“Alternativo a quê?”

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Quando este livro de capa azul foi lançado, a cena independente brasileira já tinha entendido a internet (que ainda estava em seus primeiros passos, o Napster ainda existia e a banda larga era uma novidade – e ninguém usava celular) e começava a ligar os pontos tanto internamente – conectando capitais entre si – quanto com o que acontecia nos mercados independentes em outros países. E foi muito significativo perceber que aquele período conversava bastante com o que havia acontecido nos EUA nos anos 80, quando a lógica do faça-você-mesmo do punk persistiu depois que o hype do punk esfriou. Atravessando o país em vans apertadas, de ônibus ou de carona, bandas brasileiras suspiravam aliviadas ao saber que grupos como Sonic Youth, Black Flag, Hüsker Dü, Fugazi e Mudhoney passaram por perrengues parecidos antes de se estabelecerem como artistas consagrados. Não que o estrelato fosse meta, pelo contrário: todos – os brasileiros e os gringos – queriam apenas viver de música, do jeito que dava.

Mas não havia informação sobre estas bandas – até a chegada de Our Band Could Be Your Life. O livro de Michael Azerrad, lançado em 2001, funcionou como uma bíblia para pelo menos duas gerações de bandas independentes do Brasil, que ajudaram a moldar a paisagem atual. E por mais que o livro já tenha sido lido e relido por várias pessoas, a barreira do idioma ainda é um entrave – até que a produtora Powerline resolveu traduzir e lançar o livro no país. A primeira atividade do lançamento acontece nesta quinta-feira, às 13h30, na Sim São Paulo, quando seu autor, Michael Azerrad, fala pessoalmente sobre aquela cena com mediação feita pelo Dago Donato e pela Raquel Francese, também da Powerline, com a participação de ninguém menos que o baterista do Sonic Youth, Steve Shelley (mais informações aqui).

E é muito legal ver que o Nossa Banda Poderia Ser Sua Vida – que pode ser comprado neste link – está sendo lançado no Brasil pela editora do Leandro Carbonato, o bom e velho Emo, que foi estagiário do próprio Dago na Trama Virtual, há uns quinze anos. Dago – como muitos da nossa geração – tinha o livro como referência para quem queria trabalhar com música e obrigava todos que trabalhavam com ele a lê-lo, como um manual de instruções. Deu certo: além de lançar o livro, Emo hoje está por trás de turnês de bandas indies como Built to Spill e L7 – só pra ficar nas mais recentes – e promete mais novidades por aí. Michael ainda participa de uma tarde de autógrafos na sexta, às 19h (mais informações aqui) e possivelmente fará alguma outra atividade para lançar o livro. Bati um papo com ele por email sobre seu livro e sua relação com a cena independente brasileira – e lá embaixo tem um trecho do capítulo sobre o Sonic Youth.

Foto: Haley Dekle

Foto: Haley Dekle

Qual é a sua relação pessoal com o período que você retrata no livro?
Eu tocava bateria numa banda nesta época – chamávamos Love Gods e poderia dizer que éramos influenciados pelos Talking Heads, Meat Puppets e Violent Femmes, mas nunca diria que éramos parte da comunidade sobre a qual escrevo no livro – apesar de termos aberto uma vez para os Flaming Lips no CBGB’s e eles foram muito legais com a gente. Eu vi a maior parte destas bandas do livro, mas, mais uma vez, não diria que eu fazia parte desta comunidade – eu só gostava da música.

Como você teve a ideia para escrever este livro?
Uma noite há vinte anos, eu estava no sofá vendo um documentário – em uma fita VHS – sobre a história do rock. A parte sobre punk rock começava com os Ramones, os Sex Pistols e tudo mais, mas de repente ia direto dos Talking Heads para o Nirvana. Não fazia sentido. Cadê o Black Flag? Os Replacements? Sonic Youth? Tantas outras grandes bandas que aconteceram entre os Talking Heads e o Nirvana. Eles simplesmente pularam os anos 80!
Eu não conseguia acreditar. Achava que alguém deveria fazer algo em relação a isso. Então eu mesmo decidi fazer. E fazia muito sentido: seria uma introdução à minha biografia sobre o Nirvana (Come As You Are: The Story of Nirvana) que é o único livro sobre a banda que contou com a cooperação de todos seus integrantes. Escrever sobre isso foi uma experiência transformadora para mim. Documentar a história anterior ao Nirvana seria uma boa forma de devolver à altura – foi como quando Kurt Cobain começou a usar camisetas de seus músicos favoritos, como os Melvins ou Daniel Johnston. Era um trabalho enorme, mas eu tinha de fazê-lo.

Quais foram as melhores e piores surpresas que você descobriu ao fazer este livro?
Acho que a melhor e pior surpresas foi descobrir que os Butthole Surfers enfiaram cinco pessoas, duas baterias, dois amplificadores, duas guitarras, duas luzes de estrobo e uma pitbull fêmea chamada Mark Ferner of Grand Funk Railroad num Chevy Nova 71, que é um carro muito pequeno. E eles fizeram isso sem cortar a separação entre o porta-malas e o banco de trás, de forma que três pessoas poderiam deitar no banco de trás com a cachorra. Eles viajaram por todos os Estados Unidos assim, o que é tão horrível quanto maravilhoso. Isso é dedicação!

Como você vê esta cena hoje em dia? Estas bandas são uma espécie de novo rock clássico?
Tem gente que diz que o Nossa Banda… estabeleceu um cânone do indie rock norte-americano dos anos 80, um conjunto de bandas que são amplamente reconhecidas como ótimas. Mas não acho que elas formam um “novo rock clássico”, porque o rock clássico é a música comercialmente bem-sucedida mais pesadamente hypada em toda a história da humanidade. O rock independente americano dos anos 80 era muito obscuro e até hoje, comparando, poucas pessoas sabem que ele existiu. Mas as pessoas que sabem o lembram com muito carinho, talvez por isso você esteja falando disso.
Mas muitas bandas daquela comunidade ou continuaram trabalhando ou voltaram quando esta música voltou a ser falada e é bom saber que eles tiveram reconhecimento – e um pouco de dinheiro também – que eles mereciam. Mission of Burma, Dinosaur Jr e Mudhoney fizeram ótimos discos e fazem shows incríveis neste novo milênio.
Quando olho para esta comunidade hoje, penso na música, nos shows e nas histórias, mas também penso na forma como eles foram tremendamente influentes na cultura como um todo: na época, muito pouca gente sabia o que “indie” queria dizer, mas agora é uma palavra muito atraente para vender tudo, de filmes a cosméticos. Movimentos culturais grandes normalmente são antecipados pela música e a cena indie não foi nenhuma exceção.

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Como você vê a evolução desta cena nos EUA desde a chegada da internet?
Responder isso tomaria muito tempo. Mas uma grande coisa que aconteceu foi que a amplitude musical explodiu. Como a distribuição física não é mais a única forma de vender música, selos podem trabalhar em uma escala bem menor, de forma que eles podem tratar de subgêneros musicais bem específicos. Então agora existem 50 tons de black metal, por exemplo, todo o tipo de música eletrônica, toneladas e toneladas de subgêneros do hip hop e por aí vai. E isso é bom para a música.

Os termos “indie”, “alternativo” e “college rock” significam alguma coisa hoje em dia quando falamos sobre música?
“Indie” era usado para designar selos que trabalhavam fora do sistema das grandes gravadoras. Depois virou um termo para descrever um tipo de som – normalmente pop-rock barulhento tocado com guitarras e cantado por pessoas que não cantavam bem. E agora se tornou uma descrição para um estilo de vida.
Ninguém usa mais o termo “alternativo”. Acho que, por um lado, devido ao fato da mídia digital ter nivelado os campos de atuação e não haver mais distinção entre música mainstream e independente. E era um termo besta, pra começar. Quando você queria soar esperto, você respondia “alternativo a quê?”
Já o termo “college rock” eu não ouço há década.

O que você sabe sobre a cena indie brasileira?
Eu não sei nada sobre a atual cena independente brasileira, mas estou querendo ouvir na minha visita à Sim São Paulo. O Brasil produz uma das melhores músicas do mundo, por isso acho que esta música deve ser espetacular.

Você está trabalhando em algum novo livro?
Eu acabeui de publicar Rock Critic Law, que é um compêndio de clichês de introdução à crítica de rock, cada um deles ilustrado por Edwin Fotheringham. Eu não sei o quanto as pessoas escrevem sobre rock em português, mas em inglês existem muitas, muitas construções preguiçosas usadas pelos escritores. Eu vinha percebendo isso há anos, até que finalmente coloquei todos eles num livro de forma que ninguém mais precisasse usá-los.
Agora estou trabalhando em uma versão em áudio para o Nossa Banda, com as pessoas que foram inspiradas por estas bandas lendo um capítulo cada. Jeff Tweedy do Wilco está lendo o capítulo sobre o Minutemen, Colin Meloy dos Decemberists está lendo o capítulo sobre o Hüsker Dü, o comediante Fred Armisen está lendo o dos Butthole Surfers chapter e anunciaremos mais nomes nas próximas semanas. É muito divertido e eu não vejo a hora de lançá-lo – dia 21 de maio.

Um trecho do capítulo sobre o Sonic Youth
Tradução de José Augusto Lemos e Marina Melchers

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No mundo mainstream do início dos anos 80, uma mulher tendo papel de destaque em uma banda ainda era novidade. Mas não no punk rock.

Tanto Moore quanto Ranaldo vinham tocando guitarra desde o ensino médio, já Gordon estava recém aprendendo a tocar baixo, e foi necessário um salto relativamente grande para que ela subisse no palco. “Eu pensei nisso mais como sendo algo emocional, e não em termos de tentar tocar música”, diz Gordon. “Eu não conseguiria fazer nada se eu pensasse nesses termos — eu sempre preciso criar uma visão diferente para mim mesma.”

“Como mulher eu me sentia um pouco invisível no meio de tudo aquilo, de qualquer jeito”, continua Gordon. “Eu estava lá praticamente na posição de voyeur”, ela acrescenta com uma risadinha. Não muito confortável em estar sob os holofotes, Gordon preferia ter um papel principal que não fosse obviamente principal, o que descreve perfeitamente o baixo. “É tão importante — é um instrumento de apoio mas é…”, ela diz, sua voz desaparecendo. “Gosto de coisas assim. É algo que se encaixa com minha personalidade.” Gordon preferia ser uma força sutil porém decisiva fora do palco também, então enquanto Moore geralmente instigava tudo, desde a composição das canções aos contratos com gravadoras e Ranaldo operava como o maestro, Gordon era geralmente a consciência estética (e de negócios) da banda.

Logo no início, Moore a ensinou a tocar partes simples no baixo. Ele mostrava discos de reggae, para ilustrar o quão eficazes mesmo apenas algumas notas poderiam ser. A abordagem simples funcionou a favor deles mesmo assim — linhas de baixo mirabolantes teriam criado confusão nas composições que já eram carregadas.

Ainda que nem Moore nem Ranaldo tivessem uma técnica refinada para tocar seus instrumentos, isso não impedia que criassem densos dilúvios de som. “E ela nunca toca dessa maneira”, diz Ranaldo sobre Gordon. “As coisas que ela faz são todas frugais e minimalistas e ainda assim são complexas. Existe algo na maneira como ela pensa, tanto em ritmo quanto em harmonia, que é realmente incrível para mim.” Como vocalista, Gordon desenvolveu uma espécie de grito indiferente, como uma criança chamando os amigos para falar de algo incrível que encontrou mas tentando não parecer empolgada demais com o assunto.

Gordon era uma artista que simplesmente transferia sua estética altamente refinada para o rock, um gênero que, como o punk provou, exigia sensibilidade além de técnica. “Ela vinha completamente de um background de escola de arte”, diz Bert. “E era isso que fazia a banda.”