Leitura Aleatória 233


Foto: Pink Lemonade <3

1) Feliz natal, Luciano e Bia (comercial de agência de publicidade)
2) Feliz natal, Babee e Danilo (top 45 discos de 2008)
3) Feliz natal, Flávia (Madonna no Brasil), Hec (projeto novo de HQ) e povo da Goma (especial Roberto Carlos especial de natal)
4) Feliz natal, Nogueira (RIAA não vai mais processar as pessoas por download ilegal)
5) Feliz natal, Fab e Mutli (um bate papo com Rogério Flausino)
6) Feliz natal, Pablo (quais os melhores games de 2008?)
7) Feliz natal, Nana Neri (Dezembrite)
8) Feliz natal, Bernardo e Bruno (Sobremúsica no Multishow)
9) Feliz natal, Luciano (novidades sobre o Vanguart e Ronei Jorge)
10) Feliz natal, Cardoso (a diferença entre um gênio e um pulha)

2007: Música sem disco

“Soooomewheeeeere ooover the raaaainbooow…”

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Fora todo o papo ético, econômico, legal e criativo ao redor do lançamento de In Rainbows, o disco que o Radiohead disponibilizou ao público em versão digital, há uma questão semântica que, pela banda, parece estar mais bem resolvida do que com a gente, os ouvintes. Logo depois que o disco deu as caras era muito comum ouvir as pessoas falarem que “a banda vazou o próprio disco”, como se não só em MP3 não estivesse valendo. O grupo cutucou ainda mais essa ferida ao programar o lançamento de In Rainbows em CD para o primeiro dia de 2008. De que ano é esse disco?

É claro que In Rainbows é de 2007. Mesmo se a versão física lançada pela banda chegasse para os fãs depois de janeiro, o disco tornou-se conhecido e ouvido no ano passado. O próprio Radiohead mais uma vez reforçou a datação de In Rainbows ao tocá-lo na íntegra em um show transmitido na noite de ano novo pela internet – não era uma apresentação ao vivo de um disco que ainda não existia fisicamente e sim a consolidação de um disco que existira até ali sem precisar do CD.

Em matéria de Radiohead, nenhuma novidade. O grupo foi protagonista do primeiro grande incidente envolvendo música digital, quando Kid A apareceu primeiro na internet (no Napster) e depois nas prateleiras de disco, no ano 2000. E o disco em questão não era nenhum arco-íris: Kid A é daqueles álbuns que frustram o fã por pular no abismo do experimentalismo. No holofote da expectativa, o Radiohead conectou-se com as principais vanguardas sonoras da virada do século e, quando apareceu primeiro na internet, parecia pegadinha. Muitos duvidaram se aquele era o disco de verdade, podia ser só uma gozação da banda. Não era. Kid A chocou ortodoxos, revoltou estreitos e encantou uma geração inteira de ouvintes que deixou-se levar pela viagem da banda.

Em 2007 o grupo repetiu a pegadinha, desta vez invertida. Foi indubitavelmente a banda quem avisou que o disco havia saído de sua esfera privada para a pública, algo que inevitavelmente aconteceria em alguma etapa do processo de transformação da música em uma rodela chata prateada. Entre o estúdio e a prateleira da loja, o disco passaria por inúmeras mãos – muitas delas de fãs do grupo, outras recebendo dinheiro para contrabandear o material. Qualquer um – no próprio estúdio, na fábrica de discos, na distribuidora, em qualquer etapa do marketing do novo álbum até na loja. Como sentira na pele há sete anos, o grupo sabia que era questão de o disco ficar pronto para que ele atingisse o ouvido público.

Por isso, o Radiohead foi na contramão. Preferiu ele mesmo dar o disco para os fãs, pois estes, independente de comprarem ou não o disco, iriam baixar qualquer registro inédito do grupo que parecesse ser novo material. Como já estava: todo o In Rainbows era composto por músicas que o Radiohead já trabalhava há anos e logo em que a seleção das faixas foi anunciada já era possível montar o clima do novo disco sem sequer ter o ouvido – apenas enfileirando corretamente vídeos caseiros da banda em turnê. Quando o disco de verdade apareceu (dia 10 do 10, 10 dias depois de ser anunciado, yadda yadda yadda) apenas confirmou a expectativa – e, como um efeito dominó, cópias eram feitas dos arquivos originais para armazenadores online de MP3s espalhados pela internet. Para baixar o disco, o grupo pedia o preenchimento de um minicadastro e, uma martelada doída no caixão da indústria do disco, sugeria que o público pagasse pelo disco. A provocação (ao mercado, à indústria, aos fãs, às outras bandas) era clara: “eu sei que você vai baixar o disco de qualquer jeito, mas se você quiser nos dar uma grana, não vamos achar ruim”. E pela primeira vez, podiam medir os downolads!

E, tanto em Kid A quanto em In Rainbows (mas não em Hail to the Thief, que contou com o marketing tradicional), o resultado do fato do grupo ter se beneficiado graças à internet foi consolidado com a chegada ao topo de algumas das principais paradas de discos mais vendidos pelo planeta.Tanto em 2000 quanto em 2007. Simplificando grosseiramente, os discos foram “testados” pelo consumidor antes de serem comprados. “Dados” ou “roubados”, dependendo do ponto de vista.

A gratuidade da música com a era digital é fato. Basta digitar o nome de qualquer música em programas ou buscadores específicos na internet que você vai encontrar. O mesmo pode ser dito sobre filmes, programas de TV, quadrinhos e livros, mas em escalas menores. Música, eu já disse, é o boi de piranha das transformações. É quem encabeça primeiro os tremores de mudanças sociais e, inevitavelmente, acaba sofrendo com isso. O Radiohead resolveu pagar pra ver – ou pedir pra você pagar, feito o moleque das Casas Bahia – se sentia a dor na pele.

Não sentiu – pelo contrário. Saudado como líder da nova revolução eletrônica, o grupo fez um disco irrepreensível – e idêntico ao disco esperado pelos fãs desapontados com Kid A. Convencional e correto, In Rainbows é orgânico em sua natureza e ousado na medida certa, sem exageros. E a reação dos ouvintes também foi inversa: se Kid A espantava, In Rainbows atraía. Muita gente foi ouvir Radiohead com atenção pela primeira vez graças ao marco autodeterminado pelo grupo. E, além disso, muita gente foi baixar música da internet pela primeira vez graças a In Rainbows.

É sério. Tem muita gente que vive completamente alheia à música digital e que trata o mundo de MP3, iPod e MySpace como uma alucinação coletiva ou uma grave debandada das pessoas para a ilegalidade. Com uma propaganda alarmista para tentar evitar uma crise anunciada desde os anos 90, a indústria de entretenimento conseguiu impregnar no imaginário das pessoas a idéia de que baixar conteúdo pela internet consistia em crime. Meu amigo BNegão não vai ligar se eu roubar uma anedota que aconteceu com ele que ilustra perfeitamente esta situação. Um dos primeiros artistas brasileiros a colocar seu disco inteiro para download (o ótimo Enxugando Gelo, se você não conhece, baixe agora), Bernardo recebeu um email de um fã que, morador de uma cidade pequena, não conseguia achar o tal disco para comprar. Ele nem pestanejou e retrucou o email com o link para o site do Centro de Mídia Independente, onde BNegão hospeda seu disco. Mas o sujeito do outro lado não ia baixar o disco, porque “baixar música da internet é prejudicial ao artista”. Posso estar me esquecendo de algum detalhe, mas a essência da história é essa.

É claro que há hierarquias e perfis entre os que baixam música. Há o que baixa os hits da hora usando um programa de P2P – onde também troca games e filmes – e o que fuça blogs de MP3 em busca de artistas desconhecidos. Gente que, mesmo que o artista não deixe sua música para download; liberando só o streaming, vai lá e consegue extrair o áudio na unha. Junkies por torrent que baixam discografias inteiras ou indies meticulosos que incluem até o PDF da capa na pasta de MP3s onde guarda o disco. Gente que troca arquivos via MSN ou que ripa CDs para mostrar para os amigos. São vários hábitos que já existem em relação à música digital e que, por algum motivo idiota, não os consideramos como fato. Não é mais “o que vai ser” – é o que é.

Se você mora em uma cidade com mais de um milhão de habitantes, tem grandes chances de a maioria das pessoas com fone de ouvido na rua estarem levando seus MP3-players portáteis. Com o computador migrando para o telefone celular de vez, será inevitável o dia em que teremos um só apetrecho que tire fotos, ande na internet, fale com outras pessoas e dê para ouvir música e ver filmes (eu quero o meu com isqueiro embutido). E a propalada “inclusão digital” vai estar bem melhor encaminhada…

Por enquanto, estamos exatamente no meio. E quem não usa a internet para ouvir e conhecer música é como uma pessoa que só pode ouvir rádio, mas não pode comprar discos nem fitas: a quantidade de opções, em comparação, é minúscula e você fica a mercê dos outros para ouvir o que quer.

Mas e a música vai ser de graça? “O artista vai viver do que?”, me pergunta sempre um carinha da MPB ou um roqueiro camisepreta. Perguntas ainda sem resposta, mas se você baixa arquivos por um provedor de internet é provável que este seja quem melhor sabe quem está sendo ouvido, lido, assistido. O U2 já fez a sua parte, tornando-se o Metallica dos provedores de acesso ao ameaçar processar todos os servidores que contivessem material pirata do grupo irlandês. Não me assustaria se o final dessa história viesse com um aumento no preço da assinatura à internet no provedor de qualquer um como desculpa de repassar (aham) o valor para os autores das obras. Mas me espantaria se liberassem tudo de graça – que é o único jeito de dar certo na internet atualmente. Mas aí era bem fácil que as pessoas fizessem festas de computador (as famosas Lan Parties) só pra trocar conteúdo entre si. Ou seja: controle? Esquece.

Por outro lado – e as lojas de disco? E os discos? Quanto tempo os discos durarão? Quem ainda gravará discos? Se há um par de anos o fim do CD deixava de ser uma suposição para ser uma possibilidade, hoje é fácil pensar num mundo sem discos. O artista ainda prensa o CD mesmo com a desculpa – plausível – de que o CD é seu cartão de visitas. Mas até quando? Cartões de visita no fim das contas, acabam ficando empilhados e são consultados raramente, quando não jogados fora.

Suspeito que há mais um fetiche do artista em ver sua obra concretizada em algo sólido do que disposição para vender os discos – sequer fazer com que eles sejam ouvidos. Não por falta de vontade na obra do artista, mas por falta de interesse na mídia escolhida. E se isso é visto como um problema para o artista brasileiro (mais do que para o estrangeiro, onde o disco ainda conta com uma sobrevida), eu vejo como uma solução. Sem ter que prensar, vender ou mostrar o disco, o autor poderá focar-se no que realmente sabe fazer. No caso, música.

Cinco Perguntas Simples: Maurício Bussab

1) O disco (como suporte físico) acabou?
Nao. Quem baixa MP3 hoje ainda é nerd. A tecnologia não chegou aos eletrodomésticos como o rádio do carro. Os tios das pessoas ainda nao sabem usar a tecnologia direito. Talvez sua pergunta seja se o suporte vai acabar. Aí provavelmente também não. Vai virar um produto de nicho mas acabar não vai. O disco é apropriado para algumas situacoes que o arquivo digital não cobre.

2) Como a música será consumida no futuro? Quem paga a conta?
A conta da produção será paga na maioria dos casos pela mesma pessoa ou empresa que ganha dinheiro com o show do artista que pode ser o empresário ou um outro personagem. Em alguns casos será pago por um patrocinador privado ou público: Coca-Cola oferece o novo disco da Madonna, grátis no site cocacola.com). Em alguns casos vai continuar como é hoje: paga pelo proprio ouvinte, diretamente.
Ainda acho que o formato da tecnologia não vai ser este. Este ‘momento iTunes’ que estamos vivendo é uma bizarrice. Acredito muito mais no formato assinatura que o formato iTunes. E acho que o faroeste da troca irrestrita só acontece porque o fosso entre o establishment e o consumidor continua imenso. Os donos da bola do mercado fonografico AINDA não entenderam que o processo de donwload é diferente do processo de compra de CD. Eu quero baixar MUITA musica. E comprar CD NA CERTEZA. O comportamento é completamente diferente e o povo ainda não entendeu isto.

3) Qual a principal vantagem desta época em que estamos vivendo?
Acesso irrestrito e global. É um momento sensacional para a música.

4) Que artista voce só conheceu devido às facilidades da época em que estamos vivendo?
Dificil listar. Hoje é mais comum eu conhecer alguem primeiro online do que
em CD ou ao vivo.

5) O estado da indústria da música atual já realizou algum sonho seu que seria impossível em outra época?
Ouvir e ser ouvido sem barreiras geográficas.

* Maurício Bussab toca no Bojo e é dono da Outros Discos.

Cinco Perguntas Simples

Outra materinha que saiu na Simples, dessa vez com vários depoimentos de diferentes agentes da indústria da música aqui do Brasil. Fiz cinco perguntas pra cada um deles e, na revista (não cabe tudo né?), pincei apenas alguns pra dar uma ilustrada. Aqui, cabe todo mundo, então começo a partir do próximo post e vou alternando até a semana que vem…

O Futuro da Indústria

Livre do CD, a música destrói a indústria do disco para criar uma nova forma de se relacionar com o consumidor – cada vez menos passivo e mais exigente. A pergunta proposta: qual? A resposta coletiva: todas

Você certamente tem o disco mais vendido dos últimos dois anos em casa – se não tem, é porque acabou e daqui a pouco você vai comprá-lo de novo. Ele não é comercializado por gravadoras, não tem capa, nem artista, nem canções: o CD virgem, à espera de arquivos em áudio que podem vir de graça pela internet, de um player portátil de música digital de um amigo, de um serviço de compra de música online, de outro CD ou até de outros suportes de áudio de outras eras, como a fita cassete ou o disco de vinil.

Essa é basicamente a pequena e crucial mudança da época em que vivemos. A música já não pertence ao suporte armazenador (que conhecemos por disco) e circula por aí, de computador em computador, de iPod para iPod, de CD em CD, e aos poucos vai desmantelando boa parte daquilo que entendemos como indústria fonográfica. Termos como “disco”, “rádio” e “mais vendido” vão caindo em desuso à medida em que outros, como “MP3”, “P2P” e “podcast” vão entrando em nosso vocabulário. E como a rapidez das mudanças desafia a velocidade das formulações de previsão, melhor juntar um grupo de entusiastas das novas tecnologias para tentar responder cinco questões que dão uma pequena geral no estado das coisas. Mais do que músicos, empresários, intelectuais ou executivos, são pessoas fissuradas por música que fazem as mesmas perguntas à medida em que se maravilham com o novo cenário. Alguém tem que puxar o bonde…

Cinco Perguntas Simples: Guilherme Werneck

1) O disco (como suporte físico) acabou?
Não acredito que o disco tenha acabado, mas a ganância está com os dias contados. Para muitos, eu inclusive, o fetiche pelo objeto disco permanece. Ainda é bom poder ler encartes, letras, ver a ficha técnica, pirar na arte etc. Mas as gravadoras precisam entender melhor o que fazer com o disco, como pensar o seu marketing, e entender que nem toda cópia é pirataria. Hoje, todos os meios digitais têm um grau de confiabilidade bem discutível, e o CD não é exceção. Tenho discos comprados no primeiro momento dos CDs que já estão com mais de 20 anos e praticamente desintegrando. Imagine se eu não tivesse guardado uma cópia digital? Teria de comprá-los de novo, pelos preços extorsivos praticados pela grande indústria. Pensando no Brasil, onde ainda não houve o boom dos tocadores digitais de música e onde a oferta de música digital ainda é ridícula, com poucos títulos e quase todos protegidos de uma maneira bisonha, como o DRM (Digital Rights Management) da Microsoft usado pelo iMúsica (nossa única loja virtual). Para mim, o disco vai durar um tempo mais longo por aqui do que nos países asiáticos (Coréia do Sule Japão), na Europa e nos EUA, onde o mercado digital já começa a amadurecer a fezaer frente ao CD. Todas as pesquisas de vendas do disco físico apontam essa queda. Mas, no Brasil e em outros países pobres, o CD vai existir em profusão, se não para a venda nas lojas e supermercados, na rua, nas banquinhas dos piratas.

2) Como a música será consumida no futuro? Quem paga a conta?
É difícil prever o futuro porque, para além da tendência de mercado, que é mesmo a de a música migrar para um formato digital tipo o MP3, existem também questões jurídicas que podem acelerar ou retardar essa inclinação do mercado. Nos Estados Unidos, por exemplo, o mercado de música digital vendida legalmente online cresceu bastante nos últimos dois anos não porque as pessoas se conscientizaram de que devem pagar os artistas e sim porque houve um cerco de leis. Hoje, copiar uma música protegida por DRM dá cadeia, a RIAA tem ganhado nos tribunais ações contra pessoas físicas que trocam músicas. Isso tem o seu peso. Por outro lado,a reação a esse cerco é bem inteligente. Um caso clássico é a idéia dos Creative Commons, contrato que sobrepõe o padrão do todos os direitos reservados e dá ao artista o poder de decidir como proteger os direitos de sua obra. Nesse caso, se o artista libera a cópia, deixa de ganhar dinheiro por uma lado, mas coloca para fora a sua música e pode ganhar bem com shows e com licenciamento de suas composições para cinema e publicidade, por exemplo. Outro modelo que, na minha opinião, tem mais chance de vingar é o da venda mais aberta de música, sem restrições de uso e de cópia. Vários selos e gravadoras pequenas já estão optando por essa forma de venda, que também tem como um dos principais atrativos os baixos preços. Cito dois exemplos interessantes nesse sentido. Um é o da gravadora virtual Magnatune, que permite que você ouça o disco todo antes de comprar – não só os 30 segundos do chamado “fair use” – e deixa você escolher o quanto pagar pela música. Lembrando que o artista fica com 50% do total pago pelo consumidor. Numa escala maior, o site de venda de músicas eMusic.com, que oferece mais de um milhão de canções de independentes, de gente desconhecida mas também de artistas muito populares, como Miles Davis. Todos os discos que tive vontade mesmo de comprar, encontrei por lá. E o preço é ótimo. Tenho uma assinatura anual, que me dá direito a 90 downloads por mês a um preço de US$ 0,17 por canção. Bem melhor do que comprar música por US$ 0,99, com DRM, no iTunes.
Fora esses dois casos, acredito também que iniciativas como as do TramaVirtual e do MySpace, que dão a possibilidade de o músico colocar canções para serem baixadas de graça da internet vão vingar. Já do ponto de vista de negócios, não dá para ignorar o crescimento absurdo dos ringtones e truetones, coisa que acho que só vai aumentar no futuro, a despeito dos preços. Afinal, hoje pode-se pagar quase R$ 5 por um trecho de uma música, o que é absurdo.
É importante notar que a indústria do disco está em crise – muito por conta de ser uma indústria bastante reacionária e com dificuldades de inovar – mas a indústria da música como um todo, não vê crise. Mesmo nos tempos do walkman, não lembro de ver tanta gente nas ruas com fones de ouvido. Em São Paulo, se compararmos os espaços de show de hoje com os de há 20 anos, o crescimento é brutal. Acho que esses fatores vão fortalecer um futuro em que o ouvinte médio de música vai migrar do gosto massificado promovido pelo esquema de “plantation” das grandes gravadoras, que ainda insistem em colar todos os seus ovos numa mesma cesta, para uma segmentação maior.
Coisas que só rolavam no underground, para iniciados, estão muito mais acessíveis a quem tem um pouco de curiosidade e um computador plugado na web. Antes, era só a TV e o rádio a ditar o que se devia ouvir, hoje, é fácil driblar essa ditadura do gosto e desenvolver um gosto pessoal, com menos imposições externas.

3) Qual a principal vantagem desta época em que estamos vivendo?
Acredito que seja essa segmentação que eu citei no fim da última questão, essa oportunidade de ouvir o que quiser. Gosto especialmente de iniciativas como a dos sites Pandora e Last.fm, que ajudam as pessoas a encontrar o que não sabem que existe. Acho que a distância entre artista e seu público também tende a diminuir. É só pensar no MySpace e em blogs de bandas. Acho que hoje nós vivemos um momento propício para que os artistas façam menos pose e mais música interessante.

4) Que artista voce só conheceu devido às facilidades da época em que estamos vivendo?
Um monte de gente. Semana passada mesmo eu conheci uma banda muito legal de funk-reggae dos anos 70 chamada Cymande, que ouvi num podcast brasileiro chamado Octopus Mono Sound. Das coisas novas, Arctic Monkeys, Clap Your Hands Say Yeah, Cee-Lo, Gnarls Barkley, Chihei Hatakeyama, David Thomas Broughton.

5) O estado da indústria da música atual já realizou algum sonho seu que seria impossível em outra época?
É só abrir o SoulSeek ou o baixar alguma coisa usando Bittorrent que muitos sonhos meus, impossíveis de imaginar em outras épocas, se realizam em pouquíssimos minutos.

Guilherme Werneck é editor-assistente do caderno Link e editor do podcast Discofonia.

Faça Rock, Não Faça Guerra *

Pense na quantidade de músicas que existiam no começo do século vinte e compare com o número atual. Mesmo que você não tenha a menor idéia sobre números, é óbvio deduzir que a curva de ascensão é quase um salto em noventa graus, que, a cada década, ganha um impulso ainda maior que na anterior. É uma outra forma de dizer que, além dos compositores existentes terem passado a produzir mais, o próprio número de autores de canções aumentou substancialmente.

Ou ainda: você está cada vez mais cercado por novos artistas de música. Mais: estamos, todos, lentamente, nos tornando isso. Todos nós. Praticamente a cada década passada, um novo avanço tecnológico facilita o processo de realização de artes em geral e de música em específico. Desde o advento do fonógrafo e da fotografia, cada período de dez, quinze anos, é uma machadada a mais na Torre de Marfim que antes isolava o Artista (antes, maiúsculo) de seu público, pouco a pouco mais artista (minúsculo, comum).

Se formos falar das artes em geral, os exemplos são inegáveis – não apenas mais pessoas começaram a produzir arte como mais tipos de artes nasceram. A fotografia e o cinema, evidente mas bom lembrar, têm pouco mais de um século de idade, e mesmo assim são dois de nossos principais pilares culturais. As seis artes gregas, clássicas, as Belas Artes (a saber, arquitetura, dança, escultura, declamação [literatura e teatro, num item só], música e pintura), foram destrinchadas em infinitas manifestações, de conceitos amplos e vagos o suficiente para incluir uma fauna massiva de novos artistas. Pense em “performance”, “vídeo”, “instalação”, “moda” e “projeto” e comece a imaginar os milhares de conhecidos seus que, séculos anteriores, seriam mortos, aprisionados ou postos no hospício por fazerem o que fazem e gostam tanto.

Mas seu sarcástico riso no canto da boca não pode deixar de excluir o nosso bom e velho rock’n’roll – e num âmbito bem genérico, pra incluir Britney Spears, Charlie Parker e Raul Seixas numa mesma sentença, sem crise nem culpa. “Rock’n’roll” ou, fora da música, “cultura pop” foi o que possibilitou que estes antigos foras-da-lei serem tratados com seriedade em nosso tempo. Num século dominado pelo fantasma do capitalismo, se deu melhor qm soube vender sua alma – não ao Diabo, mas a quem quisesse comprar. “Pop”, essa onomatopéia viral, é cultura popular enquanto produto – fazer o que se gosta e se sabe e ser remunerado por isso. É claro que há distorções desta alternativa ao “emprego” – esta moeda inventada pela Revolução Industrial. Mas –espectro ainda maior, pra falar de pop – pense em pessoas como Caetano Veloso, Woody Allen, Pedro Juan Gutiérrez e Millôr Fernandes (exemplos aleatórios, há, literalmente, milhares de pessoas que podem ser citadas) e veja se eles não vivem uma vida tranqüila e sossegada, com problemas ocasionais e desafios escolhidos (fora os aspirantes a tais postos, clones de Britney, sub-Birds e filhos cósmicos de Raul). Foi o pop, a forma como a cultura de massas dominou o século passado, que permitiu isso.

E que segue a permitir. De volta ao nosso rock’n’roll, então, mais ainda. Se cinema, literatura e artes plásticas pedem um mínimo de técnica para o leigo se tornar profissional, o rock’n’roll não pede nada. Qualquer troglodita, nerd, imbecil ou carola pode fazer rock – e cada geração pede menos técnica: primeiro o zunido das guitarras, depois o riscado dos toca-discos, agora beats de cliques de mouse. O rock (a música, a arte) torna-se cada vez mais acessível e perde o glamour, que é justamente o que emperra o progresso da cultura. Afinal de contas, já diz o adágio popular que, a variedade é o tempero da vida. E veja se não é isso que está acontecendo?

* Esse título horível não é meu. E esse texto saiu na Pense Conosco, aquela seção nova da Bizz, deste mês (Axl na capa)

P2P ultrapassado

Um guia intruso numa febre já (já? já) antiga: o blog de MP3

Já tinha falado disso em um post passado, mas depois que o Denis pediu pra reproduzir minha matéria sobre o Nick Drake no blog dele, eu me deparei com uma série de blogs dedicados ao estranho hábito de ripar discos em MP3, zipá-los em arquivos compactados e disponibilizar pelos blogspot da vida. Junte isso à hipermutação que a banda larga e a gigacapacidade de armazenamento em HDs dos últimos meses (essa pequena “era YouTube” que vivemos hoje é fruto apenas disso, mas é só o furinho na represa) e dê fim ao P2P via web. É claro que o formato não mata o P2P (que mal começou a funcionar e pouco tem a ver com troca de MP3 online – veja só fenômeno Torrent pra cair em um dos inúmeros buracos dos coelhos de Alice modernos), mas facilita a vida do povo que é uma beleza. Daqui a pouco, tem RSS presses megaupload e, falando só de música gravada (só pra ficarmos na metáfora na qual tamos mais acostumados a entender) teremos uma imensa audioteca universal com todo som já registrado ao alcance de todos, de graça e 24 horas. Questão de anos, meses talvez… Enquanto isso, segura os links:

Feijão Tropeiro – Tá em fase classic rock (o primeiro do Led, o Paranoid do Sabbath, o Made in Japan do Purple, a edição de luxo do Who’s Next), mas vai de acordo com o gosto do freguês, indo de Manu Chao a clássicos perdidos brasileiros da virada do milênio (do EP do Zémaria ao primeiro do Vulgue Tostoi, da estréia do Sheik Tosado ao Por Pouco do Mundo Livre), de Gil & Jorge a discos do Cure, do b-sides do Pixies ao 4-Way Street do CSN&Y e todos do Lenine e do Belle & Sebastian.
Loud – Indie que só, tem discos do Muse, dos Shins, Decemberists, Hard-Fi, trilhas do OC e, no lado Brasil, Lado2Estéreo e Cartola.
Lágrima Psicodélica – O nome se explica? Teoricamente, nos primórdios do blog, porque hoje a seleção vai bem além da psicodelia e progressivo tradicionais. Pra cada discografia completa do Yes completo tem um Killing Joke, todos os discos do Pink Floyd ao lado de discos da Rollins Band, toda obra solo do Fish (vocal do Marillion) tá junto de coisas do Mother Love Bone, e segue assim, trilha sonora do Last Days e Eloy, Kinks e Coney Hatch, Social Distortion e Talking Heads. O nível da disparidade pode ser resumido no fato de ter todos os discos do Dire Straits e a estréia do Detrito Federal. Só pra ficar na letra D.
Conexão Cordel – Música brasileira roots, com foco em Pernambuco: Maciel Salu, Maracatu Leão Coroado, Novos Baianos, Antônio Nóbrega, Lenine e Lula Queiroga e o livro Batuque Book.
360graus – Um giro pelo mundo do blues. Dos Blues Brothers ao Baseado em Blues, passando por Little Feat, Bo Diddley, Etta James, Freddie King, Elmore James, Otis Rush, Robert Johnson e o escambau dentro desse nicho.
Mercado de Pulgas – Tem de tudo (Mulatu Astatke, Zoot Woman, Pink Martini, Cosmic Game), com mais ênfase em música brasileira: Samba de Monalisa, Céu, Tom Zé, Velha Guarda da Portela, Luiza Possi, Shirlei de Moraes, Mundo Livre S/A, DJ Dolores, Wilson Batista x Noel Rosa, Adoniram Barbosa, Clube do Balanço, Cristina Buarque e Roberta Sá.
Cápsula de Cultura – Música brasileira xiita (tem um Miles no meio, mas não pega nada), só filé, sem gordura emepebística: Nara e Menescal, Ismael Silva, Cartola, Baden Powell, Mano Décio da Viola, Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Alaíde Costa, Jackson do Pandeiro e Gordurinha, Sivuca e Rosinha da Valença e até o PDF do Chega de Saudade, do Ruy Castro!
Musicoteca – Tudo bonitinho, dividido em seções, por autor e tem de tudo, de 14 Bis à trilha sonora da minissérie JK. Mas a fleuma do slogan (“Biblioteca de Música de Qualidade”) dá um filtro básico que os posts mais recentes (AfroReggae, Clube da Criança, As Melhores da Copa do Mundo) pareciam apenas insinuar…
Música do Bem – Me parece um rótulo melhor do que “de qualidade”. E mistura tudo: Stevie Wonder com tributo ao Cartola, Neil Young com Fernanda Abreu ao vivo, Anita Baker e João Gilberto, Rick Astley e Céu, Ibrahim Ferrer e Kate Bush, Otto e Headhunters, John Coltrane e Eurythymics, Mark Farina e Leonard Cohen, Bajo Fondo Tango Club e Diana Krall. Tem uma ou outra palhice, mas no geral a seleção é boa…
MP3 Place – Rock é rock mesmo! Grandfunk Railroad, J.J. Cale, Lynyrd Skynyrd, Faces, U2, Foo Fighters, jam do Jimi Hendrix com o Traffic, Who, Janis, James Brown e um disco do DJ Hum (?!?!).

E cada um desses blogs tem uma lista com outros tantos blogs (quer que eu facilite? Vai e fuça: Chocoreve, El Mundo de Mimi, Large-Hearted Boy, Rato Records, só pra começar…), então o esquema é puxar o cordão e ir atrás…

Frank Zappa, início dos anos 80

Antes do CD entrar no mercado. Quem tiver tempo pra traduzir, pode me mandar que eu posto aqui:

A PROPOSAL FOR A SYSTEM TO REPLACE PHONOGRAPH RECORD MERCHANDISING

Ordinary phonograph record merchandising as it exists today is a stupid process which concerns itself essentially with moving pieces of plastic, wrapped in pieces of cardboard, from one location to another.

These objects, in quantity, are heavy and expensive to ship. The manufacturing process is complicated and crude. Quality control for the stamping of the discs is an exercise in futility. Dissatisfied customers routinely return records because they are warped and will not play.

New digital technology may eventually solve the warpage problem and provide the consumer with better quality sound in the form of compact discs [CDs]. They are smaller, contain more music and would, presumably, cost less to ship … but they are much more expensive to buy and manufacture. To reproduce them, the consumer needs to purchase a digital device to replace his old hi-fi equipment (in the seven-hundred-dollar price range).

The bulk of the promotional effort at every record company today is expended on ‘NEW MATERIAL’ . . .the latest and the greatest of whatever the cocaine-tweezed rug-munchers decide to inflict on everybody this week.

More often than not, these ‘aesthetic decisions’ result in mountains of useless vinyl/cardboard artifacts which cannot be sold at any price, and are therefore returned for disposal and recycling. These mistakes are expensive.

Put aside momentarily the current method of operation and think what is being wasted in terms of GREAT CATALOG ITEMS, squeezed out of the marketplace because of limited rack space in retail outlets, and the insatiable desire of quota-conscious company reps to fill every available slot with this week’s new releases.

Every major record company has vaults full of (and perpetual rights to) great recordings by major artists in many categories which might still provide enjoyment to music consumers if they were made available in a convenient form.

MUSIC CONSUMERS LIKE TO CONSUME MUSIC … NOT SPECIFICALLY THE VINYL ARTIFACT WRAPPED IN CARDBOARD.

It is our proposal to take advantage of the positive aspects of a negative trend afflicting the record industry today: home taping of material released on vinyl.

First of all, we must realize that the taping of albums is not necessarily motivated by consumer ‘stinginess.’ If a consumer makes a home tape from a disc, that copy will probably sound better than a commercially manufactured high-speed duplication cassette legitimately released by the company.

We propose to acquire the rights to digitally duplicate THE BEST of every record company’s difficult-to-move Quality Catalog Items [Q.C.I.], store them in a central processing location, and have them accessible by phone or cable TV, directly patchable into the user’s home taping appliances, with the option of direct digital-to-digital transfer to the F-I (SONY consumer-level digital tape encoder), Beta Hi-Fi, or ordinary analog cassette (requiring the installation of a rentable D-A converter in the phone itself . . . the main chip is about twelve dollars).

All accounting for royalty payments, billing to the consumer, etc., would be automatic, built into the software for the system.

The consumer has the option of subscribing to one or more ‘special interest category,’ charged at a monthly rate, WITHOUT REGARD FOR THE QUANTITY OF MUSIC THE CUSTOMER WISHES TO TAPE.

Providing material in such quantity at a reduced cost could actually diminish the desire to duplicate and store it, since it would be available any time day or night.

Monthly listings could be provided by catalog, reducing the on-line storage requirements of the computer. The entire service would be accessed by phone, even if the local reception is via TV cable.

One advantage of the TV cable is: on those channels where nothing ever seems to happen (there’s about seventy of them in L.A.), a visualization of the original cover art, including song lyrics, technical data, etc., could be displayed while the transmission is in progress, giving the project an electronic whiff of the original point-of-purchase merchandising built into the album when it was ‘an album,’ since there are many consumers who like to fondle & fetish the packaging while the music is being played.

In this situation, Fondlement & Fetishism Potential [F.F.P.] is supplied, without the cost of shipping tons of cardboard around.

Most of the hardware devices are, even as you read this, available as off-the-shelf items, just waiting to be plugged into each other in order to put an end to the record business as we now know it.

Aquaplay

Resenhinha pro livro The Future of Music que saiu na Bizz 195, a com os Strokes na capa e, pra deixar registrado, uma senhora matéria do Lucio.

“A água tem um papel essencial em nossas vidas – nada acontece sem água. Centenas de milhares de pessoas ao redor do mundo trabalham no mercado de prover água para outras pessoas, bilhões são gastos para garantir o suprimento regular de água e exércitos de pesquisadores e trabalhadores lidam com projetos relacionados à água. Ao lado do ar, a água é absolutamente essencial à vida. Não pagamos pelo ar – ainda – mas pagamos por água e, por conseqüência, algumas das companhias de lidam com água estão entre as empresas mais ricas do planeta”.

E o que o futuro da música tem a ver com a água? Na verdade, a água é apenas uma metáfora que David Kusek e Gerd Leonhard usam para explicar como a música será consumida no futuro. “The Future of Music” é, sim, um exercício de futurologia, mas baseado em números e situações atuais de empresas e pessoas que já encontraram soluções para a chama “crise na indústria na música”. Que, salientam os autores, não existe. A crise é da indústria do disco: “Muitos de nós estamos acostumados a pensar que toda a indústria é fundada em uma fórmula simples: volume de venda de discos = valor da indústria”, escrevem, “isso é um mito porque, na verdade, a indústria do disco é só uma fatia da indústria de música como um todo – e muitas das outras fatias são sequer conhecidas pelo consumidor médio de música”.

Os autores traçam um panorama sobre a indústria da gravação de discos e sobre a digitalização da música que, a partir dos anos 80, liberou-a do formato disco para qualquer outro suporte de natureza digital. Ao cogitar que os consumidores pagassem mais caro por um produto mais barato (o CD) e forçando o público a comprar novamente os mesmos discos, a indústria fonográfica criou um formato fácil de gravar, copiar, distribuir, dar. Achou que estava vacinando-se, quando provava um veneno cujo gosto está sendo sentido hoje em dia.

Mas “música de graça” não é equivalente à artistas sem dinheiro, como as grandes gravadoras fazem supor. Mesmo porque “música de graça” nunca é de propriamente gratuita – ninguém baixa MP3s e queima CD-Rs sem ter uma boa conexão online ou um computador decente, que foram pagos por alguém.

Voltamos então ao paralelo com a água, que está sempre ao nosso redor e, aparentemente, é de graça. Mas quando lavamos a mão no restaurante, abrimos a torneira num parque público ou tomamos banho num hotel estamos, mesmo que indiretamente, pagando a conta. E a troca de parâmetro básico – música como um serviço, não como um produto – faz com que o pagamento pela música aconteça mais pela comodidade do acesso do que pelo valor agregado ao disco propriamente dito. Ou alguém consegue explicar outro motivo para o fato de um trecho tocado em MIDI de uma determinada música (o famigerado ringtone) custar mais caro que a música inteira, na versão original, nas lojas de MP3s online?

Vamos aos fatos

Bem legal esse texto. Tipo “coisas que precisam ser ditas”:

“Tradicionalmente, o mercado musical tem sido baseado em uns poucos nomes. Estes alimentavam os menores, de forma que tudo funcionava a contento. Ou seja, a gravadora investia em 10 artistas e, destes, só um dava certo, de forma a pagar pelo investimento dos outros 9. Por sinal, este número é real e coincide com a taxa normal de retorno de qualquer investidor institucional. Ou seja, nada de especial até aqui: a coisa funcionava bem. Porém, a concentração de nomes tem se intensificado muito ultimamente, e isto se originou em vários fatores.

Um destes foi a súbita descoberta das grandes cadeias de lojas em detrimento dos pequenos lojista. As gravadoras passaram a se focar quase que exclusivamente em megastores como Lojas Americanas, Carrefour, WallMart, etc, passando a ignorar o pequeno lojista. Isto devido ao fato das megastores comprarem muito mais do que uma pequena loja, dando assim menos trabalho. Isto foi um erro fatal, pois o pequeno lojista possui muito mais espaço e interesse em ter um estoque variado do que uma megastore, uma vez que ele vende exclusivamente música. Já as megastores vendem um pouco de tudo e, assim, não tem nem o interesse e muito menos o espaço para comportar muitos nomes e álbuns. Assim, o pequeno lojista acabou fechando as portas, adicionando ainda mais para a concentração de mercado nas megastores. O efeito final é que hoje é extremamente difícil se encontrar CDs que não sejam os manjados Sandy e Júnior, Padre Marcelo Rossi, e Kelly Key [urgh!], pois as megastores não se interessam em vendê-los, e as pequenas lojas que sobreviveram perderam o cash-flow necessário para se dar ao luxo de manter CDs com pouca liquidez nas prateleiras.

Outro motivo apareceu quando as rádios descobriram um excelente filão: não pagar mais royalties e, em vez disso, cobrar pela execução de músicas. O mercado, entretando, em vez de simplesmente se opor a este absurdo, concordou, e deixou que ele se estabelece-se. Isto criou uma enorme carga financeira nas gravadoras, que passaram a poder lançar somente uns poucos nomes, contribuindo ainda mais para a concentração musical.

Paralelo a esse mercado ‘oficial’, aparece um ‘paralelo’ chamado internet. Neste, o artista se vê reduzido a um mero arquivo MP3. Não importa o quanto coloque em marketing, publicidade, Relações Públicas, e blábláblá, o arquivo MP3 não vai crescer nem ficar mais bonito por isso. Não importa o quanto se fale sobre a qualidade da música contida nele, o arquivo sempre será um entre zilhões circulando no ciberespaço todos os dias. Não importa o quanto coloquemos de mídia, um zé-ninguém pode, com um investimento mínimo exatamente nesse marketing, publicidade, Relações Públicas, e blábláblá, obter o mesmo nível de exposição. Ou seja, foi introduzido no mercado a pior coisa que poderia acontecer nele: a DEMOCRATIZACÃO.

Porém, entra agora a pergunta que não quer calar: alguém proibiu o mercado de música de usar essas mesmas ferramentas para o seu bem? Obvio que ninguém. Nesse caso, porque, em vez de usá-las, tentam impedir que elas sejam usadas? Não porque elas sejam ‘piratas’, ou ‘ilegais’, ou o que for. É porque ele mesmo percebeu que invalida o seu negócio na medida em que o democratiza. É porque ele percebeu que a democratização da música faz muito mais mal do que qualquer pirataria. E isto se faz notar quando órgãos reguladores que processam pessoas acusadas de pirataria na internet afirmam estarem defendendo ‘toda a indústria’. Toda não, cavalheiro, pois há muitos músicos e selos independentes que não concordam com a maneira que a música está sendo levada, usam a internet com sucesso para divulgar os seus artistas, e nunca pediram para serem representados por ninguém. Porém, como estes não tem voz publica, acabam sendo engolidos pela retórica dos grandes players do mercado. Porém, uma vez mais, a própria internet vêm como salvação, permitindo que o público saiba realmente o que está acontecendo, como você mesmo está fazendo agora”