Tudo Tanto #35: PicNik em Brasília

picnik

Minha coluna Tudo Tanto na edição de agosto deste ano da revista Caros Amigos foi sobre o festival candango PicNik.

Crescer pra quê?
O festival brasiliense PicNik aposta no médio porte para se tornar autossustentável e agradável ao mesmo tempo

No horizonte, impávida, a Torre de TV de Brasília parece ainda maior pela ausência de construções ao seu redor e por estar constantemente avistando os frequentadores do festival PicNik abaixo. Circulando ao redor do espelho d’água em frente a ela, o evento que começou a partir de uma inquietação e sem muitas expectativas reunia dezenas de expositores e vendedores agora era um enorme de pequenos produtores que trabalham com comida, moda, artesanato, decoração, saúde, bem estar e recebia milhares de pessoas durante os dois dias em que aconteceu no final de junho na capital federal.

Ao fundo, no final dos corredores e tendas de lojas e barracas de alimentação, camas para massagem, fumódromos de narguilê e até uma máquina que cortava discos de vinis de shows gravados na hora, uma tenda de circo cobria um pequeno palco em que a banda FireFriend apresentava-se. Liderada pelo casal Yuri Hermuche (guitarra e vocais) e Julia Grassetti (baixo, vocais e teclados) ao lado do baterista Pablo Oruê, o trio indie paulista funcionava perfeitamente naquele ambiente, a tarde fria e ensolarada de um sábado de outono reunia uma quantidade boa de gente para ver o grupo tocar. Não estava cheio mas não estava vazio e muitos dos que paravam para assistir ao show tinham ido apenas para fazer compras – ou apenas passear, já que o festival é gratuito.

Embora adequado para a proporção do FireFriend, aquele palco parecia pequeno para receber os artistas que ainda tocariam naquela edição do evento, como o trio O Terno, a cantora Ava Rocha e os dez integrantes do grupo Bixiga 70. Não o tamanho do palco em si, mas sua distância em relação à audiência, a altura e ausência de fosso entre artista e público. Mas o que a princípio parecia discrepante, na verdade é estratégico. Porque o PicNik quer crescer, mas não crescer demais.

“Nós não temos interesse em tornar o evento maior do que já é, e sim de entender como criar filtros para manter dentro do evento um público saudável e interessante, que interaja positivamente com nossa ferramenta, seja comprando dos expositores, vendo uma palestra, curtindo um show, fazendo aula de ioga, trabalhando como voluntário”, me explica Miguel Rodrigues Galvão, que idealizou o evento ao lado da publicitária Julia Hormann. “Algumas pessoas que estiveram nos primeiros anos não frequentam mais o PicniK e estamos vendo uma nova geração abraçando uma proposta: o desafio agora é contextualizar essa galera de que existem princípios e motivos para o projeto acontecer, que não somos apenas uma grande farra aberta.”

O festival começou como um bazar coletivo criado de uma hora pra outra, sem planejamento, aproveitando o momento. “Em 2012, uma amiga que trabalhava na administração de Brasília – uma espécie de prefeitura local -, me procurou para pensar uma ocupação diurna ao Calçadão da Asa Norte, espaço recém-inaugurado mas que era desprezado pela vizinhança e já se via tomado por marginais”, continua Miguel. “Na mesma época, morava com uma menina, a Dani, que estava muito envolvida com a vibe de brechós e percebi que tinha uma onda muito legal envolvida nessa movimentação. Juntamos as pontas e pensamos: se a gente trazer um público legal para esses expositores, será que eles nos ajudam a pagar a conta de nosso encontro? Daí, olhamos para uma data que parecia ideal para lançar a proposta: o aniversário de Brasília, que à tempos não tinha uma celebração que envolvesse a galera alternativa da cidade.”

Miguel conta que a ideia do evento já estava em sua cabeça há mais tempo, mas ele não via como viabilizá-la. “Estava muito desiludido com esse meio da cultura noturna alternativa – em que atuava ativamente – e vislumbrava a criação de uma plataforma de vibração de dia, onde as pessoas interessantes e diferentes da cidade poderiam se encontrar para interagir sem as ‘máscaras’ da noite, que propusesse um break, mesmo que momentâneo, dessa intensidade virtual a que somos submetidos, valorizando a realidade presencial acima de tudo”, explica. O nome veio a partir da sensação de que ele queria passar para o evento – algo leve, diurno, pra cima e para todas idades.

Esta preocupação também estava refletida na escalação das bandas. Nada muito pesado, agressivo ou barulhento – a curadoria musical do festival PicNik caminha em direção à psicodelia, ao indie rock e à música brasileira, buscando artistas que ocupem as interseções entre estes estilos. Além de FireFriend, Bixiga 70, O Terno e Ava Rocha, o festival ainda contou com a banda califoniana Blank Tapes, o pernambucano Tagore, os paraibanos Glue Trip, os gaúchos dos Mustaches e os Apaches, os mineiros do Congo Congo e Teach Me Tiger e os brasilienses Transquarto, Brancunians, Supervibe, Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro e Cassino Supernova – estes últimos homenageando o jovem recém-falecido baixista Pedro Souto.

Outra peculiaridade bem-vinda do festival: deixar as atrações mais disputadas para o meio da programação – e não para o final. Assim, quando a última banda estava tocando, grande parte do público já tinha ido embora e o encerramento do evento não fica naquela suspensão de eletricidade coletiva característica dos shows para multidões, terminando naturalmente. Ponto para o grupo.

Convergência na cabeça

Ainda sobre o assunto narrativa transmídia, entrevistei o autor do termo, Henry Jenkins, cujo livro Cultura da Convergência foi lançado no Brasil.

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‘O formato transmídia é irreversível’

Entrevista com Henry Jenkins, escritor, pesquisador e diretor do programa de mídia comparativa no M.I.T.

O pesquisador Henry Jenkins tem um currículo invejável – além de diretor do programa de mídia comparativa no Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), ele é autor de nove livros que lidam com as relações entre mídia e consumo, entre eles Cultura da Convergência (Aleph, R$ 59), em que cunhou o termo “narrativa transmídia” (transmedia storytelling). Mas prefere ser referido como “aca-fan” – um acadêmico que também é fã do tema que trata. Ele conversou com o Link em entrevista realizada em sua visita ao Brasil, no final do ano passado, sobre as transformações que o universo digital impôs à mídia.

Em seu livro, quando o sr. se refere a convergência, não está falando especificamente de aparelhos, mas de mídias e narrativas.
Acho que estamos vendo que existe uma série de intersecções entre as diferentes mídias ao mesmo tempo em que há uma proliferação de novas tecnologias. Não acho que existe – ou que existirá – uma caixa mágica para onde todas as mídias convergirão. O ponto central é que as pessoas estão criando novas relações com a mídia e ela está se fragmentando. Meus estudantes carregam mais dispositivos e aparelhos de comunicação do que um soldado no Vietnã – a mídia é tão central em suas vidas, mas ao mesmo tempo eles têm ferramentas e plataformas diferentes ao ponto de duas pessoas sentadas uma ao lado da outra terem opções bem distintas para cada coisa. Não acho que isso vá parar em um futuro próximo, vejo o processo da convergência seguindo cada vez mais contínuo e mais dispositivos, configurações e aparelhos surgirão e não acho que aparecerá um dispositivo definitivo tão cedo.

O mesmo acontece com a mídia?
Hoje a mídia habita diferentes plataformas com o mesmo conteúdo. Logo todo o conteúdo nessas diferentes plataformas conversarão entre si e se completarão, tornando-se transmídia.

Mas estamos falando em nichos?
Ainda. As estratégias transmídia começaram primeiro em programas de TV que têm apelo entre nerds e geeks, que são os primeiros entusiastas desse formato. Agora estamos vendo isso para programas de TV para adolescentes, como Gossip Girl. Ainda não vemos estratégias como essas para programas de TV que mirem nos adultos porque ainda não encontraram um público que possa se relacionar com isso, mas quando a geração Pokémon chegar à idade adulta, isso terminará, pois tudo se tornará transmídia.

As pessoas terão tempo para consumir esse tipo de narrativa?
Boa pergunta. O cidadão comum terá tempo e disposição para ir no site, jogar o game, ler o anime ou será que eles só quer ver um filme ou um programa de TV? Hoje isso ainda é uma opção, as pessoas ainda podem conhecer histórias de um jeito ou de outro, mas na medida em que essa nova opção torna-se mais frequente, veremos que a resistência a ela diminuirá e esse formato será irreversível.
O que eu acho que vai acontecer – na verdade, já está acontecendo – é que aquilo que não for transmídia vai se tornar transmídia nas mãos do público. Falando apenas sobre programas de TV, se você reparar, vai perceber que os melhores produtos transmídia não foram criados pelas empresas que produzem os programas, mas pelos fãs. Veja a Lostpedia, que é uma Wikipedia feita por fãs de Lost, e você terá uma quantidade de informações sobre o seriado que seus produtores nunca produziram ou lançaram.

Isso não acena para cenários apocalípticos do tipo ‘o fim da TV’?
Se você analisar historicamente, não existe mídia morta. Há tecnologias que ficam velhas, mas não mídia morta. Veja o som gravado, por exemplo. Nós partimos do cilindro de cera rumo aos arquivos de MP3, mas desde que o som começou a ser gravado, ele segue sobrevivendo. O teatro não foi superado pelo cinema, como o cinema não foi ultrapassado pela televisão, da mesma forma como a TV também não vai ser banida pelo digital. Todos ainda estão lá. O que estamos vendo é o acréscimo de camadas na paisagem midiática e assim ocorrem mudanças nas relações entre essas camadas. E da mesma forma a estrutura da indústria tem mudado: o rádio já teve um papel central na sociedade, mas hoje ele vem sendo posto de lado, como o teatro já foi um dos principais temas da mídia e hoje é literalmente um nicho. Isso não quer dizer que a TV irá acabar. Por mais que as pessoas se divirtam ou usem o computador para uma série de coisas, a TV faz coisas que nenhuma outra mídia faz e isso vale para todas as mídias. O que muda é a importância delas para a sociedade.

Mas podemos imaginar um cenário em que, por exemplo, Hollywood se torne um nicho?
Sim, como aconteceu com a ópera, Hollywood pode sim se tornar um nicho, que precise de subsídios do governo para continuar existindo. Mas essa indústria tem tentado se posicionar na nova paisagem de mídia e explorá-la de forma eficaz, conectando-se com outras mídias, como quadrinhos. O mesmo tem acontecido com a TV, que está se adaptando muito rapidamente à distribuição digital. Meus alunos no MIT assistem cada vez mais televisão fora da televisão – seja baixando programas ilegalmente em torrents, comprando de forma legal pelo iTunes ou assistindo aos programas nos sites das emissoras. Mas ainda é TV, ainda é uma narrativa episódica.

Mas o disco como conhecíamos, o álbum, não morreu?
A indústria da música está voltando para as canções, que sempre foi a unidade básica na história do som gravado. O álbum é um capítulo específico dessa história, um experimento que falhou. Podemos imaginar que, no futuro, teremos um espaço sonoro, que seria um ambiente virtual em que você pode passear por ele e aí ouvir diferentes músicas dentro de um mesmo contexto – que é a ideia por trás de um álbum, só que adaptada à realidade digital. Já podemos dizer que games já estão fazendo isso, afinal o Guitar Hero e o Rock Band já são esse tipo de ambiente em que é possível encontrar diferentes canções organizadas por níveis de dificuldade. Haverá novos padrões para configurar e organizar o conteúdo, que ainda é baseado em canções. Não que a canção seja a única estrutura possível, mas agora é ela que parece funcionar melhor.