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“Friday” no sábado

Testei na pista ontem.

Er… funciona! Aguarde relatos.

Impressão digital #0052: “Friday”, de Rebecca Black

E a mesma “Friday” é assunto da minha coluna deste domingo no Caderno 2 do Estadão (que entrevista a ministra da cultura Ana de Hollanda em sua capa, vale ler).

Fun, fun, fun, fun…
“Friday” e o futuro do pop

Você já ouviu “Friday”, hit sem graça da adolescente Rebecca Black? Se não, prepare-se para ouvir. Em pouco mais de duas semanas, a norte-americana de 13 anos transformou um clipe idiota para uma música ainda mais estúpida em um dos grandes fenômenos da história do YouTube. Às vésperas de completar 50 milhões de views até o fechamento desta coluna, na sexta-feira, o vídeo de Rebecca conseguiu, em poucos dias, o dobro do que Lady Gaga teve com seu vídeo mais recente, “Born This Way”, lançado há mais de um mês.

Mas quem é ela e por que uma menina tão sem graça, num clipe tão besta, cantando uma música tão boba é motivo de tanto barulho? Vale rebobinar a fita (que termo arcaico!) para entender o que está acontecendo.

O clipe foi lançado pelo escritório Ark Music Factory que, em vez de tentar convencer marcas a usar a internet para que elas se tornem conhecidas, deixou empresas de lado e voltou-se para as pessoas. Mais especificamente pais que acham que seu filho tem talento para se tornar o próximo Justin Bieber.

Pois os pais de Rebecca acharam que a filha tem talento (não tem), funciona em vídeo (não funciona) e é bonita (não é) o suficiente para justificar o investimento. O clipe foi lançado no fim de fevereiro, mas só no dia 11 de março se tornou viral. Primeiro pelo próprio ridículo do clipe (seu vídeo já é o décimo mais comentado na história do YouTube). Depois, com a insistente repetição online, virou motivo de piada: remixes, mashups, colagens e recombinações de toda ordem fizeram a menina se tornar o sucesso que é – dando entrevistas e até fazendo shows! O nível de insanidade é tal que ela não saiu dos trending topics do Twitter desde que entrou pela primeira vez.

Mas o que isso quer dizer? Que a internet aceita qualquer coisa? Que a cultura do século 21 é o sonho do pós-modernista mais ferrenho, em que o conteúdo pouco importa e sim a forma como ela se espalha? Que, tanto faz marca, modismo ou arte, o público só quer consumir e pronto? Aguardem cenas do próximo capítulo: essa história está longe de terminar… Até lá, decore o refrão: “Fun, fun, fun, fun…”

Rebecca Black canta “Friday” ou… “Gang Fight”?

Que parada genial.

“Fight, fight, fight, fight…”

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“Friday” com os Jonas Brothers…

E você achando que essa história tinha acabado… Ela nem começou.

“Friday” acústica

E, pra não termos dúvidas de que Rebecca Black realmente canta, ela resolveu gravar esse acústico.

Por que eu tenho uma leve impressão de que a vida dessa menina vai ser loucaça?

Mas que porra de Rebecca Black é essa?

Porque a banalização do sucesso é uma boa

“Friday” não é a pior música pop de todos os tempos, mas tem atributos fortes o suficiente para alçar esse (de)mérito. Sua letra é ridícula, seu refrão é desanimado e repetitivo e o “fun” repetido eternamente pela voz quase robótica e anasalada de Rebecca Black talvez seja o “fun” mais sem graça da história da música – nem o “no fun” de Iggy Pop na música de mesmo nome consegue tal apatia.

Sua letra infantil (e não infantilóide – ela TEM treze anos, Mallu Magalhães é tipo uma TIA pra ela), fala em acordar, ir pra escola e, ao encontrar os amigos no carro na sexta-feira, ser apresentada à crucial questão existencial: ir no banco da frente ou de trás? No caminho, ela sai com as amigas para a naite, no banco de trás do carro e dança a coreografia mais fuleira da história do videoclipe moderno, acompahada de uma sidekick tão deslocada que transforma Rebecca Black em uma espécie de estrela. O olhar perdido e sorriso morto da loirinha à esquerda talvez seja, junto com o “fun, fun, fun, fun, fun…” os grandes momentos do videoclipe, uma aula de clichês levados a sério que cogita-nos a possibilidade de Justin Bieber ter sido inventado pela Mad ou pelo Saturday Night Live.

Ao mesmo tempo, Black tem uma espinha enorme do lado da boca, um olhar de psicopata alimentada pela TV, um sorriso idiota que mistura vergonha e orgulho em medidas improváveis – nada demais, só uma adolescente de treze anos brincando de videoclipe. Aquilo poderia estar acontecendo através de uma câmera de celular ou via webcam, ser uma mera extensão da velha brincadeira de menina de vestir roupas de adultos e tirar fotos.

Eis o motivo de seu sucesso, verdadeiramente. Rebecca Black é igual a todas as fãs de Justin Bieber (ela mesma perde o fôlego ao cogitar sequer encontrar-se com o Mickey humano – Fred Astaire who?) e é por isso que ela é tão amada/odiada. E, por isso mesmo, vista. E esses defeitos também fazem parte do sucesso da cantora, que roda milhões de views no YouTube POR DIA – um feito que nem Lady Gaga em “Telephone” conseguiu.

É uma menina como qualquer um dos que estão assistindo – ela não é loira e maravilhosa, magra de voz afinada, não tem berço nem padrinho. Foi trabalhada por uma agência de música que faz com filhos de pais esperançosos a mesma coisa que outras tantas fazem para empresas: em vez de viralizar produtos e campanhas promocionais, a Ark Music viabiliza o melhor caminho para transformar crianças cujo talento mora em algum lugar da cabeça (ou do coração) de seus pais. E Black era um “queise” que agência nenhuma no mundo pode exibir.

Talvez tenha a ver com o mesmo clamor por “winning” que transformou Charlie Sheen em uma besta enraivecida do pós-apocalipse – ou, como disse Bret Easton Ellis, uma celebridade pós-império, uma pós-celebridade. Uma estrela que em vez de esconder seus defeitos, os escancara como suas quase mínimas qualidades. Ela também comemora a acabação e descerebração (paixão e foco), mas do alto de seus treze anos isso não pode dizer muito mais do que dois dias sem escola, mesmo que sua diversão seja a repetição vazia de um monossílabo fanho.


Assista aqui à entrevista de Rebecca Black ao programa Good Morning America

Entrevistada pela mesma Andrea Canning que entrevistou Charlie Sheen em sua aparição mais memorável, Rebecca disse estar se sentindo vítima de “cyberbullying” em larga escala, pois imagine a quantidade de reclamações que você fez ao vídeo elevadas à casa dos milhões diários chovendo na cabeça de uma menina de 13 anos. Mas ao contrário de atores-mirins que normalmente respondem que esse tipo de sucesso é “fruto de um trabalho árduo”, “de uma família que lhe apoiou” e outros clichês do nível daqueles repetidos no Arquivo Confidencial do Faustão (sábias palavras de Ari Gold em Entourage, quando diz que atores-mirins têm trinta anos a mais do que a idade que alegam ter), ela sabe que está ali porque seu pai pagou, que não canta bem e que está vivendo uma espécie de sonho – como se tornar rockstar fosse resultado de uma promoção publicitária, mais do que de uma meta de vida.

Eis o significado de Rebecca Black. Se tornar o próximo grande astro está completamente – e para sempre – desvinculado de qualidades antes imprescindíveis, como talento, beleza, técnica ou carisma. Rebecca, como tantos participantes do Big Brother, memes de internet e blogueiros que viraram apresentadores de TV, não tem nada disso e é um sucesso. Ou seja: ela representa a banalização final do estrelato, o que pra muitos pode ser visto como uma lástima, mas que deve ser comemorado. Afinal, o da forma como é vendido hoje, o sucesso é uma miragem distorcida feita para drenar talento de verdade na base da superexposição. Se a máquina do showbusiness aceita talento e não-talento da mesma forma, talvez seja hora das pessoas comuns – sem talento – desfrutar de seus segundos de euforia para, em pouco tempo, o conceito de celebridade cair por terra de uma vez por todas.

É claro que antes temos que nos acostumar com outras ações e reações, como a triste história do “Zangief da vida real” que fez sucesso na semana passada:

Charlie Sheen, Rebecca Black e esse gordinho são só o início de um troco… Depois eu falo mais sobre isso.

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