Jean-Yves de Neufville (1957-2013)

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Não conheci Jean-Yves pessoalmente, ao contrário da grande maioria de jornalistas que escreviam para a Bizz, uma das minhas cartilhas nesta profissão. Seus textos, por outro lado, estavam entre os principais no período anterior à chegada da geração anos 90 à redação, dois períodos tidos como auges da revista, por duas gerações diferentes, e ele era um dos poucos a defender a importância histórica dos Beatles num período em que isso não era bem visto (a versão em CD da discografia do grupo, por exemplo, só foi aparecer em 1987, 88…) e lembro ter comprado o Orange & Lemons do XTC, que até hoje é um dos meus grandes favoritos pessoais, depois de ler uma crítica entusiasmada daquele crítico de nome francês na revista. Minha memória até pode estar me traindo e eu posso estar misturando as autorias, mas o fato é que a forte presença de Jean-Yves neste período da revista é contrastante com sua ausência digital. Ao ficar sabendo de sua morte, ocorrida nesta terça-feira e noticiada por sua filha através do Facebook do Alex Antunes (outro que escreveu nestes ditos auges da publicação – mas este eu conheci!), fiz uma busca atrás de informações sobre o crítico e nem mesmo fotos de Neufville eu encontrei. Apenas este minúsculo retrato em seu perfil no Facebook:

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Mais tarde o Sérgio Martins lamentou via Twitter e o Dodô foi atrás de sua coleção de Bizz para desenterrar a capa com o Cure feita pelo velho Jean-Yves, que acompanhou a mítica primeira turnê do grupo de Robert Smith no Brasil e pode descrever, faixa a faixa pela primeira vez no mundo inteiro, como era seu novo disco, Kiss Me Kiss Me Kiss Me. Podem justificar esta ausência dizendo que crítico de música pop ou jornalista que cobre música não têm a importância que outros tipos de crítico ou jornalista, mas não deixa de ser lamentável a ausência digital da obra de Neufville. Vamos torcer para que, pelo menos depois de sua morte, sua obra ressurja.

(PS – E se alguém souber sua data de nascimento exata, agradeço a informação)

Impressão digital #140: Aaron Swartz (1986-2013)

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E a minha coluna no Link dessa semana foi sobre a morte de Aaron Swartz (que a Tati entrevistou pra uma capa do Link em abril do ano passado

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Swartz não se contentava com uma vida confortável
O ativista seguiu seus ideais e não o mercado

Como acontece com quase tudo online, o trecho do clássico poema beat Grito (Howl, em inglês), de Allen Ginsberg, virou piada há algum tempo. A épica constatação que “vi as melhores mentes da minha geração destruídas pela loucura” ganhou um tom jocoso feito para ridicularizar uma das principais obsessões profissionais deste século digital: “Vi as melhores mentes da minha geração pensando em como fazer as pessoas clicarem em anúncios”.

Parece só uma piada, mas não é exagero: há muita, mas muita, gente talentosa que, devido às preocupações do mercado, se vê obrigada a deixar suas melhores qualidades em segundo plano para queimar neurônios para fazer com que as pessoas curtam posts no Facebook, deem RT em tweets, cliquem em banners ou para que façam galerias de fotos para que os usuários fiquem mais tempo online. Palavras como “engajamento”, “monetização”, “publieditorial” e “multiplataforma” (além de termos em inglês “buzz”, “app”, “newsfeed”, “e-commerce”, “startup”, “brainstorm”) causam urticária em pessoas que gostariam de estar fazendo outras coisas, mas se veem presas à obrigação de gerar audiência para uma marca.

O norte-americano Aaron Swartz, que nasceu em 1986, preferiu o outro caminho. Gênio da programação, o rapaz de 26 anos que cometeu suicídio há dez dias pode ser considerado não apenas um dos desbravadores da web que habitamos hoje, mas um de seus principais arquitetos. Ainda adolescente, trabalhou com nomes como o criador da World Wide Web Tim Berners-Lee (em um projeto de web semântica, a tão esperada web 3.0) e com o advogado Lawrence Lessig (Aaron o ajudou a traduzir a lógica das licenças livres do mundo do direito para a linguagem técnica dos computadores). Mas não bastou estar nos ombros dos gigantes. Foi além.

Não tinha nem 20 anos quando criou o web.py, framework para desenvolvimento web na linguagem Python que não só foi a base da criação de um dos primeiros sites sociais do mundo, o FriendFeed, como mais tarde serviu tanto para a criação do Facebook quanto para os vários projetos de rede social do Google. Ajudou a criar o Reddit, uma das redes sociais mais importantes e ativas da última década, cuja relevância e importância crescem a cada ano – não por acaso Barack Obama ofereceu-se para ser sabatinado na rede social, na campanha para a reeleição no ano passado. Aaron também era um dos principais articuladores do ativismo digital do século, escrevendo artigos e defendendo causas sempre à favor da liberdade de expressão e da internet aberta.

O tom grave de sua morte parece piorar o cenário descrito na paródia do poema do início do texto. Aaron poderia se juntar aos muitos geninhos que preferiram o conforto do emprego seguro e da vida corporativa e hoje estaria vivo, talvez ganhando muito dinheiro, mas inquietado. Preferiu seguir seu coração e todos nós ganhamos com isso.

Os mais cínicos dirão que ir atrás do próprio sonho foi o que determinou o fim de sua vida – um argumento ridículo. O motivo pelo qual Aaron tirou a própria vida não é claro, embora tudo indique que tenha a ver com o processo que o Massachusetts Institute of Technology (MIT) movia contra ele. Um processo que, se fosse considerado culpado, poderia colocá-lo na cadeia por até 50 anos.

Aaron era a favor da difusão livre da informação e hackeou o Jstor, um banco de dados de teses científicas, para mostrar que este conhecimento deveria estar na rua, ao alcance de todos. A ironia desta situação vem do caso que Aaron só virou programador porque, aos 11 anos, descobriu que o próprio MIT oferecia cursos gratuitos online.

Claro que ele aprenderia a programar de outra forma – mas, ao hackear o Jstor, não tenho dúvida de que ele queria aumentar a possibilidade de que mais pessoas como ele pudessem seguir seus sonhos – e não ficar pensando em como fazer os outros clicarem em anúncios.