17 de 2017: 16) Bicho de 4 Cabeças

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O encontro da quatro principais bandas independentes de São Paulo foi sem dúvida meu salto mais ousado na curadoria do CCSP este ano. E quando Hurtmold, Bixiga 70, Rakta e Metá Metá estavam todos juntos tocando ao mesmo tempo eu tive a certeza de que tudo é possível. Melhor show nacional que vi este ano – o ano que mais vi shows na vida.

17 de 2017: 1) Curador

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2017 foi um ano de auto-análise, de autoconhecimento, de olhar para dentro para saber o que queremos do lado de fora. Enquanto 2016 foi uma porrada inesperada (entre outras coisas engrossei a estatística dos divórcios daquele ano), 2017 foi um ano de cultivo, de introspecção e de escolhas. E o fato de ter me tornado curador de música de duas instituições distintas ajudaram bastante nesse processo. Já havia sido curador de músicas em três situações diferentes (do Prata da Casa do Sesc Pompeia em 2012, do Festival da Cultura Inglesa em 2012 e 2013 e do Circuito Cultural Paulista em 2015), mas nos três casos entrei em projetos já existentes e obedeci a regras pré-estabelecidas. O que um amigo meu das artes plásticas dizia que pouco tinha a ver com curadoria: “isso é programação, curador é o cara que criou o Prata da Casa e disse que todo ano alguém iria escolher os artistas daquela vez”, me provocava. E foi com essa provocação que atravessei 2016, bolando qual seria a forma de transformar a programação musical do Centro da Terra, curadoria que aceitei no decorrer do ano passado, de forma que o local não simplesmente recebesse shows já existentes. E quando o Cadão me chamou para ser curador do Centro Cultural São Paulo, no início de 2017, aquela provocação já havia cristalizado e eu sabia que deveria fazer mais que simplesmente escolher ou definir artistas e shows para aquele lugar mágico – cuja magia me fez aceitar instantaneamente o convite. Elencar shows que não existiam e provocar artistas a bolar apresentações inéditas fizeram parte deste processo de auto-análise que me ajudou a atravessar 2017 com a cabeça erguida. A etimologia da palavra “curadoria” é a mesma do verbo “cuidar” e esse cuidado em relação à produção musical brasileira atual me ajudou a entender meu próprio espaço nesse contexto – e a vislumbrar um futuro bem mais interessante que o que havia projetado para mim mesmo até agora. 2017 foi ano dos meus 42 verões, aquele número que Douglas Adams disse que era a resposta para a pergunta sobre o sentido da vida. E foi crucial aceitar esse novo sentido para minha jornada neste planeta.

17 de 2017: 17) Doce surpresa

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E quando o ano parecia terminar com chave de ouro, um acontecimento mudou tudo. Uma surpresa e tanto que veio coroar todo o período de autoconhecimento que atravessei nestes doze meses e que certamente mudou minha vida. Quando você menos espera, a vida pode te surpreender. Nunca esqueça disso – e só melhora! Feliz 2018!

17 de 2017: 2) Cultura do Vinil

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O primeiro projeto que bolei no Centro Cultural São Paulo foi o fim de semana Cultura do Vinil, que criei ao lado dos comparsas da Patuá Discos, Paulão, Peba e Ramiro, três dos principais conhecedores desta cultura, ambos velhos companheiros de outros carnavais. Cultura do Vinil reuniu bambas de diferentes eras para tratar deste suporte mágico que felizmente voltou a circular para a maioria das pessoas. A sociedade secreta do disco preto reunia nomes como o mítico Seu Osvaldo (o primeiro DJ do Brasil) e o ás Erick Jay (então vencedor mundial do campeonato DMC e DJ do programa Manos e Minas), passando pelo mestre Arthur Joly, o fera Rodrigo Gorky, o grande Edson Carvalho (da Batuque Discos), DJ Nuts (que dispensa apresentações), o coletivo Vinil é Arte, MZK e Marcio Cecci homenageando o querido Don KB (que havia falecido no início do ano), entre outros. Foi o primeiro projeto que assinei no Centro Cultural São Paulo e que me ajudou a entender que música naquele espaço era muito mais que simplesmente pautar shows ou pensar em sucessos comerciais.

17 de 2017: 3) Liverpool

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2017 também foi um ano de prestar antigas contas: visitar a terra-natal de meus primeiros ídolos, faróis do meu interesse por música e cultura. O encontro com o velho entreposto comercial britânico que fez John, Paul, George e Ringo quererem sair de sua própria cidade aconteceu na mesma semana em que seu disco mais emblemático completava 50 anos e foi farto material para a introspecção pessoal e reencontro com meus próprios interesses, depois de 42 voltas ao redor do sol. Além de visitar as casas que os quatro cresceram e os míticos Strawberry Fields e Penny Lane, ainda pude me calar ao silêncio literalmente sepulcral (ao lado do túmulo de ninguém menos que Eleanor Rigby) do quintal da igreja em que John viu Paul tocar pela primeira vez e aceitá-lo em sua banda. “Ah look at all the lonely people”, cantei calado para mim mesmo. A viagem também me presenteou com uma visita-relâmpago a Manchester, outra cidade-símbolo da minha formação, o reencontro com a querida Megssa e seu marido Gordon, que ainda contou com um show do Fall de lambuja. Uma semana que me fez renascer.

17 de 2017: 4) Segundamente

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A primeira curadoria que exerci em 2017 começou no ano anterior, quando a Keren me chamou para assumir o papel de curador de música do Centro da Terra. Para mim o desafio era simples mas ao mesmo tempo complexo: chamar artistas para valorizar o espetáculo e criar novos projetos a partir do próprio local (ele mesmo uma viagem para dentro, como o próprio tom do meu 2017). Uma matemática irracional me fez criar o projeto Segundamente, em que artistas têm quatro segundas-feiras para criar um projeto próprio, de preferência inédito. Assim, tivemos os 15 anos de carreira do Tatá Aeroplano em março, o Chega em São Paulo de Negro Leo em abril, o Mergulho de Tiê em maio, o Depois a Gente Vê de Thiago França em junho, o Na Asa de Luísa Maita em julho, o Música Resiliente em Camadas Lentas do Maurício Takara em agosto, o Mete o Loco de Rafael Castro em setembro, o Persigo SP de Saulo Duarte em outubro e o Enfrente de Alessandra Leão em novembro, além dos shows individuais de Iara Rennó (Feminística), Luiza Lian (Oyá: Centro da Terra) e Papisa (Tempo Espaço Ritual), nos meses com cinco segundas-feiras. Foram meses de aprendizado e preparo, intensos e emocionantes, com o desafio de fazer o público da região do Sumaré sair de casa nas segundas-feiras para ver shows que não veria em nenhum outro lugar. Ainda teve o sensacional encontro com todos estes artistas na primeira segunda de dezembro, provando que a música vibra sem precisar de regras ou planos. É só deixar rolar. Agradeço imensamente a todos os artistas que convidei e também a todos que foram convidados por estes artistas, transformando o Centro da Terra em um núcleo de produção musical avançada numa época em que fazer cultura parece ser subversivo – porque talvez o seja.

17 de 2017: 5) Virada Cultural no CCSP

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Outro senhor desafio foi levar a Virada Cultural para a Sala Adoniran Barbosa do Centro Cultural São Paulo, fazendo-a girar 24 horas com shows gratuitos que contemplavam a nova fase da música brasileira. Um desafio interno, principalmente, para convencer a produção do CCSP que era possível fazer trocas de palco em menos de uma hora, que havia público para assistir a shows às quatro da manhã e que todos os shows estariam lotados. Dito e feito: Juçara Marçal, Anelis Assumpção, Mariana Aydar, Cidadão Instigado, Mahmundi, Bárbara Eugenia, Siba, Karina Buhr, Curumin e Tiê transformaram a arena do Centro Cultural em um palco intenso e vivo, reflexo da ótima fase que atravessa nossa música.

17 de 2017: 6) John Cale

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John Cale é outro destes meus padrinhos espirituais: a descoberta do Velvet Underground na adolescência veio quase simultânea à compreensão que aquele seu fundador também era um dos principais produtores da história (Stooges, Modern Lovers, Patti Smith, Nico), parceiro de monstros sagrados (Brian Eno, Nick Drake, Replacements e, claro, Lou Reed) e um dos artistas mais ousados deste século. Já havia assistido um show com o mestre em São Paulo, em 1999, quando ele revezava-se entre a viola e o piano para tocar seus clássicos e de sua primeira banda sozinho no palco e dezoito anos depois me reencontrei com ele na cidade-natal dos Beatles tocando o mítico disco da banana com uma série de convidados. Vestindo um terno meio listrado meio liso, Cale mostrou que é audaz mesmo quando vislumbra a nostalgia e fez um show memorável. Uma das grandes noites do meu 2017 – e desta década, tranquilamente.

17 de 2017: 7) Alan Moore

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Conversei por duas horas com outro mestre – numa entrevista ainda inédita. Depois eu falo mais sobre isso – mas só essa entrevista já teria valido o ano.

17 de 2017: 8) Aphex Twin

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A grande apresentação musical do ano, uma overdose atordoante de música que ultrapassa fronteiras e gêneros, o show de Aphex Twin que vi em Londres ainda teve uma cereja de fel: ao sair daquela apresentação soube que a cidade estava atravessando uma série de atentados terroristas que havia paralisado o trânsito, o metrô e a sua vida noturna. Um show que não imaginaria assistir em 2017 acompanhado de um posfácio nada fácil de digerir – bem ao gosto deste autor.