e show. Mas independente disso, a casa já lotou logo na primeira semana. Já dava pra perceber que tinha nascido pro sucesso. Mas quando inaugurou, a Funhouse só tinha essas duas festas.

Rick Levy no segundo andar da Funhouse, em 2003 (arquivo pessoal)

Rick Levy no segundo andar da Funhouse, em 2003 (arquivo pessoal)

A primeira noite foi uma zona! Faltou troco, faltou cigarro para vender! No começo era tudo novidade, até para os donos, que eu só fui conhecer pessoalmente nessa noite inauguração. Eram três jornalistas meio que recém-saídos da ECA-USP. Um deles tinha acabado de voltar de um período meio que longo de trabalho em NY, não queria mais ser jornalista e resolveu abrir um bar. Chamou uma amiga e um amigo de faculdade e na cara e coragem resolveram tocar o projeto. Se não me engano, a primeira ideia era que a Funhouse fosse no Itaim, que estava meio que na moda ter bar descolado lá. Ainda bem que a sócia alertou que o Itaim era ~ descolado demais ~ para um bar alternativo como queriam que fosse.

Não existia nada ali naquela área do Baixo Augusta. Na verdade, nem o termo Baixo Augusta existia em 2002. O bar mais similar em termos de rock underground já funcionando e perto da Funhouse na época era o Outs, e mesmo assim era na Augusta e lá embaixo. Não existia Geni, Vegas, Exquisito, Beco, Blitz, nada. A Bela Cintra era escura e erma. A Funhouse foi a primeira casa a levar movimento para aquele trecho da rua. Exatamente na frente da Funhouse era ponto de prostituição. Na primeira noite eu já fiz amizade com três das várias meninas que trabalhavam por ali. Achei que elas iam reclamar, mas depois até agradeceram, porque com o movimento a rua deixou de ser abandonada e perigosa.

Na primeira noite também foi quando eu conheci o Lima, que viria a ser meu parceiro e melhor amigo de trabalho forever & ever. Ele era o segurança que ficava na porta revistando quem entrasse. Ele foi parar lá porque o irmão de um dos sócios o conhecia ele de um estacionamento em Carapicuíba, onde o Lima trabalhava como manobrista. Lima me contou que nunca tinha ido pra região da Paulista, que quando desceu no Metrô Consolação ficou até meio zonzo com tanto movimento. Mas logo nos primeiros dias de trabalho nós criamos uma sintonia de trabalho absurda! Na forma como eu olhava pra ele ou ele pra mim já dava pra saber se tinha algo de anormal para acontecer ali na porta. Muito do sucesso da porta se deve a essa cumplicidade.

Lima, Focka e Rick Levy, em 2004 (arquivo pessoal)

Lima, Focka e Rick Levy, em 2004 (arquivo pessoal)

Semanas depois da inauguração a casa começou a abrir aos domingos também, mas sem banda nem promoter: um dos donos era o DJ e chamava algum amigo para tocar também. Abria mais cedo, sem cobrar entrada, por isso nem tinha host.

No final de setembro estreou a Strike as quintas feiras. O Tchelo e o Focka eram os DJs e promoters. Eles vinham de noites no Borracharia e na Torre, por isso a Strike era a festa menos indie e mais rock da Funhouse até então. As bandas da Strike eram mais rockers, o público era mais rocker. No começo era outra pessoa a hostess da Strike, eu só virei host dela em abril de 2003. Como era às quintas, começava mais cedo, acho que as 21h, e no começo – para incentivar a encher logo – mulher com flyer pagava 1,00 se entrasse antes das 23h. Mas nem por isso terminava cedo: muitas vezes acabava por volta das 6 da manhã, igual as festas do final de semana. Foi na Strike que surgiu a ideia das pessoas receberem pirulito logo na entrada: ainda com as hostess antes de mim, o Tchelo comprava pirulitos que deixam a língua azul e pedia para elas distribuírem. Quando eu assumi a porta da Strike, os frequentadores já estavam superacostumados a receberem pirulito. Como nessa época os públicos das festas já começavam a se mesclar, perguntavam porque só na quinta era que tinha pirulito. Então os promoters da Delicious resolveram fazer o mesmo aos sábados, mas com pirulitos em formato de coração, e logo depois os da R.Evolution aderiram tbm e isso acabou virando uma marca registrada da Funhouse.

Já nome e email da pessoa eu pegava desde meu primeiro dia. Anotava à mão num caderno (que depois eu trazia para casa para digitalizar todos os emails para que as pessoas pudessem receber o email com a programação da casa nas semanas seguintes), e na comanda junto com o preço: homem sempre mais caro do que mulher (hoje a gente para e pensa: que coisa mais horrível era essa distinção, mas na época era super comum). Para uma casa fisicamente pequena, entrar de graça é superinviável, então para os frequentadores habituès homens o jeito que consegui deles terem algum desconto era eu fazendo comanda com nome de mulher. Mas eu fazia questão de colocar um nome glamouroso ou não-comum. Então no final da noite sempre tinha comanda com nome de Abigail, Perola, Lourdes, Teodora…

Assim, com menos de um ano, o pequeno sobradinho da região obscura da cidade e onde cabiam menos de 200 pessoas passou a ter três festas rock por semana com sucesso e casa cheia sempre. Depois é que vieram as primeiras que não eram de rock: quarta era a noite da Pop Corn, festa de hip hop, black & soul dos DJs MZK e Alemão. Doutor Aílton era o host. Era muito maravilhosa essa noite. As poucas vezes que eu fui, me diverti muito! E durante uma época, às terças, tinha uma festa que eu não lembro o nome mas era feita pela galera do ZéMaria, uma banda do Espírito Santo que estava morando em São Paulo.

Eu fico triste pelo fechamento, claro. Tudo o que eu conquistei nos últimos 15 anos eu devo a Funhouse, direta ou indiretamente. Mas não é uma tristeza pela perda, mas sim por saber que ela não estará mais lá, formando o caráter músico-underground da galera dos 20 e poucos anos. Porque na grande maioria, esse sempre foi o público-alvo da Funhouse. Conheço muita gente que começou a ouvir rock alternativo indo na Funhouse logo que começou a sair na noite, aos 18 anos.

Aliás se tem uma coisa que me deixa um pouco puto é ouvir de um povo que ia na Funhouse no comecinho relcamar: “ahhh, mas a Funhouse mudou, agora só vai molecada…” Gente, a Funhouse sempre foi pras pessoas de 18 aos 25, mais ou menos. A Funhouse iria fazer 15 anos. Se você ia com 20 em 2002, agora vc tem 35, quem mudou foi você, que tá 15 anos mais velho, não a Funhouse. A galera dos 20 e pouco ainda vai e ainda se diverte lá.

Então triste eu fico, mas a Funhouse cumpriu muito bem o seu dever. E por 15 anos!

Hoje só amanhã: a quinta semana de 2009

Amanhã não, segunda – nesse domingo não tem Trabalho Sujo.

A volta do Legião Urbana
Gravações raras de João Gilberto ressurgem na internet: tanto as gravações que fez na casa do fotógrafo Chico Pereira em 1958 (o técnico de som Christophe Rousseau fala mais sobre o assunto), quanto o show ao lado de Tom Jobim, Os Cariocas e Vinícius de Moraes em 1962 e as gravações do tempo do Garotos da Lua, em 1950 (que repercutem) •
Lost: Jughead
Sílvio Santos portátil
Dakota Fanning, 15 anos
Little Joy em São Paulo
Moleque chapa no dentista, é remixado e vira desenho
Entrevista: Matt Mason (Pirate’s Dilemma)
Vazou o disco de Lily Allen
Trailers novos: Transformers 2 e Jornada nas Estrelas (com menção ao Cloverfield) •
Rick Levy se aposenta da naite
50 anos do dia em que a música morreu
Banda Calypso é indicada ao Nobel da Paz
Lux Interior (1948-2009)
Legendas.tv fora do ar (e hackers sacaneiam o site da APCMdeu no G1) •
A história do Kraftwerk
Krautrock dance
Emma Watson, 18 anos
Paul’s Boutique comentado pelos Beastie Boys
Soulwax faz set só com introduções de músicas (uma idéia que o Osymyso já tinha tido) •
Alan Moore e a televisão do século 21 (que aproveita para falar de sua participação nos Simpsons) •
Phelps dá pala, devia ter respondido assim, mas é punido; Ronaldo sai em sua defesa
Um herói candango
Vocalista do Gogol Bordello já agitou feshteenha no Rio e vai tocar no carnaval do Recife com Mundo Livre e Manu Chao
Saiu a escalação do festival de Boonnaroo
Forgotten Boys sem Chucky
Comentando Lost: The Lie
A história do krautrock
Entrevista: Lawrence Lessig
Comentando Lost: Jughead
Kraftwerk 1970
Oito episódios para o fim de Battlestar Galactica
Of Montreal tocando Electric Light Orchestra
Fubap de cara nova
“Friday I’m in Love” sem palavras
Todas as mortes em Sopranos
Christian Bale estressa com produtor e é remixado
Montage papai
As calcinhas da Kate do Lost são brasileiras
Lykke Li 2009
Cansei de Ser Sexy x Chromeo
Visita à discoteca Oneyda Alvarenga
Moleque do dentista e Christian Bale são remixados

Só mais uma…

…essa é vi no Lucio:

É como se um clube importante fechasse suas portas. A galera rocker paulistana deixa de ser recebida em clubes por uma de suas caras mais conhecidas. O sempre agitado/agitador Rick Levy, host da Funhouse e de tantos outros lugares, sai de cena e da cena nesta semana, na festa Funhell, nesta quarta-feira. Rick na verdade se despediu oficialmente da porta e das famosas listas de convidados no último sábado, mas passa o bastão para a nova hostess (Dani Buarque) na Funhell desta semana, na qual vou ter a honra de tocar. Rick deixa a noite para investir em seu emprego “diurno”: a arquitetura.
“Você sabe que eu sou arquiteto formado há 12 anos, né”, me perguntou Rick. Não sabia.

Valeu aê, Rick! Aproveita a nova fase 🙂